sexta-feira, 24 de março de 2017

O Agronegócio na Berlinda: Além da Carne Fraca



Aos sugestionáveis, o poderoso lobby do agronegócio brasileiro impunha a ideia de que era o setor exemplar da economia: modernizador do campo, maior gerador e mantenedor de empregos, principal exportador, padrão de qualidade internacional. Ambição de tornar nosso país o maior produtor mundial de carne e soja. Comanda a armada ruralista o mais poderoso barão do campo, o Ministro da Agricultura Blairo Maggi. Bilionário da agroindústria, é o "Rei da Soja" e dirige o grupo Amaggi, líder planetário de soja.

Eis que a Policia Federal, com sua Operação Carne Fraca, joga muita água na fervura do negócio agropecuário. O setor não escapa da corrupção endêmica que assola o Brasil. As primeiras ações preventivas para tentar estancar os malfeitos vindos à luz: vinte e um frigoríficos de grandes marcas proibidos de exportar carne com suspeição de podre (para o mercado interno pode, não é Sr. Maggi, quanto desrespeito e desprezo pelo povo brasileiro); dois superintendentes do ministério -- nomeados pelo Sr. Maggi -- e dezenas de fiscais demitidos ou afastados. Como sempre, a tática de defesa é diversionista: tratar-se-ia de problemas pontuais, o que não justificaria o 'estardalhaço' da Polícia Federal. Não vai colar, Sr. Maggi e Sr. Temer, o povo brasileiro começa a tomar consciência de cidadania.

Feita esta abertura sobre a carne fraca, o tema principal do artigo são as graves agressões à natureza engendradas pela pecuária extensiva e pela cultura em escala industrial de oleaginosas. O que se passa no Brasil e na Argentina, os dois gigantes sul-americanos do agronegócio?

Mato Grosso, estado amazônico com mais de 900.000 km2 -- quase duas vezes a França --, tem se transformado, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, em uma imensa plantação de soja, às custas de desflorestamento desenfreado e destruição do cerrado. Entre 1991 e 2016, a área plantada no Estado passou de 1,2 para 9,4 milhões de hectares.  Apesar dos protocolos firmados entre o governo federal e a indústria agroalimentar no sentido de frear o desmatamento, este prossegue via práticas ilegais e corrupção. (É mais que oportuno lembrar: antes de Ministro da Agricultura, Blairo Maggi foi senador de Mato Grosso pela gambiarra da suplência, e depois governador do dito Estado. Foi 'agraciado' pela ONG Greenpeace com a "Moto serra de Ouro".) O pantanal mato-grossense, maior viveiro de fauna e flora do mundo, vive um nefasto processo de assoreamento, por conta da crescente quantidade de matéria em suspensão trazida pelos rios que perdem a proteção ciliar de suas margens. As chuvas escasseiam na amazônia mato grossense, o calor aumenta, as queimadas naturais ou provocadas debilitam as florestas ainda poupadas pelas moto serras dos homens. Tragédia conscientemente ignorada pelo oba-oba dos ruralistas.

O agronegócio da Argentina se concentra no Pampa, uma extensa região que compreende as províncias de Córdoba, La Pampa, Santa Fé e parte da província de Buenos Aires. Fértil, pluvioso e plano, antes do boom da indústria agroalimentar o pampa consistia em florestas e também matas ralas próprias para pastagem -- o equivalente brasileiro do cerrado. Hoje, é como se restos de floresta procurassem um 'cantinho' que seja para sobreviver: predominam à larga tanto enormes plantações de soja quanto pecuária extensiva bovina. Como o Brasil, a soja e a carne são os principais itens da pauta de exportação argentina.

Pasmem, o negócio agroindustrial fez da Argentina a líder mundial de desmatamento (!) (sic). A natureza se vinga, implacável. Considerem-se áreas iguais de floresta natural, pastagem e campo de soja: em comparação com a primeira área, a segunda absorve três vezes menos água de chuva, a terceira dez vezes menos. O lençol freático do pampa, que se encontrava a dez metros de profundidade, está agora a menos de um metro da superfície: os solos saturados não podem mais absorver a água das chuvas (Fonte: Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária, da Argentina). Inundações catastróficas se repetem várias vezes a cada ano. Diques são construídos para impedir a inundação de cidades, mesmo em ausência de chuva. O pampa fica literalmente coberto de água por muito tempo fora da temporada chuvosa, causando imensos prejuízos aos produtores de soja e pecuaristas. Sem falar da esterilização dos solos por excesso de água e por pesticidas, e dos danos na estrutura de transportes.

Nos primórdios da derrubada de florestas, os magnatas do agronegócio esnobavam os ecologistas que alertavam para as implicações do desmatamento no aquecimento global. À maneira Trump, tachavam os ecologistas de chatos alarmistas. Face às calamidades dos tempos atuais, a 'culpa' não é do modelo agroindustrial vigente, mas das mudanças climáticas. Haja hipocrisia.

E pensar que tudo poderia bem se arranjar: carne forte, soja saudável e natureza no essencial preservada. Infelizmente, confiar na racionalidade dos homens é espera inglória.

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