sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Terra em Chamas



Trump e o Clima


O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é um empedernido desdenhador dos gases de efeito estufa e do aquecimento global. Em sua campanha eleitoral, ele dizia disparates como o de que o aquecimento é uma invenção da China a fim de prejudicar a competitividade da indústria norte-americana.  

Prepara-se para ir à prática. Cercado de lobistas dos combustíveis fósseis, anuncia as seguintes sandices:  (1) retirar seu país dos acordos de Paris -- que visam a reduzir as emissões de gases estufa; (2) dar fim ao programa de energia limpa do presidente Obama; e (3) liberar a construção do oleoduto Keystone XL, ligando o Canadá aos Estados Unidos e atravessando este último de norte a sul. (A construção desse oleoduto fora vetada pelo governo Obama, dada a potencialidade de causar pesados danos ambientais.) Tudo isso é grave, muito grave.

Não pára aí. Para comandar a equipe de transição na Agência de Proteção ao Ambiente, Trump indicou Myron Ebell, presidente da Coller Heads Coalition, uma organização que tem por objetivo "dissipar o mito do aquecimento planetário" (sic). O orçamento da agência espacial norte-americana (NASA), no que concerne ao monitoramento de ações de devastação do planeta, vai ser redirecionado para programas completamente alheios a questões da Terra, tais como missões humanas à Lua e além.

Nota à margem - Donald Trump planeja a construção de um muro -- ôpa! o do México é outro -- para proteger sua propriedade escocesa das tempestades e da elevação do nível do mar. Um sinal de reconhecimento dos efeitos do aquecimento global? Mais adequado dizer que ele é um hipócrita e um entreguista dos interesses econômicos.


A Seca no Nordeste


Ao que muito parece indicar, o Nordeste Brasileiro vai entrar no sexto ano consecutivo de estiagem. Será a pior e mais extensa seca dos últimos 100 anos. A última grande crise assemelhada foi aquela entre 1910 e 1915, imortalizada pela escritora cearense Rachel de Queiroz em seu romance realista O Quinze, publicado em 1930. 

A área abrangida por Campina Grande na Paraíba -- 400.000 habitantes na sede e quase 1 milhão no entorno chamado de Compartimento da Borborema -- está à beira de um colapso hídrico, com falta de água para consumo humano já em abril próximo. A Grande Fortaleza, a quinta maior aglomeração urbana do Brasil, sofrerá de sede ainda em 2017. Obras estruturantes e novas adutoras não ficarão prontas a tempo de resolver o problema, que bate à porta. O paliativo ora em execução: 6.800 carros-pipa, atendendo a 3.500 localidades. 

São apenas alguns aspectos de uma catástrofe climática anunciada, que abarca uma região-país de 1.300.000 km2 e 55 milhões de habitantes.  (Meus amigos Almir Junior de Fortaleza -- um estudioso do tempo -- e Bruno Queiroz de Campina Grande ainda acreditam na melhora das condições para chuva em 2017. Ave, Ave, Junior e Bruno!)

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Econoceticismoˠ

ˠ- Neologismo para designar o ceticismo face a políticas econômicas centradas em arrocho fiscal.


O econoceticismo tem sido a tônica das discussões sobre diretrizes (macro)econômicas. Às favas a ortodoxia -- a economia dominante -- que asfixia os governos de praticamente o mundo todo com suas orientações de política econômica completamente divorciadas dos grandes problemas do mundo real, tais como as desigualdades e a instabilidade financeira.

Um basta na estagnação europeia. Finalmente, Bruxelas compreendeu que, a cumprir o receituário da economia dominante de incompatibilidade entre ajuste fiscal e crescimento econômico, a saída da Grã Bretanha é só o começo da derrocada final da União Européia. Insuportável o estrangulamento econômico vivido pela Grécia e, em menor medida, por Portugal e Espanha. Itália e França também estão longe, longe, de investir o suficiente para desamarrar suas economias claudicantes.

Para evitar o desastre final da União Europeia, Bruxelas por fim encampa as novas recomendações do FMI, do G-20, do G-7 e até do Banco Central Europeu que pleiteiam um estímulo fiscal "expansivo" para todos os países em dificuldades. Chega ao ponto de afirmar que passará a fazer vista grossa aos países que claramente descumprem as metas de deficit -- casos de Espanha e Portugal --,  não deixando de drenar recursos europeus para eles. Uma maneira cabal de consumar a nova orientação desenvolvimentista (!).

Nos Estados Unidos, o presidente eleito Donald Trump propõe um estímulo a mais de um trilhão de dólares à economia, o que já causa alvoroço nos meios econômicos mundiais. (Espero ter deixado claro, de outros artigos, que minha veemente oposição a Trump não é contudo cega.)

Os economistas ortodoxos ou se reciclam ou cairão no descrédito total. Da mesma forma que o ensino de economia precisa passar por revisões profundas. Considere-se a crise financeira de 2008: foi a pior desde 1929 e os professores das matérias econômicas continuam a dar suas aulinhas repetitivas como se nada tivesse acontecido. Esquecem que o grande objetivo do estudo da economia é o de tornar o mundo melhor e não para aumentar os lucros do setor privado. Alto e bom som: mostram-se cruelmente ineficientes em apresentar previsões e soluções que beneficiem o conjunto das populações.

O fracasso mais retumbante da economia dominante foi sua incapacidade de prever o crash financeiro de 2008. Chocante, contrastando com a pretensão de ser um sistema racional e adaptativo às perturbações ocasionais. Enfim, de querer que a economia seja um conjunto imutável de regras e leis que não se pode nem questionar e nem duvidar. Uma ciência, como a Física? Não, não é.

Bem ao contrário, Economia é uma matéria por natureza contestável e interdisciplinar. Indispensável o ensino também de matérias complementares, tais como Filosofia da Economia, História da Economia e Ética. Uma formação mais pluralista, mais crítica e mais liberal. (Sem dispensar, claro, o rigor: a construção e validação de modelos econômicos não dispensam sólida familiaridade com a matemática. Modelos são indispensáveis para que seus autores demonstrem que realmente entendem do que estão falando.)

Seria pertinente falar de escolas brasileiras de pensamento econômico? Infelizmente, não. Nossos mais incensados economistas têm sido incapazes de propor modelos para o Brasil (já vai longe o tempo do grande economista paraibano, Celso Furtado). Não passam de boçais imitadores dos "dinossauros do ensino da economia" -- a expressão é do jornal londrino Financial Times --, enredados em fórmulas matemáticas e modelos abstratos desconectados do mundo real. Pior, cuja aplicação só tem infelicitado os países e os povos. Evocando o sempre atualíssimo Nelson Rodrigues: E agora, seus portadores de complexo de vira-lata? Quando vão entender que o controle dos gastos públicos é apenas uma parte -- talvez bem pequena -- da solução para o desenvolvimento do Brasil? Nossa dívida pública precisa de alívio, crescimento já!

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Presidente Trump



Pela segunda vez neste blog -- a primeira foi a postagem Repetir-se de 27/05/2016 -- a norma "não copiar-colar" do blog é ignorada para reproduzir integralmente o editorial Brexit américain ("Brexit americano") do semanário analítico francês Courrier international, a propósito da vitória de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos. Enumeram-se três motivos conjuntivos para tal: (m1) a eleição presidencial da primeira potência do planeta repercute natural e intensamente no mundo inteiro; (m2) a excepcionalidade da vitória de Trump, contra as principais médias e contra todas as pesquisas de opinião (à exceção de uma); e (m3) a agudeza e concisão da análise do Courrier: o essencial em apenas três parágrafos.

Segue-se minha tradução para o português do referido editorial, assinado por Éric Chol na edição do Courrier international de 10-16 de novembro de 2016.


     Brexit americano


Faz tempo, as médias o têm tomado por um palhaço. E elas debocham de suas travessuras, sinônimos de zumbido e de querer aparecer. Mas quando os jornais e as redes de televisão acordaram, já era tarde demais: o foguete Trump decolara. Deixando estatelados os Jeb Bush e outros rivais republicanos. O bufão se transformou em demônio da política americana, aquele que precisava ser imobilizado a qualquer preço.

Desde o início do outono, revelações têm se sucedido sobre seus desvarios sexuais e suas fraudes fiscais. Inútil: Donald Trump bem sabe escolher as palavras e o que postar no Tweeter para convencer uma população em cólera a votar nele. Sua campanha, de agressiva rudeza, foi ameaçadoramente eficaz. Fazendo explodir umas após outras as barreiras de contenção democratas. Era preciso ver, nesta noite de 8 de novembro, os semblantes desnorteados dos membros do clã Clinton, ultrapassados por um fenômeno que a ex Primeira Dama jamais soube analisar. Ora longe de ser obra do acaso, a vitória de Donald Trump soa como a resposta populista ao mal-estar profundo da sociedade americana. Um mal-estar cuidadosamente dissimulado por um crescimento econômico moderado e uma taxa de desemprego inferior a 5%.

Mas as fraturas expostas criadas pela globalização, os rasgos no tecido industrial do país, a herança maldita nunca resolvida da recessão de 2008 deram elasticidade ao ressentimento popular. Uma cólera surda, comparável àquela manifestada em junho na Grã-Bretanha [Brexit]: antes de dizer sim a Donald Trump, a América sobretudo disse não a Hillary Clinton. E é com esta América recalcitrante que o resto do mundo, consternado, vai ter que se compor.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Desamparada América Branca



É mais do que certo que arrogância, simplismo e desprezo dissimulam medo, insegurança e ódio. Enquanto a parte instruída da América Branca surfa nas ondas otimistas e revigorantes do progresso tecnológico --  "Os EUA são uma fonte impressionante de inovação. Acabei de fazer uma série de entrevistas na Amazon em Seattle e senti a inovação no ar ...", diz peremptoriamente meu amigo Jacques Sauvé --, a outra parte precariamente capacitada e desamparada da América Branca -- a América profunda -- disfarça seus medo, insegurança e ódio com manifestações de arrogância, simplismo e desprezo para com o mundo inteiro. Tudo isso se passando na principal potência nuclear do planeta, às voltas com sintomas de uma ressurgente guerra fria com a nuclearizada Rússia (e nem se fale da China). É de apavorar, sem fingimento.

Um cidadão da América profunda dificilmente encontra um bom emprego. Vê seus filhos morrerem de overdose. Não consegue confiar nas médias, nem nas elites políticas, nem em ninguém. Tem acesso a portais de notícias ultraconservadores como Breitbart News, que difunde que o presidente Barack Obama é um terrorista estrangeiro. Quase impossível a ascensão social, em uma cultura que encoraja a degradação social em vez de combatê-la. É pois falacioso afirmar que as causas da deterioração da sociedade norte-americana se devem primordialmente à economia globalizada que rouba empregos locais: pertencer à baixa classe média e à pobreza por si só engendra motivos específicos e determinantes para a degeneração.

Números estarrecedores. O consumo de heroína nos meios da América branca e pobre quadruplicou nos últimos dez anos. Não é exagero reconhecer a existência de uma verdadeira epidemia da droga, sem excluir outras pesadas como a cocaína. O fenômeno dilacera particularmente pequenas cidades e zonas rurais norte-americanas. Entre os estados mais atingidos, figuram New Hampshire (vizinho dos resplandescentes estados de Nova Iorque e Massachusetts), os estados do Meio-Oeste e aqueles da região dos Montes Apalaches.

Não deveria pois surpreender que o cidadão da América profunda detesta os detentores do poder: os Clinton, Barack Obama e os banqueiros de Wall Street. Campo fértil para dar ouvidos às grosserias sem peias de Donald Trump contra pessoas e instituições. Muitos também encontraram guarida em Bernie Sanders -- o rival de Hillary Clinton quando das eleições primárias do Partido Democrata -- que, com um discurso politizado, posicionou-se veementemente contra o establishment.

Se é bem verdade que as tensões raciais se multiplicam, ou que o racismo se escancara, é igualmente certo que grassa um processo de isolamento cultural e social das gentes da América profunda. Em sua coluna na FSP de 03/11/2016, o articulista Clóvis Rossi vai na mesma linha: "Ao contrário de culpar os eleitores quando uma derrota eleitoral se afigura, é mais razoável sugerir que se estude a alma deles [dos eleitores de Trump], para compreender -- e eventualmente corrigir -- esse difuso mal-estar que gera o 'trumpismo'".  


Principal fonte - Courrier international, 3-9/11/2016.