sábado, 6 de fevereiro de 2016

O Paradoxo da Unanimidade

   Toda unanimidade é burra
                                     Nelson Rodrigues (1912 - 1980), dramaturgo e escritor


O paradoxo da unanimidade se explica singelamente. Todos concordam [com alguma coisa]? Deve haver um erro! Nem tão paradoxal quanto parece.

Para começo de conversa, se o paradoxo da unanimidade soa ilógico para muitos e muitos, não o é para muitos outros. A implicância com o consensual não é só de Nelson Rodrigues (ver a epígrafe). Segundo o Talmude judeu, um suspeito condenado por unanimidade pelos juízes deveria ser absolvido. A sabedoria popular vai ao encontro dos exegetas do Talmude: desconfie-se de uma coisa, quando ela é muito certinha para ser verdadeira.

De um ponto de vista probabilístico, é quase sempre improvável que um bom número de pessoas estejam inteiramente de acordo sobre o que quer que seja. Mais precisamente, a imperfeição é a tônica de praticamente todo sistema real. Imagine-se uma moeda cara-coroa adulterada para dar cara em um pouco mais de 50% dos casos. Então se ela for lançada uma quantidade de vezes, terá dado mais cara do que coroa. A justificativa matemática para o fenômeno é a inferência bayseana -- método estatístico que leva o nome do matemático britânico Thomas Bayes, permitindo deduzir a probabilidade de um evento em função de outros eventos. Não que as leis da probabilidade de um sistema binário como cara-coroa tenham mudado, mas que o sistema específico é defeituoso.

Quando pessoas são envolvidas, a corrupção de um sistema se deve principalmente a eventos que podem estimular preconceitos ou conduzir a dúvidas. Supondo-se a existência de preconceituosos em um grupo de testemunhas vis-à-vis de um suspeito -- e como os preconceitos existem: contra negros, pobres e homossexuais; contra ricos e políticos; a gramática portuguesa é preconceituosa; etc. --, a probabilidade de que o grupo acerte o veredicto começa a diminuir após somente algumas identificações concordantes. Contra intuitivamente, a chance que as testemunhas tenham razão aumentaria se alguém dentre elas designasse um outro suspeito. A explicação é que o consenso é anormal na medida em que se julgue emotiva ou irracionalmente. Com relação à outra fonte de erro, a dúvida, em existindo imprecisões visuais ou documentais, é admissível que uma pessoa afirme uma coisa sem ter certeza da mesma.

Abra-se um oportuno parêntese. Claro, claro, a unanimidade é uma boa decisão nos casos em que dúvidas e preconceitos são quase completamente inexistentes. Por exemplo, identificar uma banana entre laranjas: esta tarefa é tão fácil que é quase impossível de se enganar, a unanimidade se tornando portanto altamente provável. Feche-se o parêntese.

O paradoxo da unanimidade é aplicável a variados domínios. Eis três exemplos:
1. O escândalo Volkswagen. A empresa usava um software malicioso para, durante os testes de poluição, minimizar as emissões poluentes de seus motores diesel. Os inspetores norte-americanos observaram que as emissões eram quase idênticas tanto para um veículo novo quanto para um modelo velho de cinco anos! Esta constância chamou a atenção para a distorção sistêmica instaurada no software corrompido.
2. Entre 1993 e 2008, a polícia européia identificou o mesmo ADN feminino em uma quinzena de crimes acontecidos na França, na Alemanha e na Áustria. As provas eram idênticas e avassaladoras, todavia estavam erradas. O erro sistêmico: os bastonetes utilizados para coletar as amostras de ADN tinham sido acidentalmente contaminados por uma mesma empregada da linha de produção; esclarecido o caso, a dita empregada pôde se livrar da acusação injusta.
3. É mister ficar de olho enviesado nas publicações científicas. Não é tão incomum que autores maquiem os resultados de seus experimentos, a fim de apresentá-los bem 'bonitinhos'. Literalmente. O fato é que toda experimentação comporta "ruídos", sendo preciso então esperar a ocorrência de desvios do padrão; se não fosse assim, então seria permitido suspeitar da integridade dos cientistas concernentes.

Enfim, revigoremos nosso espírito democrático, esforçando-nos por compreender e aceitar as diferenças.


Fonte - Site britânico Phys.org dedicado a C&T, leitura em 04/01/2016.

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