sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Ecos de Buenos Aires



Cidade que ama os livros. (1) O "templo da leitura" fica na Avenida Santa Fé, em Buenos Aires: livraria El Ateneo Grand Splendid. A mais bonita do mundo e uma das maiores, a imagem a seguir não deixando exagerar.

El Ateneo Grand Splendid

O ex-teatro Grand Splendid foi o cenário de grandes espetáculos e hoje é um espetáculo de livraria. Os balcões e a platéia são inteiramente ocupados por livros, arrumados em estantes temáticas. O amplo foyer (não aparece na imagem) é o outro espaço repleto de livros. Para dar uma noção da completude da El Ateneo, o tema "Einstein" ocupa quase toda uma estante. O palco é para tomar um café, comer uma guloseima ou buscar um recanto para ler. Cultura e encantamento. (2) Num trecho de aproximadamente um quilômetro da Avenida Corrientes, contam-se nada menos de 30 livrarias, para todos os gostos. (3) Buenos Aires tem mais livrarias por pessoa do que qualquer outra cidade do mundo.

Tango. O tango não é triste, melancólico, nostálgico, choroso. O tango é alegre.  ... Foi Carlos Gardel quem deturpou o espírito original do tango: obcecavam-no os dramalhões tipo homem abandonado por mulher (Jorge Luis Borges). O espetáculo Pasión de Tango, em cartaz no teatro do Centro Cultural Borges. é tango alegre.

Fugir do merchandising do tango. Não faltam casas de tango em Buenos Aires, claro: o tango é a maior atração turística da Argentina. Não impede de tomar precauções. Com insistência, propagandeia-se tango ordinário: antes equilibristas ou malabaristas que dançarinos. Complementando a insurgência de Borges contra a deturpação desse magnético gênero musical, tango também não é circo!

Café Tortoni. O destino na Avenida de Mayo era o Café Tortoni. Ingredientes: o décor é lindo; Borges o frequentava nos finais de tarde, para saborear chocolate com churros e conversar altas literaturas com seus amigos literatos. Final de manhã, eis que a fila de espera se estendia por uns cento e cinquenta metros (todos com jeito de turista, xô portenhos!). Voltando ao anoitecer, outra fila quase do mesmo tamanho. Frustrante resultado: o icônico Café Tortoni permanece somente em minha imaginação.

Flanar por Buenos Aires. Perambular pelas ruas, com conforto para o corpo e para a visão, é a melhor maneira de avaliar e 'degustar' uma metrópole. Neste sentido, Buenos Aires continua sendo a melhor cidade da América do Sul. Segue-se um rol de bondades para o pedestre: frondosas ruas e avenidas; graciosos bares e restaurantes, com mesas nas calçadas; bancos para descansar; calçadas largas e quase sem buracos; atenção aos populares: uma profusão de sinalizadas e respeitadas passagens para pedestre; sensação de segurança; tango alegre, aqui e acolá; violinistas clássicos; clima de festa: todo o mundo palrando nas vias; numerosos, cuidados com esmero e maravilhosos parques, com um verde de arrepiar.

Boteco. Todas as noites, exaurido da peregrinação diurna pela cidade, procurava descanso no simpático boteco (é boteco mesmo, em espanhol) da esquina próxima ao hotel. Comanda a casa um simpaticíssimo senhor argentino, com seus dois atenciosos e jovens filhos. Asseio exigido, os meninos preparam os tira-gostos devidamente munidos de luvas. Outra diferença em relação a nossos botecos: uma destacada vitrine de cremosos e deliciosos sorvetes; sorvete e cerveja, uma mistura bem ao gosto dos portenhos. No que me concerne, sorvete de doce de leite e cerveja Quilmes. Conversávamos, eu e o senhor, amistosas trivialidades; não sei por quê, esquecemos de falar de futebol, mesmo sendo o boteco escancaradamente Boca Juniors.

Réveillon. Como em toda grande cidade, um mundo de gente multifacetada sassaricando sob fogos de artifício. Em um restaurante estrategicamente situado -- amplo panorama do canal entulhado de pessoas do moderno e bem concebido bairro de Puerto Madero --, excelente comida, bom vinho malbec e honesto champanhe.

Perón e Evita. Nos quiosques, os inevitáveis posters de Perón e Evita. Pode?! Não admira que Buenos Aires tem mais psicanalistas por pessoa do que qualquer outra cidade do mundo. Psicanálise freudiana, bem entendido. Neurótica Buenos Aires!

Caução. Pois não é que um restaurante, na deslumbrante Galerias Pacifico, cobra caução?! Explica-se: a caução é embutida na conta cobrada antecipadamente, só sendo devolvida mediante a devolução do prato e dos talheres usados. Tem gente querendo roubar pratos e talheres: não pode haver outra explicação. Registre-se que a Galerias Pacifico é um grande ponto de turistas. Eita mundo bizarro!

Política e economia. Cristina Kirchner e Dilma Rousseff: sósias nos descaminhos da política e da economia. Mauricio Macri e Michel Temer: condutores sem bússola de capengas economias. O motorista de táxi, ao passar diante do Palácio do Congresso -- uma raquítica imitação do Capitólio norte-americano --, exclamou: "Casa de Delinquentes!". Os jornais de referência -- La Nacion e Clarin -- se insurgem contra o vazio de ideias e ações do governo para tirar o país da recessão econômica; nada além da cantilena do ajuste fiscal. A corrupção não está no nível petrolão, mas é grossa corrupção. À parte o impressionante paralelo com o Brasil, uma obscena inflação de 40% ao ano. A persistente crise deixa suas feias marcas na silhueta de Buenos Aires: os sinais de deterioração disputam com a pujança da cidade.

Triste peso argentino. Sai-se rico de uma casa de câmbio e descobre-se pobre na primeira esquina. O peso argentino se desfaz, evapora: qualquer comprinha leva centenas de pesos. Uma desmoralizada moeda que dá insegurança a todo instante.

Televisão. O canal de notícias TN Todo Noticias se parece demais no conteúdo com nosso GloboNews (ou BandNews, ou qualquer outro News). Vai uma alentada e feia amostra: a extensa região La Pampa, um dos celeiros agrícolas do mundo, incandescendo por efeito das descargas elétricas das tempestades deste verão absurdamente quente -- fez 37 graus em Buenos Aires --, deixando desabrigados e prejuízos sem conta; violência nas praias (Mar del Plata, Villa Gesell e outras): crimes passionais, furtos, roubos, latrocínios, afogados e desaparecidos; infame continuação de assassinatos machistas de mulheres; favelização de periferias; manifestações de protesto em bairros periféricos contra a carestia, a insegurança e o desabastecimento de água; debates acesos sobre questões políticas, econômicas e sociais: por exemplo, maioridade aos 14 anos (sic), tal a delinquência juvenil.

Brasil visto de lá. Nossas decantadas praias -- de Florianópolis, no caso --, com  a conjugação de mar verde, areias finas e natureza luxuriante: os argentinos adooram. (Em tempo: o rio-mar Rio de la Plata, a 'praia' de Buenos Aires, é marrom escuro e a areia é grossa e enegrecida, quando tem areia.) O massacre na penitenciária de Manaus é destaque abundante na televisão e nos jornais: em verdade, o mundo inteiro se escandaliza. Custo de vida: para os argentinos, o Brasil ainda é um país comparativamente barato.

Em suma, a Argentina não vai bem todavia Buenos Aires mantém a classe: vale demais a pena (re)visitá-la.

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