sexta-feira, 10 de março de 2017

Desemprego e Emprego Precário



O Brasil econômico: queda do PIB de 3,8% em 2015, e de 3,6% em 2016; taxa de desemprego se aproximando de 13%, com tendência de não arrefecer. Lamentavelmente, as respostas a "Como sair da pior recessão de nossa história?" não são um projeto de nação: uma reforma da previdência que só enxerga superavit, uma flexibilização do trabalho que dispensa as leis e a justiça do trabalho, uma reforma tributária que taxa os pobres e livra os ricos. Como tão bem resume Clóvis Rossi, em seu artigo na FSP de 05/03/2017, as expectativas que mudaram foram as do tal de mercado.

Como tem se dado o debate sobre crise econômica nos países europeus que nos são paradigmáticos? Leve-se em conta, em todos eles menos a Itália, a diminuição ao menos momentânea do desemprego (ver a tabela abaixo, por ordem crescente de taxa de desemprego em 2016).  


Tanto nos países onde o desemprego não chega a ser propriamente um drama -- os quatro primeiros da tabela -- quanto naqueles com alto desemprego -- os três últimos --,  o que se entende verdadeiramente por crise inclui também a existência tanto de empregos precários quanto de desamparo social. Como se vê, discussão diametralmente oposta à que ocorre no Brasil. Aos detalhes, país por país.

República Tcheca. Praticamente, o país do pleno emprego. Surpresa? Nem tanto. A indústria tcheca é tradicionalmente sólida. À parte sua reputada marca automobilística Skoda, a manufatura de artefatos finos de desenho não tem rival em qualidade. A cadeia globalizada de produção funciona assim: madeira dos Estados Unidos; na China, a madeira é cortada em pranchas; a madeira pranchada segue para Hamburgo, Alemanha; de Hamburgo para a transformação em objetos de desenho na República Tcheca; escoamento da produção principalmente nas papelarias norte-americanas. O problema? A baixa remuneração da mão-de-obra tcheca. O poder de compra do salário médio não representa senão 59% da média européia. As empresas financeiramente saudáveis são incentivadas de diversas formas a aumentar os salários de seus empregados, visando gradativamente à paridade com os salários da União Europeia.

Alemanha. A grande discussão das eleições ao parlamento que se darão em setembro próximo -- o regime político é parlamentarismo com presidente simbólico -- é o questionamento das leis de flexibilização do trabalho levadas a efeito pelo chanceler Gerhard Schröder, em 2010. Mais justiça social na Alemanha é o tom das campanhas dos candidatos à chancelaria.  Três pontos cardeais: aumento da duração máxima do salário-desemprego, que foi reduzida por Schröder de trinta e dois para dezoito meses; revisão da política de salário mínimo;  e estabelecimento de um teto para os salários e bônus dos dirigentes de empresa.  

Reino Unido. À primeira vista, tudo parece ir muito bem: a taxa de emprego -- proporção de pessoas em idade de trabalhar efetivamente trabalhando -- atinge um nível recorde; o desemprego está no mais baixo índice dos últimos dez anos; e nunca tantas mulheres participam do mercado do trabalho. De outro ângulo, porém, a visão se turva: os salários estagnam e o trabalho em tempo parcial não cessa de crescer. Em suma: apesar das aparências em contrário, a população em geral se empobrece e os serviços de saúde e educação se precarizam. A grande pauta político-econômica são propostas para superar a crescente perda de qualidade de vida dos britânicos e dos irlandeses do norte.

Suécia. O sistema sueco que norteia as relações entre empresas e empregados agrada a uns e outros: se, por um lado, as empresas têm liberdade para demitir, por outro lado os desempregados são indenizados com justiça, além de se beneficiarem com cursos de formação / reciclagem e assistência para a procura de novos empregos. A fortaleza do sistema se ancora nos acordos coletivos celebrados entre as organizações patronais e os sindicatos. Apesar de tudo isso, persistem bolsões de pobreza nas maiores cidades do país. Mas esses bastiões problemáticos não são largados ao abandono: uma agência de trabalho temporário cuida especificamente de seus moradores, atingidos pelo desemprego e pela delinquência. A ideia é tirar do buraco aqueles que não têm a formação e a qualificação necessárias, dando-lhes a chance de mostrar de que eles são capazes. E tem funcionado: é mesmo a principal razão da inflexão do desemprego (ver a tabela).  

França. O desemprego na França, sempre em torno de 10%, é portanto crônico. Não se trata porém de recessão continuada, mas de estagnação. A tradição industrial francesa se acha solidamente fincada na arena internacional: as empresas são financeiramente saudáveis e inexistem demissões em massa. O problema todo é que elas não contratam, ou contratam pouco, optando por investir em altas tecnologias. Do ponto de vista da nação altamente politizada, o desemprego é uma chaga que precisa finalmente ser tratada para valer. Não dá outro assunto nas campanhas às eleições presidenciais que se avizinham. O leque de propostas é amplo: redução da pressão fiscal sobre o trabalho; enxugamento da máquina burocrática estatal visando a investimentos; concentração dos investimentos em energias renováveis e na formação de jovens e desempregados; taxação dos robôs industriais; e renda mínima universal. (Infelizmente, há que registrar outrossim as ideias falsas, xenófobas e racistas segundo as quais os imigrantes e os franceses que não são de souche são os responsáveis pela 'decadência' da França.)

Itália. Único país da União Europeia onde o desemprego aumentou em relação a 2015 (ver a tabela), a Itália vive dias politicamente tensos. Para conter o desemprego, vigora o Jobs Act, que flexibiliza o mercado de trabalho no intuito de incentivar as empresas a contratar, o que não está ocorrendo. A pressão aumenta, o Jobs Act é extremamente contestado: três milhões e trezentas mil assinaturas pedem um referendo para revogar o artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores, que regula as demissões sem justa causa. A consulta vai ocorrer, a menos que o governo se antecipe ao desgaste e modifique a lei em proveito dos trabalhadores.

Espanha. O cenário espanhol é muito parecido com a da Itália, com o agravante que o desemprego, de espantosos 26% faz três anos, se encontra ainda em estratosféricos 18,4%. O grosso da opinião pública brada que é preciso reformular com urgência a "legislação de sobreviva" -- uma reforma da reforma --, com o objetivo de reduzir a precariedade dos empregos e aumentar os salários.

De volta ao Brasil. O antropólogo, escritor e político Darcy Ribeiro (1922 - 1997) dizia que nossas elites são as mais egoístas do mundo: tal a Dona Bela de Chico Anysio, "só pensam naquilo [seus exclusivos interesses]". Darcy Ribeiro permanece plenamente atual.

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