sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Nevoeiro

                                  Nevoeiro
                                                Fernando Pessoa

   Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
   Define com perfil e ser
   Este fulgor baço da terra
   Que é Brasil* a entristecer
   Brilho sem luz e sem arder,
   Como o que o fogo-fátuo encerra.

   Ninguém sabe que coisa quer.
   Ninguém conhece que alma tem,
   Nem o que é mal nem o que é bem.

   (Que ânsia distante perto chora?)
   Tudo é incerto e derradeiro.
   Tudo é disperso, nada é inteiro.
   Ó Brasil*, hoje és nevoeiro ...

   É a Hora!

*-  Portugal, no original. Fernando Pessoa teria condescendido.



O Brasil vive grave crise, todas as dimensões -- ética, política, social, econômica -- confundidas. Denso nevoeiro, luz sem brilho e sem arder. Dissipar as negras nuvens é a nobre tarefa dos brasileiros conscientes. Lutar pelo bem da Nação, combater o que Lhe faz mal. Não se dispersar, não se dividir, mover-se a certezas. Vigiar, exigir. É a Hora!


O 'blogueiro' entra em férias. Deseja aos queridos leitores muita confraternização neste final de ano, e um 2016 com ainda mais compreensão, conhecimento e participação. Até 22 de janeiro de 2016!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Capitalismo Estatal e Quejandos

     O poder -- a soberania nominalmente popular -- tem donos que não emanam da nação, 
     da sociedade, da plebe ignara e pobre. (...) O povo oscila entre o parasitismo e a 
     mobilização das passeatas. (...) A eleição, mesmo formalmente livre, reserva ao povo a 
     escolha entre opções que ele não formulou.

                                                                Raymundo Faoro (1925 - 2003), jurista e escritor
                                             

A epígrafe foi pinçada da indispensável obra Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro - 5a. Edição, Raymundo Faoro, Globo Editora, 2012. Um amplo estudo, que vai desde o Brasil Colônia até o fim da República Velha (1930), dissecando a simbiose público - privado e o divórcio poder - povo, fatores desgraçadamente imperantes no âmago da governança brasileira. Epígrafe na cabeça, pergunta-se: o Brasil politicamente feudal de 1930 persiste em 2015? Em busca de resposta.

Faoro finca sua pesquisa na dimensão cultural. O clientelismo, os laços de sangue, o compadrio aportaram com as caravelas de Cabral. Mudaram os cenários, porém o enredo permaneceu.

Impõe-se, outrossim, entender nossa deformação política pelo viés econômico. Tanto quanto a democracia política faltante, nunca houve no Brasil uma verdadeira democracia econômica. Em pleno 2015, o Estado Brasileiro é dono de 40% do mercado bancário, do total da produção de petróleo e de 70% da geração de energia. O capitalismo estatal tem sido sempre largamente predominante. Com partidarização deletéria das empresas estatais, sob o(s) partido(s) do poder da vez. Por seu lado, o capitalismo privado é fraco, discriminatório e dependente de benesses do Estado; grandes companhias particulares não sobrevivem sem o patrocínio governamental quanto a créditos, contratos e subsídios. Tudo caminho pavimentado para a corrupção, cujas entranhas têm sido expostas à Nação como nunca dantes.

O Governo é o governo dos 'amigos', o matiz ideológico servindo apenas para confundir os incautos. Vejam-se as empresas "campeãs nacionais" -- na verdade, da copa-cozinha do poder --, que as autoridades tratam como estratégicas, e que são beneficiadas com crédito multimilionário e barato do banco público de desenvolvimento, BNDES. O descompromisso com a eficácia é a norma: as inadimplentes sabem que serão perdoadas ou que não serão punidas.

Outra evidência da fragilidade de nosso capitalismo privado: as empresas públicas pagam em média salários muito melhores. É por isso que o grosso da juventude capaz e estudiosa se orienta para os concursos públicos, em vez de procurar empregos privados. (Dou o exemplo de casa: meus dois filhos mais velhos são concursados; o terceiro, prepara-se para tal.)

A consequência ruinosa do capitalismo estatal é o inevitável estado mastodôntico e intervencionista, com seu cortejo de enorme burocracia e altos impostos, tudo entrave ao empreendedorismo. E tudo a favor da corrupção.

Eficiência e produtividade não parecem afinadas com o capitalismo estatal. Eis um exemplo recente. Enquanto as exportações de nossas matérias primas eram favoráveis, intervenções governamentais -- como incentivos setoriais e controle artificial da inflação -- foram realizadas à exaustão no primeiro governo Dilma Rousseff, na ambição de promover crescimento a qualquer custo. Cessados os ventos internacionais favoráveis, o modelo 'desenvolvimentista' ruiu como um castelo de cartas, porque não alicerçado em eficiência e produtividade.

Mesmo diante de tanto atentado às sanidades política e econômica, temos fundadas esperanças de que o Brasil começa a mudar, no sentido de tornar-se uma verdadeira democracia política, social e econômica. O povo vai deixando a condição de "plebe ignara e pobre" e de "parasitismo", na visão dolorida de Raymundo Faoro (ver epígrafe). Começa a participar, vigiar, exigir. A corrupção sofre avarias: assistimos às até há pouco impensáveis prisões de políticos de nomeada, de grandes empresários e de mega banqueiros, todos condenados / acusados de fartas falcatruas. A população coloca a corrupção como a principal ferida nacional, acima das agonizantes situações da saúde e da educação; exige que ela continue a ser atacada com destacada prioridade.

Joaquim Barbosa, exemplar julgador do Processo do Mensalão, é a personalidade mais admirada do Brasil. Ótimo. Joaquim Barbosa foi também de extrema lucidez em entrevista recente concedida ao jornalista Roberto D'Avila: a histórica ausência de democracia econômica está na raiz de todas as outras nossas mazelas. A sociedade, na medida de sua participação e capacitação, ditará os rumos do Governo, e não o contrário. Na esteira, a eleição reservará ao povo a escolha entre opções que ele próprio formulará.
                                                                   

Nota - Por que Eduardo Cunha ainda não está preso preventivamente? É um dos corruptos mais desmascarados da História, e usa o terceiro cargo mais importante da República para ostensivamente impedir as investigações contra ele. Onde estais, STF?!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Gases Estufa, sem Rodeios



Vivemos a Conferência do Clima Paris 2015 (COP21). A derradeira oportunidade para que a governança mundial 'tome juízo' e controle de vez o aquecimento global, com sua esteira de desastres ecológicos. O diagnóstico faz quase unanimidade: a Terra se aquece por causa dos gases de efeito estufa lançados continuamente na atmosfera, provenientes em parte significativa de combustíveis fósseis usados na geração de energia elétrica.  O principal a remediar é igualmente bem conhecido: manter no subsolo, nos próximos 80 anos, 70% das reservas mundiais de petróleo e carvão, para que a temperatura média planetária não suba mais de 2 graus até 2.100. Ato contínuo, as energias de fontes alternativas limpas teriam definitivamente assumido o papel preponderante na matriz energética universal.

Infelizmente, há poderosas razões de ser pessimista quanto ao sucesso da COP21. Segue-se um aperçu de causas e efeitos frente aos quais não se vislumbram soluções efetivas sequer a longo prazo. Nosso pequeno e lindo planeta azul continuará a ser arrastado para a destruição, por obra e graça da incúria e da cegueira dos seres humanos.

China. O maior emissor de gases estufa do mundo. Apesar do enorme esforço para sair desse buraco ambiental: a China é ao mesmo tempo a líder mundial em C&T e produção de energias limpas solar e eólica. O problema é que, como tudo neste descomunal país, o muito está longe do bastante. Por um período indeterminado e certamente duradouro, o decréscimo das emissões poluentes estará bem aquém do ritmo desejado para alcançar a meta dos 2 graus. Em suma, não é argumento sólido contar com a China para salvar o planeta do aquecimento descontrolado.

Estados Unidos. O presidente Barack Obama bem que tem se mostrado consciente do calamitoso aquecimento universal e do papel perverso dos Estados Unidos nesta história: o país é o segundo maior poluidor do mundo (era o primeiro, até há pouco tempo). A posição intelectual de Obama se complementa com importantes medidas práticas anti-poluição. Mas Obama esbarra com um poder adverso ainda maior: o congresso americano. De fundo religioso criacionista, os parlamentares, em maioria, renegam a ciência da Terra no país da ciência. Na visão djihadista deles, o Deus antropocêntrico fez o Homem à sua imagem e semelhança, transmitindo-Lhe algo assim: "Conquiste, domine a Terra, Eu Lha dou para seu bel-prazer". Destruir a Terra não é pecado e nem motivo de preocupação. Berram que é mentira afirmar que o planeta se aquece, Deus em apoio. No balanço geral, os legisladores americanos seguem firme na contramão do discurso mundial pela preservação da vida. (Essa gente obsedada de religião, não importam latitude e longitude, me dá muito medo.)

Comunidade Européia. Terceira maior poluidora do mundo. Atenção, ecologistas do mundo inteiro: resta pouco tempo para conhecer uma sobra da última floresta virgem da Alemanha, Hambach, nas vizinhanças da cidade de Colônia. Ela está sendo devorada pelas escavadeiras do gigante da energia RWE, que ali estende uma enorme mina de carvão (sic). 4.500 hectares de árvores milenárias derrubadas nos últimos anos! Um dos buracos cavados é maior do que a área da famosa catedral. A floresta de Hambach agora é um suvenir de 1.000 hectares. Enquanto isso, na cúpula de Bruxelas, os membros da Comunidade não se entendem, presos a interesses regionais conflitantes. O planeta que arda.

Índia. Na véspera de se tornar o país mais populoso do mundo, superando pois a China, a Índia não quer colaborar para a proteção do clima. Bem ao contrário, pretende aumentar em 3 vezes sua queima atual de carvão. Os argumentos alegados: o país é extremamente dependente de energia a carvão, apresenta ainda enormes bolsões de miséria e extrema miséria, e não quer nem pensar em investir ou dar prioridade a fontes alternativas de energia. A Índia se candidata a ser em breve a maior lançadora de gases estufa do mundo. Salve-se quem puder.

África.  Os países africanos, principais ameaçados pela mudança climática, deveriam contar com si mesmos para minorar a catástrofe ecológica: aumento rápido da desertificação e alternância sinistra de secas e inundações. A África precisa imperativamente se libertar da ideologia do "tudo pelo petróleo" e abandonar modelos de desenvolvimento importados do Ocidente. Investir sem cessar em energias limpas. A Natureza, de um lado revoltada e de outro generosa, está lá para ajudar, se convenientemente tratada. Deplorável, nenhum sinal inequívoco de que a África vá conseguir: faltam-lhe vontade política, recursos financeiros e tecnologia. Ajuda do Ocidente e da China? Nunca será suficiente. A vaca africana está indo célere para o brejo.

Polígono da Seca. A maior seca de todos os tempos, em intensidade e duração, assola a extensa porção brasileira batizada de Polígono da Seca -- Região Nordeste (menos o Maranhão) e Norte de Minas Gerais --, já historicamente tão pobre de chuva. Com previsão de sua persistência em 2016. Colapso hídrico mais que palpável ronda Fortaleza e todo o Estado do Ceará -- o mais árido do Brasil --, e partes significativas do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco. Sobradinho, uma das maiores represas fluviais do universo, praticamente secou, paralisando a usina hidrelétrica. Dir-se-ia que o deserto do Saara avança celeremente e sem freio nas direções sul (África Equatorial) e sudoeste (Nordeste Brasileiro, Oceano Atlântico no meio).

Gostaria de ser otimista, mas não posso ser.