sábado, 15 de agosto de 2015

Cine São Luiz



No mês passado, foi reinaugurado o Cine São Luiz (agora, Cine Teatro), no centro de Fortaleza. Um grande acontecimento para mim, por três motivos maiores: (m1) o cinema mais bonito do mundo!; (m2) propicia-me boas recordações; e (m3) seria o grande ponta-pé da restauração de todo o conjunto central da cidade, cujas atrações se acham escondidas pela devastação do abandono.

A arquitetura do Cine São Luiz não é regionalista, é art déco. Não soa pedante e nem despropositada, tais os encantos universais do estilo e o bom gosto e perfeição com que foi assimilado. As paredes e teto da ampla platéia de 1.100 lugares são todos revestidos de madeira esculpida com delicadeza e colorida com discreta elegância (ver as duas primeiras imagens, abaixo). O cenário é uma reconfortante festa para os olhos e para o coração. Alegra e emociona.




O foyer é outro deslumbramento. Pretensamente Versalhes? Não, porque mantém o tom suavemente ajustado: nada em excesso ou fora de lugar. Cintilantes lustres de cristais (observar a última foto, de cima para baixo). Piso, teto, paredes e escadarias em mármore branco. Espelhos. Metais dourados. Poltronas pretas, amplas e aconchegantes. Dá vontade de se sentar e ficar só olhando.

A reforma foi feita como se deve. Somente os equipamentos de imagem e som são novos em folha. No mais, restauração cuidadosa e limpeza.

O Cine São Luiz é um presente ao Ceará do magnata de cinema das décadas de 40 e 50 do século passado, o cearense Luiz Severiano Ribeiro. Ele também construiu cinemas são luiz no Rio e no Recife. A besteirada bairrista brada que o 'seu' é o mais bonito. Ué, mas eu não disse que o de Fortaleza é o mais bonito do mundo?

Aos cuidados da Secretaria Estadual de Cultura, a nova programação de filmes é esmerada. A sessão Grandes Filmes contempla a reexibição de grandes filmes passados pela tela do São Luiz, com cópias restauradas. (O filme de reabertura foi Cinema Paradiso, de 1988. Linda trilha sonora de Ennio Morriconi.) E pensar que esta joia arquitetônica e cultural permaneceu fechada e praticamente abandonada por duas décadas. Imperdoável.

O Cine São Luiz e seu entorno são destaques de minhas recordações de Fortaleza da década de 60, os três últimos anos do secundário e os dois primeiros anos na Escola de Engenharia da UFC (transferi-me em seguida para a Escola Politécnica da UFBA, mas isso já é outra história). A cidade girava no Centro, os bairros eram periferias. Como muito bem vigora nas cidades francesas: Paris da Via Triunfal; Toulouse do Capitólio; Montpellier da Praça da Comédia; Marselha do Velho Porto. Fortaleza da Praça do Ferreira, ostentando o Cine São Luiz. O amplo Abrigo Central, dos bate papos intermináveis ao pé do cafezinho. O corredor de vento intenso e generoso que levantava as saias das mulheres, para a alegria da rapaziada e dos maduros sentados em bancos da praça estrategicamente situados. As passeatas de protesto (sim, éramos revolucionários). Inesquecível: uma colega de passeata, com um senso de humor impagável, botando literalmente para correr -- "ei menino, você tem pinto?! quero pegar!" -- os pudicos moços do ultra-conservador movimento Tradição, Família e Propriedade.

O Quarteirão Sucesso das lojas chiques e dos neons, à noite (cadê os neons?). O charmoso Cine Diogo -- hoje, um anódino centro comercial --, com as sessões de arte aos sábados de manhã: outro efervescente ponto de encontro de secundaristas e universitários altamente politizados. Praça dos Leões; Passeio Público; Cidade da Criança; Café Belas Artes; Palacete Ceará; Excelsior Hotel, primeiro arranha-céu da cidade construído em alvenaria. O vetusto sobradão onde funcionava a Boate Guarani (meu pai me levava lá, para ouvir músicas românticas ao piano). 

Salão da cidade -- abrigava o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, as melhores instituições de ensino secundário --, toda a extensa área central era limpa e bem conservada. Segurança total: nunca soube de assalto ou de qualquer outra violência. 

Theatro José de Alencar: outro mais bonito do mundo. Felizmente, escapou do descaso: sempre bem conservado e ativo. Obscurecido porém pelo atual estado horroroso da extensa praça homônima em frente: um camelódromo sem fim e um autêntico lixão. De dar náuseas.

O prefeito trombeteia que vai revitalizar o centro da cidade. Convidou para comandar o mesmo arquiteto Fausto Nilo da nova Beira-Mar (Ai de Ti, Beira-Mar!, de 14/11/2014). Do tempo em que a prefeitura parecia bem financeiramente, ficou só no projeto e no inconcluso mercado de peixes (para onde escorregou o dinheiro?). Muitas razões para duvidar da requalificação do centro.

De volta ao Cine São Luiz, apraz-me frequentá-lo de novo e cultivar minha memória em torno dele.

4 comentários:

  1. Emocionante. Redação perfeita e cativante. Revivi muitos momentos do final da minha infância e adolescência, passada no centro de Fortaleza, onde caminhava diariamente para ir ao trabalho. Valeu a leitura. Vou compartilhar no Grupo Fortaleza, do qual participo.

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  2. Olá meu amigo, as imagens e o texto foram fundo no meu coração. Cresci no centro de Fortaleza, bem na Rua General Sampaio 1099, em frente a Casa Juvenal Galeno e ao lado do Teatro José de Alencar! Foram anos de convivência e de muitas amizades que até hoje perduram. Ficarei uma fiel leitora do Blog.
    Beijo grande, extensivo à toda família.
    Lena Brasil

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