sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mario Vargas Llosa, o Homo Politicus



O peruano Mario Vargas Llosa é, em primeiro lugar, um dos gigantes da literatura latino-americana. Do luxuoso clube de nossos prêmios Nobel, ao lado de Gabriela Mistral e Pablo Neruda -- Chile --, Gabriel García Márquez -- Colômbia --, Miguel Ángel Asturias -- Guatemala -- e Octavio Paz -- México. (Ao qual clube deveriam também pertencer os argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. Sem desmerecer os grandes literatos brasileiros Euclides da Cunha, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.) A Guerra do Fim do Mundo, Batismo de Fogo (La Ciudad y los Perros) e Conversa no Bar Catedral (Conversación en la Catedral) estão entre os grandes romances que li. Afora sua vastidão literária, é político (ex-candidato à presidência do Peru), professor universitário, jornalista literário e jornalista político. Feito este laudatório e impositivo preâmbulo, o foco do artigo é o homo politicus Vargas Llosa.

Vargas Llosa foi marxista e hoje define-se como social-democrata. (Suficiente para que apressados e simplórios o taxem errada e pejorativamente de 'reacionário' ou 'neoliberal'*. Em flagrante desrespeito a sua imensa estatura intelectual e moral.) Deve ao marxismo a indignação ante a injustiça e o reconhecimento do papel fundamental do fator econômico na dinâmica geral da sociedade. Sem contudo deixar de ressaltar que (1) o sentimento anti injustiça não é monopólio marxista e (2) o dogma do determinismo econômico entorpece a compreensão dos males da sociedade. Todavia sua divergência fundamental para com o marxismo diz respeito ao igualitarismo e ao desprezo às liberdades individuais. Igualdade não é garantia de justiça e nenhum Estado pretensamente igualitário pratica igualdade (as ex e atuais repúblicas populares de inspiração marxista que o desmintam);  todo Estado ditatorial, qualquer que seja a motivação ideológica, é execrável. Ser social democrata (não confundir com partidos social-democratas) é posicionar-se contra as injustiças sociais tudo em defendendo as liberdades individuais.

A controvérsia intelectual se enfraquece devido à clivagem ideológica esquerda - direita. Deve-se lutar para quebrar a tradição de intolerância na discussão de ideias, por admitir que as verdades -- sobretudo nos campos político e social -- não são nunca absolutas. Só o debate franco e desarmado pode levar a um progresso razoável e sem violência.

Impõe-se denunciar o Estado mastodôntico no que ele tem de burocracia, ineficiência e entrave ao desenvolvimento, e cujos infinitos custos terminam por recair sobre os mais pobres ou desfavorecidos.  (O inchaço do Estado brasileiro é bem significativo. Os recém anunciados cortes de ministérios, secretarias e cargos comissionados são reações meramente oportunistas ao botar-a-boca-no-trombone da opinião pública. A ineficiência está na essência.)

As ciências sociais nas universidades públicas vivem uma profunda crise de ideias. A responsabilidade maior pela decadência cabe aos professores. A prevalente escolástica marxista se transforma em camisa-de-força que dificulta, senão impede, pensar com liberdade. A estreiteza dogmática contamina os alunos, que ficam sem clima para a reflexão criativa e não-convencional. O resultado é o direcionamento das universidades para a irrealidade, sem efetivamente contribuir para a discussão dos problemas de seus países.  

São opiniões facilmente constatáveis, com a importância de que é Vargas Llosa quem o diz. No plano geral das ideias, alinho-me com tão ilustre companhia. Não me impede de discordar veementemente de suas análises da crise grega, em recente artigo aparecido no jornal espanhol El País. Minha tolerância ao contraditório foi posta à prova!

O homo politicus Vargas Llosa se esparrama em seu Contra Vento e Maré (Ed. Francisco Alves, 1985) e na longa entrevista concedida ao jornalista brasileiro Ricardo A. Setti (Conversas com Vargas Llosa, Ed. Brasiliense, 1986).  O tempo já distante das publicações não prejudica.


*- Lembrando a esses reducionistas que reacionarismo e neoliberalismo são conceitos filosóficos defensáveis. Sem ser, em absoluto, o caso de Vargas Llosa.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Quatro Anos em Montpellier



Refletindo sobre qualidade de vida, eis que Montpellier ressurge em meus pensamentos. Cidade do sudeste da França, às margens do Mediterrâneo de intenso azul (belo como o mar da Bahia). Trezentos mil habitantes na sede, seiscentos mil com o entorno. Lá vivi estimulantes quatro anos, entre 1991 e 1995, culminando com minha tese de doutorado em informática, outorgada pela Universidade de Montpellier II - Ciência e Tecnologia.

Segundo polo universitário da França, vai uma pequena galeria de estudantes famosos, ao longo de sua vida acadêmica quase milenar: Auguste Comte (Positivismo), Rabelais ("Ciência sem consciência não é senão ruína da alma"), Nostradamus (Apocalipse), Jean Moulin (herói da resistência francesa à ocupação nazista), Paul Valéry ("Nem sempre sou de minha opinião") e Enver Hoxha (dirigente comunista albanês). Sessenta mil universitários, dos quais dez mil estrangeiros sobretudo do Magrebe (Marrocos, Argélia e Tunísia), da África Negra (Costa do Marfim, Gabão, Guiné, Mali, Mauritânia e Senegal) e da Europa nórdica (suecos e alemães). Uns cinquenta brasileiros: Bar Brasil, feijoadas em parques, carnaval na zona rural (Lei do Silêncio obriga). On se sent bien à Montpellier*, reconhecem todos. Como nada é perfeito, os brasileiros fazem uma grave reclamação: o feijão preto, comprado em lojas de produtos 'exóticos', torna-se esbranquiçado após o cozimento -- feijão Michael Jackson, nossa verve não perdoa!

Minhas duas maiores emoções, nos primeiros momentos, reportam-se a queridas semelhanças com nosso Nordeste. A vegetação típica, la garrigue, de uma parte da região Languedoc-Roussillon (Montpellier é a capital) parece nossa caatinga: arbustos ralos, paisagem áspera e seca. Aqui e acolá, escarpas e picos majestosos. Adicionado o conforto -- estradas ótimas, graciosas habitações e às vezes convidativos casarões no estilo provençal -- mas --, restaurantes requintados que nada devem aos da cidade, limpeza --, então tudo fica ainda muito mais bonito. E há o cassoulet, ah o cassoulet! Pois não é que é igualzinho a nossa mui apreciada dobradinha? Sem faltar o almoço no templo do cassoulet, o château Saint-Martin, na cidade medieval de Carcassonne.

Montpellier. (1) Transporte público excelente: ônibus numerosos, limpos, amplos e novos; VLTs; só passageiros sentados em todo o sistema; auto-serviço de pagamento; pontualíssimos (Fiz o teste, repetidas vezes. Chegava em uma estação momentos antes do horário exibido: sem furar, o ônibus / VLT aparecia. E sempre tinha uma cadeira vazia, dada a profusão do transporte.) Aos indolentes, que insistem em ir de carro ao Centro, as garagens subterrâneas, onipresentes e amplas; proibido estacionar na superfície da maioria das ruas centrais. (2) Educação pública de qualidade em todos os níveis. Obrigatória até aos dezesseis anos. Horário integral nos níveis fundamental e médio. As multidões de crianças e muito jovens só invadem as praças e parques nas folgas: quartas e sábados à tarde e domingos. As escolas privadas são 'castigo' aos renitentemente mal-avaliados nas escolas públicas. (3) A cidade é aconchegante. Arborização inusitada: ciprestes esculturais, oliveiras, tamareiras, limoeiros e palmeiras. O Jardin des Plantes: tesouros da flora mediterrânea. A cultura do bistrot (café): inumeráveis e regurgitando de jovens. Trinta e quatro cinemas; os cinemas de arte Diagonal. Teatro-Ópera. (4) A cidade é bela. O Centro Histórico, reservado aos pedestres, é magnífico, abrindo-se para a Praça da Comédia e a Esplanada Charles de Gaulle. O parque La Promenade du Peyrou. O imponente aqueduto de 1754. Cidade laboratório de arquitetos e paisagistas internacionais: Hôtel de Ville (prefeitura departamental); Quartier Antigone (conjunto habitacional); Liceu de Artes e Ofícios; Préfecture (prefeitura regional); Esplanada da Europa; jardins das margens do rio Lez.

E não falei de vinho**. Nem precisa.

Duas notas, à guisa de conclusão. A regra de ouro da urbanização à francesa: o novo não destrói o velho. Mais precisamente, as fachadas das edificações antigas devem ser conservadas, enquanto que seus interiores podem ser reformados. Nada de demolição. Ganham a cidade e os visitantes. Entrar em Montpellier (ou em outra cidade média ou grande) é um excitante passeio no tempo, desde a periferia futurista -- com os arranha-céus de linhas arrojadas, as grandes lojas e os super-mercados -- até o centro histórico. O centro distingue as cidades; morar nele é o objeto de desejo ... de quem pode.

A qualidade de vida das cidades francesas se apoia em três pilares interdependentes: leis; meios para cumprir as leis; cidadania. As leis de trânsito são duríssimas e o julgamento de infrações é sumário: um amigo perdeu a carteira de motorista por três meses, por atravessar um sinal vermelho; ai de quem invadir as faixas exclusivas de ônibus (principalmente por isso os ônibus são pontuais). Montpellier é limpa, sem prescindir de lixeiras e advertências em todo lugar. Quem não achar lugar para seu carro em rua do centro, sabe que encontrá-lo-á em uma das numerosas e imensas garagens subterrâneas. Nada disso porém seria suficiente sem educação cidadã, traduzida em respeito ao bem público. Cidadania é a maior conquista dos povos em avançado estágio civilizatório.

O Brasil deveria concentrar todos os seus esforços em dar condições de fazer valer as leis e em promover a cidadania. Eu costumo me dizer: "Brasil, tão longe e tão perto da França". Faz-lhe sentido?!

*- "A gente se sente bem em Montpellier".
**- O Languedoc produz bons vinhos artesanais. Não é privilégio exclusivo de Bordeaux e Bourgogne.

sábado, 15 de agosto de 2015

Cine São Luiz



No mês passado, foi reinaugurado o Cine São Luiz (agora, Cine Teatro), no centro de Fortaleza. Um grande acontecimento para mim, por três motivos maiores: (m1) o cinema mais bonito do mundo!; (m2) propicia-me boas recordações; e (m3) seria o grande ponta-pé da restauração de todo o conjunto central da cidade, cujas atrações se acham escondidas pela devastação do abandono.

A arquitetura do Cine São Luiz não é regionalista, é art déco. Não soa pedante e nem despropositada, tais os encantos universais do estilo e o bom gosto e perfeição com que foi assimilado. As paredes e teto da ampla platéia de 1.100 lugares são todos revestidos de madeira esculpida com delicadeza e colorida com discreta elegância (ver as duas primeiras imagens, abaixo). O cenário é uma reconfortante festa para os olhos e para o coração. Alegra e emociona.




O foyer é outro deslumbramento. Pretensamente Versalhes? Não, porque mantém o tom suavemente ajustado: nada em excesso ou fora de lugar. Cintilantes lustres de cristais (observar a última foto, de cima para baixo). Piso, teto, paredes e escadarias em mármore branco. Espelhos. Metais dourados. Poltronas pretas, amplas e aconchegantes. Dá vontade de se sentar e ficar só olhando.

A reforma foi feita como se deve. Somente os equipamentos de imagem e som são novos em folha. No mais, restauração cuidadosa e limpeza.

O Cine São Luiz é um presente ao Ceará do magnata de cinema das décadas de 40 e 50 do século passado, o cearense Luiz Severiano Ribeiro. Ele também construiu cinemas são luiz no Rio e no Recife. A besteirada bairrista brada que o 'seu' é o mais bonito. Ué, mas eu não disse que o de Fortaleza é o mais bonito do mundo?

Aos cuidados da Secretaria Estadual de Cultura, a nova programação de filmes é esmerada. A sessão Grandes Filmes contempla a reexibição de grandes filmes passados pela tela do São Luiz, com cópias restauradas. (O filme de reabertura foi Cinema Paradiso, de 1988. Linda trilha sonora de Ennio Morriconi.) E pensar que esta joia arquitetônica e cultural permaneceu fechada e praticamente abandonada por duas décadas. Imperdoável.

O Cine São Luiz e seu entorno são destaques de minhas recordações de Fortaleza da década de 60, os três últimos anos do secundário e os dois primeiros anos na Escola de Engenharia da UFC (transferi-me em seguida para a Escola Politécnica da UFBA, mas isso já é outra história). A cidade girava no Centro, os bairros eram periferias. Como muito bem vigora nas cidades francesas: Paris da Via Triunfal; Toulouse do Capitólio; Montpellier da Praça da Comédia; Marselha do Velho Porto. Fortaleza da Praça do Ferreira, ostentando o Cine São Luiz. O amplo Abrigo Central, dos bate papos intermináveis ao pé do cafezinho. O corredor de vento intenso e generoso que levantava as saias das mulheres, para a alegria da rapaziada e dos maduros sentados em bancos da praça estrategicamente situados. As passeatas de protesto (sim, éramos revolucionários). Inesquecível: uma colega de passeata, com um senso de humor impagável, botando literalmente para correr -- "ei menino, você tem pinto?! quero pegar!" -- os pudicos moços do ultra-conservador movimento Tradição, Família e Propriedade.

O Quarteirão Sucesso das lojas chiques e dos neons, à noite (cadê os neons?). O charmoso Cine Diogo -- hoje, um anódino centro comercial --, com as sessões de arte aos sábados de manhã: outro efervescente ponto de encontro de secundaristas e universitários altamente politizados. Praça dos Leões; Passeio Público; Cidade da Criança; Café Belas Artes; Palacete Ceará; Excelsior Hotel, primeiro arranha-céu da cidade construído em alvenaria. O vetusto sobradão onde funcionava a Boate Guarani (meu pai me levava lá, para ouvir músicas românticas ao piano). 

Salão da cidade -- abrigava o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, as melhores instituições de ensino secundário --, toda a extensa área central era limpa e bem conservada. Segurança total: nunca soube de assalto ou de qualquer outra violência. 

Theatro José de Alencar: outro mais bonito do mundo. Felizmente, escapou do descaso: sempre bem conservado e ativo. Obscurecido porém pelo atual estado horroroso da extensa praça homônima em frente: um camelódromo sem fim e um autêntico lixão. De dar náuseas.

O prefeito trombeteia que vai revitalizar o centro da cidade. Convidou para comandar o mesmo arquiteto Fausto Nilo da nova Beira-Mar (Ai de Ti, Beira-Mar!, de 14/11/2014). Do tempo em que a prefeitura parecia bem financeiramente, ficou só no projeto e no inconcluso mercado de peixes (para onde escorregou o dinheiro?). Muitas razões para duvidar da requalificação do centro.

De volta ao Cine São Luiz, apraz-me frequentá-lo de novo e cultivar minha memória em torno dele.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O Brasil de Paulo Prado



Paulo Prado (1869 - 1943) pertencia à alta burguesia exportadora cafeeira paulista. Malgré tout, um homem refinado. Ingredientes: estudos secundários na Corte Imperial de D. Pedro II; curso de Direito na Academia do Largo de São Francisco; longa estadia em Paris para aprimoramento cultural (!); grande amigo de Blaise Cendrars (ver postagem de 05/06/2015); o grande escritor português Eça de Queiroz o tinha como filho dileto; hospedou o arquiteto Le Corbusier (pediu-lhe o projeto de sua nova casa); René Thiollier, jornalista francês em temporada na imprensa brasileira, afirmava: "Paulo Prado é o homem mais elegante do Brasil, quiçá da América do Sul".

Intelectual à Paul Johnson (consultar artigo de 12/02/2015), sem as 'hipocrisias' que tanto perturbavam o crítico conservador. Concreto, prático, hábil condutor dos negócios da família, modernista. Empreendeu uma cruzada contra o Romantismo, seja na política seja na literatura. Num caso e noutro, blá-blá-blá ruinoso às premências brasileiras. Fim ao discurso bacharelesco e estéril. Lançava-nos esta inutilidade tresloucada proferida por um senador no Parlamento do Império: "Em nosso país, na pedra isolada do vale, na árvore gigante da montanha, no píncaro agreste da serrania, na terra, no céu e nas águas, por toda a parte, Deus estampou o verbo eterno da liberdade criadora na face da natureza, antes de gravá-lo na consciência do homem." Eremildo, o idiota de Elio Gaspari, teria tido um AVC. A mansão de Paulo Prado, no bairro grã-fino de Higienópolis (ainda hoje o recanto de oito entre dez caciques paulistas do PSDB), era um acontecimento político e literário, portas abertas a personalidades de nomeada; lá, nasceu o projeto da Semana de Arte Moderna de 1922.

Como dito em Literatura Brasileira, neste blog desde 22/05/2015, a turma modernista original produziu duas obras imperecíveis, o romance picaresco Macunaíma de Mário de Andrade, e o impactante Retrato do Brasil - Ensaio sobre a Tristeza Brasileira de Paulo Prado. Dediquemo-nos à última. Por que o Brasil é triste? Paulo Prado sugere: sensualismo desbragado e cobiça estão em nossa gênese. Desvarios sexuais dos portugueses com as índias, depois dos brasileiros e portugueses com as escravas africanas, e por aí vem. A melancolia dos abusos venéreos e da repressão religiosa. A ambição desmedida de riquezas começou com as bandeiras paulista, baiana e pernambucana: a febre do ouro. Os bandeirantes eram Fitzcarraldos*, todos, ensandecidos pela miragem dos metais preciosos e da riqueza fácil. Por onde transitavam só deixavam escombros e terra devastada. Nenhuma marca de civilização. Da insensibilidade e miséria intelectual dessa gente egoísta até as entranhas resulta a depressão de viver com a ideia fixa do enriquecimento a qualquer preço. Desde então, a sempiterna indistinção entre bens público e privado. Não se imagina outra forma de enriquecer senão às custas da nação, arrasando-a. A corrupção vira endemia. Mascarada pelo "mal romântico" (epíteto de Paulo Prado).

Sobre o corpo vilipendiado do país tripudiam os políticos.  Nossos homens públicos se sucedem unicamente movidos pelas conveniências e pelos cambalachos da politicagem. Corrompidos e corruptores. São muito poucas as exceções. A questão política é a única vital: não há outro problema premente a resolver. Para uma mudança profunda no trato da coisa pública, uma solução catastrófica: a Revolução. Bem entendida como a afirmação inexorável de que, quando tudo está errado, o melhor corretivo é apagar tudo o que foi malfeito. Proclamação de um afável burguês, nos idos de 1932!

Se Paulo Prado vivesse hoje, seria bem possível que ele minorasse seu pessimismo** diante da atuação cada vez mais revolucionária de nosso Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal, Procuradoria Geral da República, Ministério Público, juízes como Sérgio Moro. Não obstante, damo-nos o direito de desconfiar, porque calejados de frustrações por esperanças não realizadas. Na Operação Lava-Jato, o julgamento de diretores, executivos e 'operadores'  de vários calibres corre de maneira célere e exemplar. Muito diferentemente, a cinquentena investigada de políticos do Congresso Nacional não foi sequer denunciada ao Supremo Tribunal Federal, certamente por efeito do famigerado foro privilegiado; pior, estes políticos continuam posando de vestais e ameaçando as instituições judiciárias.

O admirado escritor nicaraguense Sergio Ramírez metaforiza para toda a América Latina sobre desesperanças. Conta-nos a história do pássaro do doce encanto. Trata-se de uma ave de bela plumagem e cores resplandescentes que voa sobre nossas cabeças incitando-nos a pegá-la. Quando alguém o faz, o pássaro lhe lança um monte de excrementos. É a forma pela qual a sabedoria popular reage para não dar crédito a quimeras que sempre acabam em detritos.

Afaste-se de nós, pássaro do doce encanto!


*- Alusão minha ao grande filme do alemão Werner Herzog, Fitzcarraldo (1982), um desvairado enlouquecendo na louca Amazônia.
**- A principal crítica a Retrato do Brasil é ser pessimista em demasia.