sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Ascensão e Declínio do Lulopetismo



Não faz muito tempo, era 2009, a conceituada revista inglesa The Economist estampava um laudatório do Brasil: apesar da crise mundial, "O Brasil decola"; pano de fundo, o Cristo Redentor arrancando do Corcovado como se fosse um foguete, rumo ao seleto grupo dos países desenvolvidos. O futuro parecia enfim chegar ao "país do futuro", expressão dos idos de 1941 do escritor austríaco Stefan Zweig.

Em 2016, a realidade brasileira é toda outra. O país se encontra em profunda recessão econômica e moral, desde o segundo trimestre de 2014. Como as expectativas do Brasil puderam mudar assim tão rapidamente? Para tentar responder, é mister recuar no tempo.

Em 1994, o governo do presidente Itamar Franco lançou, sob a batuta do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (FHC), o chamado Plano Real, que ensejou derrubar a hiperinflação reinante. Seguiram-se os governos FHC (1995 - 2002), que puseram em prática várias outras medidas importantes: reforma do sistema de aposentadoria dos funcionários públicos; programa de ajuda às famílias carentes com filhos na escola; e lei da responsabilidade fiscal, para arrefecer o rombo das contas públicas. Se, por um lado, o período FHC se caracteriza por baixas taxas de crescimento em meio a turbulências internacionais, por outro lado as desigualdades sociais começam a declinar pela primeira vez em trinta anos.

Luiz Inácio Lula da Silva -- Lula --, em seus mandatos de 2003 a 2010, estendeu as reformas de FHC: Bolsa Família, Farmácia Popular, Pronatec, Fundeb, Fies. Sorte de Lula, o cenário internacional lhe foi extremamente favorável até 2009, com poupança externa sobrando a rodo. Balança comercial altamente superavitária e liquidação da dívida para com o FMI. O real valorizado. Pela primeira vez em cinquenta anos o Brasil conhecia simultaneamente crescimento econômico e redução da pobreza e das desigualdades. No auge do entusiasmo e da popularidade, diante da crise que ressurgia feroz nos Estados Unidos já em 2008, Lula brincava que apenas marolas do tsunami econômico-financeiro norte-americano atingiriam o Brasil.

Infelizmente, Lula estava profundamente equivocado. No campo estritamente econômico, a poupança interna se voltara para o consumo em detrimento de investimentos em infraestrutura e em produtividade empresarial. As exportações se basearam quase que exclusivamente em matérias primas (commodities), altamente valorizadas à época, porém de histórica volatilidade de preço. Importações maciças de manufaturados. Até que a crise econômica mundial avassalou, abalando fatalmente a tripla consumo-commodities-importação. As consequências deletérias não se fizeram demorar em demasia.

Em 2011, chega ao poder Dilma Rousseff, sem nenhuma experiência política, ungida por obra e graça de Lula, em flagrante abuso de popularidade. Logo veio a mostrar-se amadora também na gestão da coisa pública, ignorando até à esquizofrenia a falência do tripé econômico lulista. Em sua reeleição de 2014, Dilma dissimulou a deterioração da situação orçamentária. O estelionato eleitoral se escancarou: o país iludido se viu, como que de repente, em recessão profunda. Desemprego. Benefícios sociais restringidos ou ameaçados. Inflação. Com quase total reprovação popular, e constatada sua irresponsabilidade fiscal, Dilma foi apeada prematuramente do poder, por deliberação de mais de dois terços da Câmara dos Deputados e mais de dois terços do Senado.

Quanto a Lula, seu declínio assume tons mais dramáticos. O queremismo lhe poupara de condenação em um dos dois magnos escândalos de corrupção de seu governo, o Mensalão; de lambuja, propiciou-lhe a reeleição. Eis que se revela, já em pleno governo Dilma Rousseff, o segundo maremoto, o Petrolão. Não teve mais jeito. Lula agora enfrenta a lei. Seja como réu seja como investigado, os vários processos de corrupção lhe atormentam o sono. A perspectiva de prisão lhe ronda os passos. Abrigar-se sob o manto da popularidade não mais seria antídoto: embora permaneça o político com o melhor índice de aceitação nas pesquisas, amarga no entanto mais de 50% de rejeição. O PT definha. É duro.

Duas reflexões, para terminar. A primeira, o Brasil precisa de reformas institucionais profundas. Uma das mais delicadas concerne ao sistema político. Com quase trinta partidos no Congresso, torna-se extremamente difícil governar. Campo fértil para a corrupção dos governos e dos políticos, como tem sido mais do que espantosamente demonstrado. Lamentavelmente, há poucas razões de ser otimista e de acreditar que esses problemas serão tratados com a seriedade e profundidade devidas. Impossível mesmo, com este Congresso manchado. Uma absolutamente prioritária Assembléia Constituinte da Reforma Política, eleita diretamente, não acontecerá senão por via de grandes manifestações populares pró-constituinte, que infelizmente não estão à vista.

Segunda reflexão. É certo que o PT tem sido muito bom para Lula, mas o inverso dificilmente é verdadeiro. O personalismo de Lula e a 'adoração' a ele por parte dos militantes passionais tiveram o efeito de inibir a geração de novas lideranças políticas, condição indispensável à própria sobrevivência do partido. Mas não, o projeto político de Lula é Lula e pronto, ao PT restando o papel de caudatário. Existe (em declínio) o lulopetismo, não existe o PT.

3 comentários:

  1. Merci Marcus pour cet éclairage sur l'histoire récente du Brésil.
    Très utile pour un observateur étranger !
    Abraços

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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