Astérix, Escola Privada, Declínio Triunfante?
Atrevo-me a esboçar uma arqueologia mínima do espírito rebelde francês. Remontaria à Gália Romana (província do Império Romano que corresponde hoje à França e mais Bélgica e Itália Setentrional). Os gauleses eram uma continuada pedra no sapato dos césares -- Júlio César que o diga! (Justiça se faça: a Judéia, parte do Israel atual, resistiu a Roma o quanto pôde, até ser esterilizada por ela.)
Astérix é o herói ficcional emblemático desta Gália insubmissa. Em nossos dias, o mito desperta ao menos duas reações bem distintas. Para a extrema-direita lepenista, Astérix é o símbolo da resistência dos valores franceses às influências estrangeiras. Do ângulo da maioria restante, Astérix é um arauto da tolerância e da solidariedade face a toda ideia intencionalmente hegemônica. Em definitivo, eu prefiro esta última compreensão de Astérix.
Duas observações, para finalizar o assunto Astérix. A impecável revista em quadrinhos das aventuras do herói e de seus companheiros já vendeu 300 milhões de exemplares por todo o mundo, em 57 idiomas: seus leitores vão de crianças a adultos. A segunda observação é para relaxar de tão anedótica. A cadeia de fast foods McDonald´s, com certeza sem outra intenção que a de agradar, lançou uma propaganda com a turma de Astérix comendo hambúrguer e batata frita. Choveram atitudes indignadas contra o que foi considerado insulto a um patrimônio nacional. Minhas simpatias à McDonald´s.
O sistema educacional francês é um dos pilares dos valores republicanos: laico, público e gratuito em todos os níveis. O que talvez pouca gente saiba é que empresas privadas passam a exercer também um papel importante no sistema, de forma mais efetiva do que na maioria dos outros países. (Minha fonte: o hebdomadário The Economist, de Londres, em edição de maio de 2013, citando a OCDE -- Organização da Cooperação e do Desenvolvimento Econômicos.) Quero lhes falar da escola de programação de computadores École 42, em construção, a qual é financiada por um grupo de poderosos empresários ligados ao ramo da informática. Ela é gratuita e seus diplomas não serão reconhecidos pelo Estado, mas faz ruído, como reconhece o diário francês de referência Le Monde. Dois chamarizes do maior interesse: primeiro, seu alvo são jovens talentos dos subúrbios ("banlieues") que de alguma forma não se adequam aos moldes do sistema educativo estatal; segundo, os métodos de ensino privilegiarão a autonomia e a criatividade. Enfim, um sopro de ar fresco nas diretrizes oficiais, as quais, segundo críticos eminentes, são fundadas na disciplina, em detrimento da inovação.
Muito papel e voz já foram gastos sobre o propalado declínio da civilização francesa. Eu diria que ele é muito relativo, ou que é um declínio triunfante (bela expressão, sem maldade, por um colunista do jornal londrino Financial Times). O forte da questão é: a França é o que ela é porque assim é a vontade da maioria dos franceses. Os franceses sabem que os tempos são difíceis e ameaçadores, e que eles carregam o enorme peso do Estado. Mas gozam longas férias, uma boa assistência social e uma aposentadoria precoce. Eles protestariam para se assegurar que nada de fundamental mude.
Epílogo
É possível que alguns de meus mui respeitáveis leitores venham a achar um tanto exagerado três postagens seguidas sobre a França. Confesso que, no fundo, quis render homenagem ao país onde vivi estimulantes quatro anos, de 1991 a 1995 (fora outras andanças posteriores por lá). Em minha opinião, a França proporciona a melhor qualidade de vida do mundo, além de ser um dos países mais belos. Não é pouco!
O 'blogueiro' entra em férias. Deseja aos queridos leitores muita confraternização neste final de ano, e um 2015 com ainda mais compreensão e conhecimento. Até 15 de janeiro de 2015!