quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A Exceção Cultural Francesa (Final)


Astérix, Escola Privada, Declínio Triunfante?


Atrevo-me a esboçar uma arqueologia mínima do espírito rebelde francês. Remontaria à Gália Romana (província do Império Romano que corresponde hoje à França e mais Bélgica e Itália Setentrional). Os gauleses eram uma continuada pedra no sapato dos césares -- Júlio César que o diga! (Justiça se faça: a Judéia, parte do Israel atual, resistiu a Roma o quanto pôde, até ser esterilizada por ela.)

Astérix é o herói ficcional emblemático desta Gália insubmissa. Em nossos dias, o mito desperta ao menos duas reações bem distintas. Para a extrema-direita lepenista, Astérix é o símbolo da resistência dos valores franceses às influências estrangeiras. Do ângulo da maioria restante, Astérix é um arauto da tolerância e da solidariedade face a toda ideia intencionalmente hegemônica. Em definitivo, eu prefiro esta última compreensão de Astérix.

Duas observações, para finalizar o assunto Astérix. A impecável revista em quadrinhos das aventuras do herói e de seus companheiros já vendeu 300 milhões de exemplares por todo o mundo, em 57 idiomas: seus leitores vão de crianças a adultos. A segunda observação é para relaxar de tão anedótica. A cadeia de fast foods McDonald´s, com certeza sem outra intenção que a de agradar, lançou uma propaganda com a turma de Astérix comendo hambúrguer e batata frita. Choveram atitudes indignadas contra o que foi considerado insulto a um patrimônio nacional. Minhas simpatias à McDonald´s.

O sistema educacional francês é um dos pilares dos valores republicanos: laico, público e gratuito em todos os níveis. O que talvez pouca gente saiba é que empresas privadas passam a exercer também um papel importante no sistema, de forma mais efetiva do que na maioria dos outros países. (Minha fonte: o hebdomadário The Economist, de Londres, em edição de maio de 2013, citando a OCDE -- Organização da Cooperação e do Desenvolvimento Econômicos.) Quero lhes falar da escola de programação de computadores École 42, em construção, a qual é financiada por um grupo de poderosos empresários ligados ao ramo da informática. Ela é gratuita e seus diplomas não serão reconhecidos pelo Estado, mas faz ruído, como reconhece o diário francês de referência Le Monde. Dois chamarizes do maior interesse: primeiro, seu alvo são jovens talentos dos subúrbios ("banlieues") que de alguma forma não se adequam aos moldes do sistema educativo estatal; segundo, os métodos de ensino privilegiarão a autonomia e a criatividade. Enfim, um sopro de ar fresco nas diretrizes oficiais, as quais, segundo críticos eminentes, são fundadas na disciplina, em detrimento da inovação.

Muito papel e voz já foram gastos sobre o propalado declínio da civilização francesa. Eu diria que ele é muito relativo, ou que é um declínio triunfante (bela expressão, sem maldade, por um colunista do jornal londrino Financial Times). O forte da questão é: a França é o que ela é porque assim é a vontade da maioria dos franceses. Os franceses sabem que os tempos são difíceis e ameaçadores, e que eles carregam o enorme peso do Estado. Mas gozam longas férias, uma boa assistência social e uma aposentadoria precoce. Eles protestariam para se assegurar que nada de fundamental mude.

Epílogo


É possível que alguns de meus mui respeitáveis leitores venham a achar um tanto exagerado três postagens seguidas sobre a França. Confesso que, no fundo, quis render homenagem ao país onde vivi estimulantes quatro anos, de 1991 a 1995 (fora outras andanças posteriores por lá). Em minha opinião, a França proporciona a melhor qualidade de vida do mundo, além de ser um dos países mais belos. Não é pouco!  


O 'blogueiro' entra em férias. Deseja aos queridos leitores muita confraternização neste final de ano, e um 2015 com ainda mais compreensão e conhecimento. Até 15 de janeiro de 2015!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A Exceção Cultural Francesa (II)



Trago ao frontispício do blog os comentários a respeito da exceção francesa de meus queridos amigos Jacques Sauvé e Stéphane Turc, por ordem de submissão. São ricos de detalhes e, em parte, divergentes. Por cobrir outros importantes aspectos do tema -- um exemplo: livrarias também fecham na França, como enfatizado pelos dois --,  concluo que os ditos comentários não devem ficar confinados à segunda página, para onde possivelmente nem todos vão. Não comento os comentários: que os caros leitores tirem suas próprias conclusões. (Quanto a Astérix e demais assuntos anunciados para a postagem desta semana, eles podem esperar.)
   

Os Comentários de Jacques Sauvé

De fato, a França é exceção na cultura. Sempre admirei ouvir um francês falar sua língua: eles não erram, não massacram a língua como se vê, por exemplo, em Québec (e no Brasil, claro). O francês parece se orgulhar de falar bem. Só vi a língua francesa massacrada na França ao ler os contos normandos de Guy de Maupassant; e, de quebra, descobri de onde vêm muitas expressões usadas em Québec! Leia este conto, por exemplo: http://goo.gl/SE5Oq5 (Le lapin).

Sobre o fechamento de livrarias, me parece haver um erro de avaliação de sua parte. Você compara o agregado (várias livrarias fechando em Nova York) com um caso particular (Delamain), como se o caso francês indicasse uma situação fundamentalmente diferente. Sugiro a leitura dos seguintes artigos:
     http://goo.gl/WRxXlu (Tandis que les librairies ferment en France ...)
     http://goo.gl/ciHxzg (Des librairies de plus en plus fragiles)
     http://goo.gl/cVulw1 (Faut-il laisser mourir les librairies ?)

As livrarias só parecem sobreviver com ajuda do estado -- o que confirma sua tese sobre a importância da cultura na França.

Eu não estou preocupado com a morte da livrarias: o livro não está morrendo, muito pelo contrário, pois a oferta cresce com novos processos de negócio (Merci, Amazon!). Se está em formato digital ou em cadáveres de árvores pouco me importa. Navegar numa livraria digital é muito, muito prazeroso. Uma enorme vantagem da livraria digital é que você recebe recomendações e pode examinar a opinião de quem gostou de um livro e de quem não gostou. Há várias outras vantagens já mencionadas num post anterior. Aqui mais uma: Marcus, tu peux même visiter les librairies françaises en ligne!

Termino citando o autor (ex dono de livraria) de um dos artigos citados: "Sans réflexion globale sur les librairies et sur la forme que nous leur connaissons aujourd’hui, celles-ci sont condamnées à disparaître. Ce n’est pas une prophétie. Juste un constat amer."

Pour moi, ce n'est même pas amer.

Os Comentários de Stéphane Turc

Uma precisão para seus leitores sobre a proteção do livro na França. Existe uma lei, a lei Lang, ministro da cultura de François Mitterand, que impõe um preço oficial para cada livro. Só um desconto de 5% é permitido. Assim a Amazon vende os livros somente 5% mais baratos do que numa livraria de rua. Aliás, como Jacques comentou, essa lei não impede a baixa regular do número de livrarias na França.

Voltando aos comentários do Jacques, não concordo com a visão dele sobre o papel benéfico da “mão invisível do mercado” na produção e distribuição de bens culturais. Seguinte o liberalismo econômico, o desaparecimento por causa de não competitividade dum produtor de mercadoria, pode ser visto como coisa positiva para o mercado em geral.

Ao contrário, não vejo positivo per se o fato que produtores de bens culturais não podem sobreviver porque existem outros produtores mais competitivos. O resultado é um empobrecimento da oferta e por consequência da cultura própria. Existem vários exemplos no passado: o cinema italiano, que era um dos maiores cinemas mundiais há décadas atrás, que está quase morrendo por causa da concorrência com o cinema norte-americano e a televisão local. Na França, existe uma lei que impõe a cadeias de televisão (principalmente Canal +) de financiar a produção de filmes. A simples aplicação lei do mercado teria provocado o fim da indústria cinematográfica francesa. Isso é também verdadeiro para os meios de distribuição, com o perigo até maior de seleção das obras distribuídas. O monopólio da Amazon foi o centro duma polemica há pouco tempo. Por causa de desacordo com editoras sobre o preço dos livros digitais, eles recusaram de distribuir algumas editoras, cujo era a francesa Hachette.

Não quero que seja a Amazon quem decidir o que posso ler e o que não posso ler, como a Apple decide o que pode ser instalado em seus celulares. Acho que os poderes públicos devem ter uma responsabilidade na organização da produção e distribuição das obras culturais. E não deixar isso ao mercado. E responsabilidade democrática de assegurar diversidade na produção e acesso facilitado aos bens culturais, dum jeito o mais independente possível das condições econômicas.

Uma vantagem das livrarias de rua é o conselho personalizado do livreiro (que honestamente não aproveito). O Jacques falou das opiniões dos leitores sobre a Amazon. Eu faria a comparação numa área que é mais uma exceção francesa a gastronomia. Você sabe a paixão francesa por nossos restaurantes, que podem ser considerados como lugares culturais. Aqui também temos o Tripadvisor, onde clientes podem deixar notações sobre os restaurantes. Se esses avisos podem ser uteis, nunca prevalecerão para mim os avisos dos críticos profissionais do respeitado Guide Michelin !

Para terminar sobre uma nota positiva (ta vendo Marcus !), a Internet faz que agora qualquer um pode publicar suas obras literárias ou musicais, o que acho é uma première na História. Isso deve contribuir a riqueza e diversidade da oferta cultural. A condição que os meios de distribuição sejam abertos, honestos e democráticos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A Exceção Cultural Francesa



A exceção cultural francesa não é uma abstração mas uma política concreta de Estado. Ela é consistente com o sentimento vigoroso entre os cidadãos de que a cultura é um bem a ser preservado, cabendo ao governo protegê-la e promovê-la com energia. Nenhuma tendência política ousaria pôr em xeque esta compreensão. Como símbolo ostentatório e definitivo da importância da cultura, as personalidades culturais mais eminentes tiveram e terão uma sepultura grandiosa, o Panteão de Paris.

Proteger não é se fechar para o mundo. Nada disso: a França é abertíssima ao mundo. De outro modo, sua exceção não despertaria interesse, só opróbrio. A globalização deve ser percebida como interação intensa entre as nações, em todos os domínios da vida, porém sem a antropofagia das culturas nacionais. Nada mais atentatório ao espírito humano do que a mesmice do pensamento único.

A questão que se coloca é: por que só a França -- e com menor intensidade a Alemanha, a Escandinávia e os Países Baixos -- se protegem? Dois exemplos contrastantes ajudam a responder.

Deu no jornal norte-americano The New York Times que Manhattan é hoje um deserto de livrarias. O diário londrino The Guardian constata que em torno de 500 livrarias fecharam as portas no Reino Unido, desde 2005. As causas principais são (1) as livrarias virtuais com suas políticas agressivas de custo baixo em toda a cadeia produtiva do livro -- a Amazon é um exemplo acabado -- e (2) o livro digital. Qual tem sido em geral a reação do público norte-americano e do inglês diante de seus cemitérios de livrarias? Indiferença! Estão satisfeitos com os preços cada vez mais acessíveis dos livros impressos e com a transportabilidade dos livros digitais. Para a grande maioria, uma livraria é uma casa de comércio como outra qualquer. Desapareceu? Procura-se outra forma. Não podemos censurar.

Muda o cenário: estamos na França. A livraria Librairie Delamain,  a mais antiga de Paris, existe desde 1700 na suntuosa rua Rue du Faubourg de Saint-Honoré Ícones da vida cultural francesa como Michel Foucault, Colette e Jean Cocteau eram "habitués" desta venerada instituição. Ela vive plena de leitores que se deleitam com folhear livros raros, comprar livros não facilmente encontráveis em catálogos, ou que simplesmente adoram ler e livraria. Infelizmente e apesar de vender sempre muito bem, a Delamain sofre para honrar o caríssimo aluguel do imóvel, o qual atualmente pertence a um fundo de investimentos do Qatar.

Como em Nova Iorque e Londres, os preços de imóveis em Paris e na Côte d'Azur atingem valores siderais  Motivados pelo magnetismo da capital e da Riviera francesas, magnatas provenientes dos Estados Unidos, da Rússia e do Oriente Médio invadem o setor imobiliário só para especular. Poucos habitam no local. Este é bem o caso do imóvel ocupado pela Delamain.

Conta a jornalista Victoria Baean, em artigo para o número de setembro próximo passado do mensário norte-americano The Atlantic Monthly, que em qualquer país do mundo, salvo a França, a Delamain pereceria.  Na França, sua extinção seria um escândalo sem tamanho. As mídias francesas reverberam que é inaceitável que uma de suas joias culturais dependa de um fundo de investimento vindo do Oriente Médio para sobreviver.

Felizmente, não há sinais de que a Delamain vá ceder seu lugar.  Como livraria independente, ela recebe uma subvenção do Centro Nacional do Livro e do Ministério da Cultura. É de se prever que ela suportará o escorchante aluguel: o resto é com o leitor refinado, que certamente não lhe faltará. Insisto: a ameaça que paira sobre a Delamain se deve exclusivamente a encargos; a falta de clientes, a Amazon e o livro digital não têm nada a ver.      

Já pressinto meu amigo Stéphane sentenciar algo como "Marcus, o francês de hoje lê pouco e já não é exigente". Digo apenas que Stéphane, como todo bom francês, é um pessimista incorrigível.

*** Na sequência: Astérix, Escola Privada e Declínio Triunfante? ***  

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Viver



Em Pot-pourri Literário, neste blog, ressalto o papel essencial da literatura como fonte de conhecimento e compreensão para uma vida de qualidade. Daí tudo deriva, incluídos os prazeres sensuais. Entretanto, é forçoso reconhecer que existem entraves ao bom exercício da leitura de textos literários (primeiro tópico desta discussão sobre o viver). Impõe-se então investigar uma outra possibilidade de conhecimento e compreensão (segundo tópico).

Os autores latinos clássicos -- Virgílio, Sêneca, Lucrécio, Ovídio e demais -- continuam sacrossantos e seminais. Desde sempre, a literatura ocidental sorve deles. (Lembremo-nos: um clássico nunca termina de dizer o que tem a dizer.) A muito rigor, nada mais tem surgido em termos de temas verdadeiramente novos. Precisamente, as grandes questões filosóficas -- o sentido da vida, a morte, o amor, o ódio, a dor, a amizade -- são poucas e imutáveis. Por que então não se restringir aos clássicos latinos? Porque eles são de difícil leitura. Exigem uma aprimorada erudição: assimilação prévia de outros autores, e farta mitologia. Em segundo lugar, o estilo é irremediavelmente anacrônico a nosso gosto moderno, o que dificulta.

É por isso que a produção literária não se esgotará: há a permanente necessidade de reescrever. Do lado do leitor, porém, restam dois obstáculos. O primeiro ainda concerne à (dificuldade de) leitura. Para bem apreender uma obra literária, é preciso uma boa formação cultural, não necessariamente literária: como entender Os Sertões, de Euclides da Cunha, sem um bom domínio da língua portuguesa? O segundo entrave é o tempo, ou a falta dele: isso é examinado no penúltimo parágrafo.

Considere-se agora uma outra fonte de conhecimento e compreensão: a observação. Valho-me do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 - 1860)*. Como René Descartes, Schopenhauer é outro pilar do método científico, desde que ele aposta no conhecimento adquirido de fora pela experiência e pelas conversas. Outra maneira de dizer: saia de casa e observe! Para a saúde do entendimento, a observação pode valer mais do que muita leitura. E ele, Schopenhauer, arremata: deve-se evitar perder a visão do real, porque o estímulo e a disposição para o pensamento próprio se encontram mais na observação do que na leitura.

Tanto no que diz respeito à leitura quanto à observação, a moderna falta de tempo é um estorvo abissal. Muitas centenas de milhões de seres humanos trabalham oito horas por dia, precisam dormir igualmente oito horas, sobram oito horas para a família e para os inúmeros e inadiáveis compromissos: resta pouco, muito pouco, para a leitura e a observação. Pior ainda: o trabalho é frequentemente sem graça. Essa vida massacrante é cruel e lindamente sintetizada por Albert Camus, em O Mito de Sísifo: levantar-se, ônibus, quatro horas de escritório ou de fábrica, almoço, quatro horas de trabalho, ônibus, jantar e dormir, esta rotina se seguindo inexoravelmente (em tradução mais ou menos livre do original, Le Mythe de Sisyphe, http://classiques.uqac.ca/classiques/camus_albert/mythe_de_sisyphe/mythe_de_sisyphe.pdf, pag. 20, visto em 25/11/2014, às 11:34). Reverencio também Charles Chaplin, por seu ao mesmo tempo cômico e chocante filme Tempos Modernos.

A conclusão é velhíssima, porém muito inquietante: viver bem seria para uns poucos. Você concorda?!


*- A arte de escrever, L&PM Pocket, 2010.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Ai de Ti, Beira Mar!*



Tenho o privilégio de morar em Fortaleza a cento e cinquenta metros do ponto emblemático de sua famosa Av. Beira Mar, a Volta da Jurema. De lá, pode-se ainda apreciar um inolvidável pôr do sol (adiante, explico o porquê do 'ainda'): eu gostaria de ter poesia na veia, para cantar todos os matizes de cores que inundam o céu e o mar de Iracema. Jangadas e saveiros completam a deslumbrante festa da natureza.

Enumeremos outros trunfos da Beira Mar. Calçadões largos, em boa parte de sua extensão. Boa arborização. Iluminação adequada, à noite. Quadras de esporte e dança. Teatro de arena. Água de coco e milho verde. Sorvete. Um excelente restaurante de frutos do mar. A Praça dos Estressados: desestressa, realmente. A Feira de Artesanato. O Jardim Japonês. O espigão da Praia de Iracema. Gente, muita gente, cobrindo todo um espectro humano. Porém, para zelar pela Beira Mar, é preciso estar bem alerta para reagir às ameaças passadas e futuras a sua integridade. (Evoco Jorge Luis Borges: o presente é tão impalpável quanto o ponto geométrico; o ponto não tem dimensão; o presente não tem duração.)
  
Quando eu era estudante secundarista, a enseada do Mucuripe, na extremidade leste da Beira Mar, era emoldurada por altas dunas, sensuais e imaculadas. Águas límpidas. Passar a tarde no Mucuripe era tão relaxante quanto o eram as tardes de Itapoã de Vinícius de Moraes e Toquinho. Já antevemos o trágico fim da praia do Mucuripe: as dunas estão enclausuradas por alta muralha de edifícios de concreto, ao gosto de nossa iconoclasta classe média; suas águas são impróprias para banho. O que existe por trás da muralha? Favelas. Está claro que o nascer do sol do Mucuripe morreu.

O pôr do sol da Volta da Jurema sobrevive porque se aproveita de uma brecha existente no paredão de concreto. Literalmente. Até quando? A fúria imobiliária, com a conivência corrupta de todas as prefeituras, põe em xeque os derradeiros espaços abertos. Afora as agressões à natureza, perfilam-se outros problemas. O calçadão é sujo: qual seria sua cor? (Lembro-me com inveja de Montpellier, França: ao terminar uma feira livre, caminhões equipados com vassouras e pás gigantes logo apareciam. Esfregavam, limpavam, enxugavam e perfumavam o ambiente.) Mais sobre o calçadão: os buracos aparecem cada vez mais: consertos toscos, quando são consertados. Em certos trechos, os pedestres, caminhando por estreitas calçadas, são constrangidos pelos carros. Não há espaços adequados às crianças. As barracas de bebidas e guloseimas são feias, malcuidadas e sem padronização. De um modo geral, a impressão é de desleixo.
   
Há esperança para a Beira Mar? Sim e não. Sim, porque existe um ótimo projeto de sua requalificação, a cargo dos renomados arquitetos Ricardo Muratori e Fausto Nilo. (Fausto Nilo foi um bom amigo dos meus tempos universitários, e das noitadas de artes musicais e de boemia na São Paulo dos anos setenta. A arte, bem entendido, é dele, Fausto Nilo: além de arquiteto, fino compositor.)  Os trabalhos preveem pavimentação das vias de tráfego de veículos, estacionamentos, passeios, ciclovias, construção de um aterro hidráulico e um espigão, além de tratamento paisagístico, melhoria da Feira de Artesanato, novo Mercado dos Peixes, embarcadouros, área de manutenção de jangadas, quiosques e instalação de um bonde elétrico. A concepção do projeto pode ser apreciada em
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/10.109/3559?page=3 .

Vistosas placas se erguem ao longo da avenida, anunciando pomposamente o início da execução do projeto em março / 2013, com duração prevista de dois anos. Estamos praticamente no término do prazo, e o resultado é lamentável: somente o Mercado dos Peixes e o espigão, ambos inacabados. A explicação é o contingenciamento das verbas federais. A esperança empalidece. Atrasos em obras significam mais e mais lucros para as empreiteiras, mais e mais custos ao erário público, e superfaturamento de aditivos de contrato geradores de corrupção de agentes públicos. Sem me referir aos chamados grandes empreendimentos estruturantes deste imenso país carente, todos em compasso de espera.

Se fosse jovem, ensaiaria comandar um movimento de massas pela imediata requalificação da Beira Mar, incluindo sua manutenção permanente. 


*-  Paráfrase de Ai de Ti, Copacabana!, do grande cronista Rubem Braga.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pot-pourri Literário



Na Odisséia de Homero, há uma passagem em que o herói Ulisses exorta seus companheiros a não ter medo de se aventurar pelo desconhecido. Os homens, diz Ulisses, nasceram para conhecer e para compreender. Pois bem: a literatura é uma fonte de conhecimento e de compreensão. A pretensão é fazer, nestas poucas linhas, minha apologia da literatura. Apoio-me em dois grandes  literatos, os quais foram fundamentais para me inculcar o gosto pela literatura: o argentino Jorge Luis Borges* e o cubano-italiano Italo Calvino**. O formato é pot-pourri (expressão francesa que significa, neste contexto, uma mistura heteróclita de pequenos textos sobre literatura).

Alto e bom som, temos que aceitar o mal do mundo. Não se trata de resignação: o mal é sofrer uma violência gratuita, ou uma grande esperança desfeita, ou uma grande perda, ou tantas outras coisas. Para os religiosos -- e eles são a imensa maioria -- ainda há que adorar um Deus inalcançável e incompreensível. A literatura aborda o Mal de múltiplas formas: retenho a de Dante Alighieri, em sua Divina Comédia. Dante nos traz sua visão dos dogmas cristãos Inferno, Purgatório e Paraíso. Dante é religioso? Pode até ser, mas calma! No Inferno, ele conversa com dois condenados, Paolo e Francesca, que se amam e que estão juntos para sempre; assim, mesmo partilhando os horrores do inferno, eles vivem uma espécie de paraíso! Então, Dante é religioso, ou é anti-religioso? Dê sua interpretação: é bem provável que a pergunta perca o sentido.

Emanuel Swedenborg, que viveu no século XVI, era ao mesmo tempo um homem de ciência (professor da Universidade de Upsala, Suécia) e um homem prático (engenheiro militar). Eis que  torna-se também um místico e assenta as bases de uma nova religião. O interesse reside em que é uma religião que privilegia a inteligência! Ele prescreve, com todas as letras: a santidade é descartável;  é preciso investir-se de inteligência. Exemplifica com a história de um homem que se propôs ir para o céu: renunciou a todos os prazeres sensuais e então foi se empobrecendo. No céu, os anjos não sabiam o que fazer com  ele: embora justo, era um pobre mental. Reservaram-lhe um deserto. Swedenborg nos convida a todos a nos salvar mediante uma vida rica de justiça e de inteligência. É fácil entender por que sua religião não prosperou.

Em uma obra literária, tão importante quanto o conteúdo é o estilo. A falta de estilo pode comprometer toda uma grande ideia. Um bom estilo pode ser pesado ou leve.  Diversos grandes escritores são pesados (Dante o é),  enquanto outros são leves. De meu modesto lugar, eu prefiro a leveza. A leveza é firmemente calcada em nossa realidade atômica: somos um corpo pesado mas que é formado de partículas elementares sem peso. Desse extraordinário e aparente paradoxo, tiram-se lições de estilo: um assunto, por mais complexo que seja, pode ser decorticado, sem prejuízo do todo. Enfim, a função existencial da literatura, em busca da leveza como antídoto ao peso da vida.

Deve-se ler um livro pelo prazer de ler: hedonismo puro, por maior que seja a importância ou a transcendentalidade do tema. Um grande escritor teve a honestidade de dizer que abominou o consagrado Ulysses de James Joyce, exatamente porque não sentia prazer em sua  leitura. O prazer também é estético: pegar um livro pode suscitar uma diversidade de sentimentos e emoções. Cabe agora uma digressão: é possível discernir beleza em um livro digital (e-book)? Para mim, definitivamente não, sem ignorar que sou passível de contestação.

O que é um livro clássico? É um livro que nunca termina de dizer o que tem para dizer. Espero ter evidenciado que a Divina Comédia, de Dante Alighieri, é um clássico. Nossa vida moderna, infelizmente, nos deixa pouco tempo de prazer de leitura. A sugestão só pode ser (re)ler pouco e bem. Os clássicos estão aí para isso.


*- Borges Oral & Sete Noites, Companhia das Letras, 2011.
**- Por Que Ler os Clássicos, Companhia das Letras, 1993.
      Seis Propostas para o Próximo Milênio, Companhia das Letras, 1990.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eleição Presidencial


Minha síntese da eleição presidencial, em uma frase. Não se ganha uma eleição com base no eleitorado de mais renda e escolaridade.

Três constatações:
1) Lula é o maior fenômeno de massas da História do Brasil: bate Getúlio Vargas.
2) Ponto para o PSDB (I): Aécio Neves cumprimentou Dilma pela vitória dela. Dilma, ao que me consta, não teve a fineza de agradecer publicamente.
3) Ponto para o PSDB (II): José Serra declarou que fará oposição construtiva.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ecos de Minha Viagem a Curitiba



Curitiba fascina por ser considerada a capital brasileira com melhor qualidade de vida. Em primeiro lugar, convenhamos que por qualidade de vida subentendem-se sete itens,  sem importar a ordem: (i1) transporte público de qualidade; (i2) área verde por habitante segundo  padrões internacionalmente aceitos; (i3) limpeza; (i4) segurança; (i5) equipamentos culturais; (i6) inexistência de misérias  econômicas e sociais; e (i7) população civilizada. (Educação e Saúde Básicas ficam à margem, dada a impossibilidade de observá-las em tão curto tempo.) Como a cidade se comporta em relação a estes sete fatores?
***
A topografia plana de Curitiba e o planejamento da cidade -- largas e retas avenidas -- facilitaram a implantação de pioneiras e numerosas linhas de BRTs (Bus Rapid Transit) pelo antigo prefeito Jaime Lerner. As estações de passageiros são uma graça e estão sempre cheias. Minha filha, como tanta gente, prefere o ônibus a seu carro para o deslocamento casa - trabalho: o último, só para passeios de fim de semana. Apesar do êxito do sistema, as pessoas já reclamam de seu sub dimensionamento: é a consequência da urbanização galopante, mesmo em um estado de interior rico como o Paraná.
***
Verde Que Te Quero Verde!, parafraseando um dos hinos da escola de samba carioca Mangueira: a cidade é plena de praças bosque, ruas e avenidas arborizadas e lindos parques. Dir-se-ia que a Mata Atlântica na região continua preservada, apesar do gigantismo urbano da capital e de sua área metropolitana. A natureza bem que ajuda: os índices pluviométricos de Curitiba são próximos dos amazônicos.
***
Andar a pé em Curitiba é muito confortável: além do aconchegante verde, tudo é muito limpo. Acrescento: calçadas amplas e quase sempre em bom estado, placas em pedestais com os nomes das ruas em todas as esquinas por onde passei, todas as faixas de pedestre que usei com sinalização para pedestres. E mais: os prédios antigos, alguns imponentes, são bem preservados: à noite, a criativa iluminação de vários deles é um bálsamo para os olhos.
***
A segurança da população encontra-se em situação de alerta, haja vista as horrorosas e recentes rebeliões nas prisões de Cascavel e Guarapuava, respectivamente no centro e no sudoeste do Paraná. Furtos e roubos em Curitiba também estão em um crescendo. Possíveis explicações: desemprego em pequena porém constante alta, e drogas. Entretanto, as ruas apinhadas de pessoas de todas as classes sociais, muitas crianças inclusive, estão a indicar que o problema ainda é significativamente inferior ao prevalente em quase todas as outras capitais brasileiras.
***
Meu périplo cultural se limitou a manifestações artísticas locais. Um afinadíssimo conjunto instrumental evocava músicas relativamente antigas: Ladeira da Preguiça, de Gilberto Gil, lindo! Um grupo de teatro representava os jovens na década de 70. Todos os artistas jovens e saudáveis. Teatros  cheios, com predominância de público  jovem. O Teatro Paiol e o Portão Cultural são excelentes equipamentos culturais. O Museu Oscar Niemeyer, arrojado e em meio a um luxuriante parque: programação intensa de mídias variadas, e de novo presença intensa de gente jovem.
***
Não vi favelas em Curitiba, mas que elas existem, existem. Flanelinhas em profusão, alguns mendigos.
***
Diziam-me que o curitibano é muito bairrista e que, exageros à parte, não gosta de 'estrangeiros'. Felizmente, essa sensação não se me confirmou: caras alegres e descontraídas; afáveis, quando solicitados. Motoristas particulares: de um lado, respeitadores dos sinais de trânsito; de um outro e infelizmente, selvagens em grande número ou um bando de frustrados corredores de fórmula 1. Os pedestres são apressados e indisciplinados, furando os sinais: como em todo o canto.

Considerações finais. Gastronomia? Limito-me a citar a charmosa e diversificada boulangerie Délices de France: isto mesmo, nome e cardápio em francês; o croissant  era tão bom quanto aqueles de Montpellier, onde morei, e de Paris. De um modo geral, minha avaliação de Curitiba é plenamente  positiva: sem dúvida e como ponto de partida, ela é modelo a ser seguido pelas demais capitais brasileiras. Paira no entanto no ar uma sensação de desconforto com a deterioração pouco a pouco de sua qualidade de vida.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Karl Marx, Segundo Thomas Piketty



O economista francês Thomas Piketty publicou em 2013 o livro O Capital no Século XXI (em francês, Le capital au XXI siècle), o qual é um virtuoso fenômeno de repercussão e vendagem. Muitos economistas de renome o saúdam; diversos outros especialistas naturalmente lhe fazem restrições. A unanimidade consiste em que se trata de uma análise competente do Capital, por um um pesquisador sério. Há que ressaltar também a tradição bem francesa da boa escrita e do estilo aprimorado, além da estrutura primorosa da obra. O leitor comum se encanta.

O que comento brevemente é como Piketty insere Karl Marx em sua análise: ele evidencia que o essencial de Marx continua atual e por quê.

Como é sabido, Marx viveu nos primórdios da Revolução Industrial, cuja dinâmica é caracterizada por (1) concentração de capital e (2) miséria do proletariado industrial. As péssimas condições dos operários são magistralmente descritas em clássicos da literatura universal como Germinal de Émile Zola, Oliver Twist de Charles Dickens, e Les Misérables de Victor Hugo. É óbvio que a situação dos trabalhadores preocupava a todos os estudiosos, porém os remédios propostos são bastante diferentes. Os economistas liberais, herdeiros de Adam Smith, proclamavam que o mercado é auto regulável: com o decorrer do tempo, as condições dos trabalhadores paulatinamente melhorariam. Marx, bem ao contrário, via no contexto as bases de uma contínua deterioração levando à bancarrota dos sistemas político e econômico existentes.

Coerentemente com sua visão, Marx só via saída na revolução proletária ou comunista, engendrando um novo sistema em que a socialização da produção (ou o fim da acumulação infinita de capital) é a pedra de toque. Ocorre que o marxismo,  em suas diversificadas versões, só encontrou guarida em países periféricos, com pouco proletariado (sic). Marx ignorou fatores como progresso tecnológico e produtividade industrial, que funcionariam como amortecedores dos efeitos nefastos da acumulação de capital. É fato que os salários nos países altamente industrializados começaram a crescer já nas três décadas finais do século XIX.

É muito importante atentar para o seguinte. Marx não teve tempo de pensar no comunismo: como organizar uma sociedade em que a propriedade privada terá sido abolida?! Questão candente. Talvez desse imenso vazio conceitual e metodológico venham as explicações para os fracassos de todos os regimes comunistas: os países ex-comunistas eram e continuam autoritários e estagnados economicamente  (a exceção é a China, porém só na economia).

Todavia, contudo ... a acumulação de capital nunca parou: ela se arrefece em um período e acelera em outro. Vivemos um tempo de sua agudeza. É o que acontece nos Estados Unidos,  na Europa e no Japão. Ela traz consigo uma maior desigualdade de renda: as condições da massa assalariada pioram; o desemprego aumenta ou não diminui a contento; os 1% mais ricos se tornam cada vez mais ricos. Para completar o quadro, a desigualdade tem se combinado com persistente baixo crescimento. Baixo crescimento estimula a acumulação (por poucos). O espectro de Marx da acumulação infinita de capital continua vivo: os sistemas político e econômico tremem (Occupy Wall Street).

Semelhanças com o Brasil não são mera coincidência. Nosso crescimento  é pífio faz tempo, e nossos riquíssimos estão cada vez  mais riquíssimos. Se não houver uma reversão a curto prazo das expectativas de baixo crescimento, assistiremos inevitavelmente à degradação dos salários e ao aumento do desemprego. Nossa frágil democracia se vergaria a tamanha tensão social.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Incursão pela Filosofia da Antropologia



O filósofo Bento Prado Jr. argumentava que no Brasil também se faz marxismo, fenomenologia, existencialismo e positivismo, mas não havia novidade ou contribuição maior: quase sempre, trata-se de divulgação. Três décadas depois, o antropólogo Lévi-Strauss identificava O Novo na fronteira da antropologia e da filosofia: ele se referia às pesquisas do casal de antropólogos brasileiros Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski. Eis um resumo, bem resumido, da principal ideia de Eduardo & Déborah.

Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas inimagináveis. Por exemplo, faz-se a bomba atômica, mas não se pensa a bomba atômica. Entramos no terreno do Supraliminar -- conceito de Eduardo & Déborah. Ou seja, a questão (ou o problema) é tão grande, que é melhor tentar ignorá-la(o). Como refletir sobre a crise climática, que depende de milhares de parâmetros? Provoca uma paralisia cognitiva. Então as pessoas se evadem mais ou  menos assim: "O mundo vai aquecer quatro graus... E o que vai acontecer? Então é melhor nem pensar”.

O supraliminar me ajuda a entender o que se passa com a campanha presidencial brasileira. O debate é de uma pobreza desalentadora. Os candidatos, em maior ou menor intensidade, se limitam a trocar acusações. As grandes questões ou os magnos problemas nacionais passam bem ao largo. O eleitor, que no fundo aspira a mudanças, parece paralisado pelo supraliminar. Alguns fatos graves lhe causam amnésia. Na política: (1) o próximo congresso promete ser o mais fragmentado da história; (2) PT e PSDB, antípodas, terão bancadas quase iguais em tamanho; (3) mais blocos de votos à venda; (4) o presidente será tentado a repetir os negócios habituais de montar (na grana) sua coalizão; e (5) metade do país estará muito insatisfeita com seja lá quem for o presidente. Na economia: (1) lerdeza econômica e expansão mais lenta das despesas sociais; e (2) as previsões econômicas são ruins (governo e oposição só divergem em grau). 

Afastando o supraliminar, não há como ignorar que já vivemos faz tempo um período política e economicamente turbulento, e que só dá sinais de mais turbulência. A  situação exige um Estadista na cadeira presidencial. Você enxerga um entre os candidatos? Eu sou pessimista demais para responder.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Serra da Ibiapaba



Deixei o Ceará muito cedo, até voltar em 2009, professor universitário aposentado da UFCG. De seu interior, praticamente só conhecia a estrada Icó (onde nasci) - Fortaleza, de interesse nenhum. Também só retinha a paisagem seca, entremeada com breves períodos de verdura. O Estado é o mais árido do Brasil: as chuvas do Atlântico Leste, abundantes em toda a faixa da outrora Mata Atlântica, não lhe chegam frequentemente; pelo Oeste,  as águas amazônicas muitas vezes esbarram no Piauí, quando atingem o Piauí. Contrapondo-se porém ao sertão esturricado, há interessantes regiões altas com micro climas propícios e fontes de água: Serra da Ibiapaba, Chapada do Araripe e Serra de Guaramiranga. O próprio sertão não é de todo desprovido de atrativos: Sertão de Quixadá é especial. Finalmente tive oportunidade de conhecê-las, todas.

Meu breve discorrimento, hoje, é sobre a Serra da Ibiapaba. Em futuro qualquer, abordarei as demais regiões citadas.

A Serra da Ibiapaba é a rigor um planalto, alto de 600m, e com pontos elevados de até 1.000m. A flora lembra o Sahel, aquela parte do Norte da África espremida entre o Mar Mediterrâneo e o Deserto do Sahara: palmeiras do tipo tamareira, arbustos ásperos e de verde intenso. Água brotando em certos pontos. O clima é seco e as temperaturas são amenas. Deste conjunto de fatores vem o fato que deveria deixar o leitor pasmado: o Ceará é um dos maiores produtores de rosas do Brasil (!). E produz igualmente muito morango.

São Benedito, Cidade das Rosas, abriga ao menos duas grandes fazendas de flores. Visitei uma delas. Beleza! Um campo a perder de vista de rosas vermelhas e amarelas. Claro que são diferentes, mas não deixei de recordar os campos de lavanda da Provence. Os empresários são mineiros. O lugar é melhor do que Minas para o plantio de rosas: com clima seco e temperado, os fungos não prosperam. Já faz tempo que a empresa ficou impossibilitada de exportar -- o Brasil volta a ser só exportador de soja e minério de ferro --, sobrevivendo felizmente graças ao  mercado interno. As grandes praças consumidoras: Belém do Pará e Fortaleza. O grande cliente: Rede Pão de Açúcar. Onde o staff dirigente se hospeda na cidade? Em pousadas. (A minha pousada, por exemplo, é aconchegante e agradável.) As rosas trouxeram o requinte: São Benedito tem delicatessen (!) Foi um prazer conversar sobre vinhos e acepipes com o educado e ilustrado garçon: preconceituoso, duvidei de sua naturalidade, mas ele é mesmo citadino.

Viçosa do Ceará é uma joia colonial. Suas igrejas, palacetes, casarões e teatro são bonitos e bem conservados. A praça central chega a ser linda. Viçosa é uma cidade dos festivais de dança, música e teatro, assim como Areia na Paraíba e Garanhuns em Pernambuco. Nos inúmeros belvederes dos arredores, a serra proporciona visões deslumbrantes: estas figuras atestam-no https://www.google.com.br/search?q=vi%C3%A7osa+do+cear%C3%A1&biw=1366&bih=657&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=cHIgVN-DNJCRgwTs-YLQAQ&ved=0CDUQ7Ak.

Por fim, Gruta de Ubajara, no parque nacional do mesmo nome. O melhor mesmo é seu entorno: um precipício de 700m oferece panoramas espetaculares dos contrafortes da serra e da planície lá em baixo.

Então, tudo são flores na Ibiapaba? De jeito nenhum. A região não escapa de ser subdesenvolvida, com as mazelas de sempre. Todavia, só dá-me vontade de falar de suas coisas boas.   

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Três Leituras Recentes


Os Sofrimentos do Jovem Werther
J. W. Goethe
L&PM Edições de Bolso
Werther é livre. Carlota, o amor e a paixão de Werther, é presa a correntes éticas e morais. Carlota, porque está comprometida com um outro, nega-se a realizar sua atração por Werther, às custas de quanto sacrifício e dor. Werther, esgotados os meios de conquistar Carlota, e por entender que sua vida sem ela perde todo o sentido, exerce a liberdade de suicidar-se. Ao terminar de ler o pequeno-grande livro, anotei em meu caderninho de aforismos: "Aperfeiçoar o imperfeito"; "Tentar ser livre".

O Homem que Amava os Cachorros
Leonardo Padura
Boitempo Editorial
O tema gira em torno da perseguição e da morte brutal de Leon Trotsky por Ramón Mercader, a mando do tirano sanguinário Joseph Stalin. Assunto conhecido e gasto? Não da forma como Padura o desenvolve: a construção minuciosa e aterrorizante de um assassino político. Esquece-se que é um romance e imagina-se que se trata de História (de terror). Dá náuseas. Vá lá que seja apenas um thriller histórico. Acontece que, após praticar seu nefando ato, Mercader se refugia em Cuba. Cuba se torna comunista, à moda soviética. As distorções do comunismo vão aparecendo e perfurando. Cito apenas o caso do relacionamento homossexual de um professor universitário com um seu aluno: o professor é expulso e o aluno é suspenso (não deve ser ficção). Ah! Por que o título? Bem, Mercader adoooraaava seus dois cachorros.

200 Crônicas Escolhidas
Rubem Braga
Editora Record 
São quase sempre pequenas crônicas, página e meia, no máximo. Abro aleatoriamente o livro. Agora. Deparo-me com "Sobre o Amor, Desamor ...". Adultério? Palavra feia. Concubina? Também. Concubinagem é horrível: devia ser retirada do dicionário. Mas o pior é Cônjuge: no dia em que uma mulher descobre que o marido é cônjuge, coitado dele. Os casais de antigamente eram plácidos, sábios e felizes? Só vistos de longe. É sempre assim: cada crônica, uma bem humorada cena desta nossa vida absurda.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Primeira Postagem


O porquê do blog

Ao pensar em meu blog, a primeira ação foi procurar 'blog interessante' na Internet. A maioria das respostas começa bem: escrever artigos de qualidade. Porém o arremate é deplorável: pesquisar no mercado os assuntos mais populares. Ou seja, não há lugar para o eu: a mão invisível do mercado -- não estou sendo original -- leva e traz, para o mal ou para o bem. Sinto-me incomodado em meio a toda essa massa de pessoas tangida na Internet pelos ventos do mercado, como gado. Chamemo-la de geração Internet (GI).

Um GI se imagina um sabichão. Satisfá-lo somente reproduzir dizeres de falsos ou verdadeiros especialistas, ou então pertence à infindável turma do copiar - colar. Jamais se dá conta de que, assim se comportando, torna-se prepotente e desrespeitoso.

Mutatus mutandis, o blog é pessoal. Significa que me proíbo de copiar - colar, no máximo me permito links -- sem abuso. Quase tudo tem que brotar de meu íntimo, de meu jeito de dizer, e sobre qualquer assunto de meu interesse.

Dos amigos leitores, espero demais: desde paciência para aguentar conteúdos precários até e principalmente comentários que me ajudem a melhorar. As postagens serão curtas -- como conviria a um blog --, na medida do possível. Frequência? ao menos uma vez por semana.