segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eleição Presidencial


Minha síntese da eleição presidencial, em uma frase. Não se ganha uma eleição com base no eleitorado de mais renda e escolaridade.

Três constatações:
1) Lula é o maior fenômeno de massas da História do Brasil: bate Getúlio Vargas.
2) Ponto para o PSDB (I): Aécio Neves cumprimentou Dilma pela vitória dela. Dilma, ao que me consta, não teve a fineza de agradecer publicamente.
3) Ponto para o PSDB (II): José Serra declarou que fará oposição construtiva.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ecos de Minha Viagem a Curitiba



Curitiba fascina por ser considerada a capital brasileira com melhor qualidade de vida. Em primeiro lugar, convenhamos que por qualidade de vida subentendem-se sete itens,  sem importar a ordem: (i1) transporte público de qualidade; (i2) área verde por habitante segundo  padrões internacionalmente aceitos; (i3) limpeza; (i4) segurança; (i5) equipamentos culturais; (i6) inexistência de misérias  econômicas e sociais; e (i7) população civilizada. (Educação e Saúde Básicas ficam à margem, dada a impossibilidade de observá-las em tão curto tempo.) Como a cidade se comporta em relação a estes sete fatores?
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A topografia plana de Curitiba e o planejamento da cidade -- largas e retas avenidas -- facilitaram a implantação de pioneiras e numerosas linhas de BRTs (Bus Rapid Transit) pelo antigo prefeito Jaime Lerner. As estações de passageiros são uma graça e estão sempre cheias. Minha filha, como tanta gente, prefere o ônibus a seu carro para o deslocamento casa - trabalho: o último, só para passeios de fim de semana. Apesar do êxito do sistema, as pessoas já reclamam de seu sub dimensionamento: é a consequência da urbanização galopante, mesmo em um estado de interior rico como o Paraná.
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Verde Que Te Quero Verde!, parafraseando um dos hinos da escola de samba carioca Mangueira: a cidade é plena de praças bosque, ruas e avenidas arborizadas e lindos parques. Dir-se-ia que a Mata Atlântica na região continua preservada, apesar do gigantismo urbano da capital e de sua área metropolitana. A natureza bem que ajuda: os índices pluviométricos de Curitiba são próximos dos amazônicos.
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Andar a pé em Curitiba é muito confortável: além do aconchegante verde, tudo é muito limpo. Acrescento: calçadas amplas e quase sempre em bom estado, placas em pedestais com os nomes das ruas em todas as esquinas por onde passei, todas as faixas de pedestre que usei com sinalização para pedestres. E mais: os prédios antigos, alguns imponentes, são bem preservados: à noite, a criativa iluminação de vários deles é um bálsamo para os olhos.
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A segurança da população encontra-se em situação de alerta, haja vista as horrorosas e recentes rebeliões nas prisões de Cascavel e Guarapuava, respectivamente no centro e no sudoeste do Paraná. Furtos e roubos em Curitiba também estão em um crescendo. Possíveis explicações: desemprego em pequena porém constante alta, e drogas. Entretanto, as ruas apinhadas de pessoas de todas as classes sociais, muitas crianças inclusive, estão a indicar que o problema ainda é significativamente inferior ao prevalente em quase todas as outras capitais brasileiras.
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Meu périplo cultural se limitou a manifestações artísticas locais. Um afinadíssimo conjunto instrumental evocava músicas relativamente antigas: Ladeira da Preguiça, de Gilberto Gil, lindo! Um grupo de teatro representava os jovens na década de 70. Todos os artistas jovens e saudáveis. Teatros  cheios, com predominância de público  jovem. O Teatro Paiol e o Portão Cultural são excelentes equipamentos culturais. O Museu Oscar Niemeyer, arrojado e em meio a um luxuriante parque: programação intensa de mídias variadas, e de novo presença intensa de gente jovem.
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Não vi favelas em Curitiba, mas que elas existem, existem. Flanelinhas em profusão, alguns mendigos.
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Diziam-me que o curitibano é muito bairrista e que, exageros à parte, não gosta de 'estrangeiros'. Felizmente, essa sensação não se me confirmou: caras alegres e descontraídas; afáveis, quando solicitados. Motoristas particulares: de um lado, respeitadores dos sinais de trânsito; de um outro e infelizmente, selvagens em grande número ou um bando de frustrados corredores de fórmula 1. Os pedestres são apressados e indisciplinados, furando os sinais: como em todo o canto.

Considerações finais. Gastronomia? Limito-me a citar a charmosa e diversificada boulangerie Délices de France: isto mesmo, nome e cardápio em francês; o croissant  era tão bom quanto aqueles de Montpellier, onde morei, e de Paris. De um modo geral, minha avaliação de Curitiba é plenamente  positiva: sem dúvida e como ponto de partida, ela é modelo a ser seguido pelas demais capitais brasileiras. Paira no entanto no ar uma sensação de desconforto com a deterioração pouco a pouco de sua qualidade de vida.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Karl Marx, Segundo Thomas Piketty



O economista francês Thomas Piketty publicou em 2013 o livro O Capital no Século XXI (em francês, Le capital au XXI siècle), o qual é um virtuoso fenômeno de repercussão e vendagem. Muitos economistas de renome o saúdam; diversos outros especialistas naturalmente lhe fazem restrições. A unanimidade consiste em que se trata de uma análise competente do Capital, por um um pesquisador sério. Há que ressaltar também a tradição bem francesa da boa escrita e do estilo aprimorado, além da estrutura primorosa da obra. O leitor comum se encanta.

O que comento brevemente é como Piketty insere Karl Marx em sua análise: ele evidencia que o essencial de Marx continua atual e por quê.

Como é sabido, Marx viveu nos primórdios da Revolução Industrial, cuja dinâmica é caracterizada por (1) concentração de capital e (2) miséria do proletariado industrial. As péssimas condições dos operários são magistralmente descritas em clássicos da literatura universal como Germinal de Émile Zola, Oliver Twist de Charles Dickens, e Les Misérables de Victor Hugo. É óbvio que a situação dos trabalhadores preocupava a todos os estudiosos, porém os remédios propostos são bastante diferentes. Os economistas liberais, herdeiros de Adam Smith, proclamavam que o mercado é auto regulável: com o decorrer do tempo, as condições dos trabalhadores paulatinamente melhorariam. Marx, bem ao contrário, via no contexto as bases de uma contínua deterioração levando à bancarrota dos sistemas político e econômico existentes.

Coerentemente com sua visão, Marx só via saída na revolução proletária ou comunista, engendrando um novo sistema em que a socialização da produção (ou o fim da acumulação infinita de capital) é a pedra de toque. Ocorre que o marxismo,  em suas diversificadas versões, só encontrou guarida em países periféricos, com pouco proletariado (sic). Marx ignorou fatores como progresso tecnológico e produtividade industrial, que funcionariam como amortecedores dos efeitos nefastos da acumulação de capital. É fato que os salários nos países altamente industrializados começaram a crescer já nas três décadas finais do século XIX.

É muito importante atentar para o seguinte. Marx não teve tempo de pensar no comunismo: como organizar uma sociedade em que a propriedade privada terá sido abolida?! Questão candente. Talvez desse imenso vazio conceitual e metodológico venham as explicações para os fracassos de todos os regimes comunistas: os países ex-comunistas eram e continuam autoritários e estagnados economicamente  (a exceção é a China, porém só na economia).

Todavia, contudo ... a acumulação de capital nunca parou: ela se arrefece em um período e acelera em outro. Vivemos um tempo de sua agudeza. É o que acontece nos Estados Unidos,  na Europa e no Japão. Ela traz consigo uma maior desigualdade de renda: as condições da massa assalariada pioram; o desemprego aumenta ou não diminui a contento; os 1% mais ricos se tornam cada vez mais ricos. Para completar o quadro, a desigualdade tem se combinado com persistente baixo crescimento. Baixo crescimento estimula a acumulação (por poucos). O espectro de Marx da acumulação infinita de capital continua vivo: os sistemas político e econômico tremem (Occupy Wall Street).

Semelhanças com o Brasil não são mera coincidência. Nosso crescimento  é pífio faz tempo, e nossos riquíssimos estão cada vez  mais riquíssimos. Se não houver uma reversão a curto prazo das expectativas de baixo crescimento, assistiremos inevitavelmente à degradação dos salários e ao aumento do desemprego. Nossa frágil democracia se vergaria a tamanha tensão social.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Incursão pela Filosofia da Antropologia



O filósofo Bento Prado Jr. argumentava que no Brasil também se faz marxismo, fenomenologia, existencialismo e positivismo, mas não havia novidade ou contribuição maior: quase sempre, trata-se de divulgação. Três décadas depois, o antropólogo Lévi-Strauss identificava O Novo na fronteira da antropologia e da filosofia: ele se referia às pesquisas do casal de antropólogos brasileiros Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski. Eis um resumo, bem resumido, da principal ideia de Eduardo & Déborah.

Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas inimagináveis. Por exemplo, faz-se a bomba atômica, mas não se pensa a bomba atômica. Entramos no terreno do Supraliminar -- conceito de Eduardo & Déborah. Ou seja, a questão (ou o problema) é tão grande, que é melhor tentar ignorá-la(o). Como refletir sobre a crise climática, que depende de milhares de parâmetros? Provoca uma paralisia cognitiva. Então as pessoas se evadem mais ou  menos assim: "O mundo vai aquecer quatro graus... E o que vai acontecer? Então é melhor nem pensar”.

O supraliminar me ajuda a entender o que se passa com a campanha presidencial brasileira. O debate é de uma pobreza desalentadora. Os candidatos, em maior ou menor intensidade, se limitam a trocar acusações. As grandes questões ou os magnos problemas nacionais passam bem ao largo. O eleitor, que no fundo aspira a mudanças, parece paralisado pelo supraliminar. Alguns fatos graves lhe causam amnésia. Na política: (1) o próximo congresso promete ser o mais fragmentado da história; (2) PT e PSDB, antípodas, terão bancadas quase iguais em tamanho; (3) mais blocos de votos à venda; (4) o presidente será tentado a repetir os negócios habituais de montar (na grana) sua coalizão; e (5) metade do país estará muito insatisfeita com seja lá quem for o presidente. Na economia: (1) lerdeza econômica e expansão mais lenta das despesas sociais; e (2) as previsões econômicas são ruins (governo e oposição só divergem em grau). 

Afastando o supraliminar, não há como ignorar que já vivemos faz tempo um período política e economicamente turbulento, e que só dá sinais de mais turbulência. A  situação exige um Estadista na cadeira presidencial. Você enxerga um entre os candidatos? Eu sou pessimista demais para responder.