domingo, 28 de agosto de 2016

Brejo Santo



Brejo Santo é uma pequena cidade do sudeste do Ceará. À primeira vista, parece-se com tantas e tantas outras da hinterlândia nordestina, às voltas com a sobrevivência. (A propósito, "Seca Excepcional no Ceará" é a calamitosa manchete deste 17 de agosto do jornal OPovo, de Fortaleza.) Mas há uma fulgurância que distingue Brejo Santo das demais cidades, não só do Nordeste como também de todo o Brasil: a excelência de seu ensino fundamental, atestada por aferição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -- Ideb -- do Ministério da Educação. O Ideb mede o desempenho em português e matemática dos alunos da rede pública.

A escola de ensino fundamental Maria Leite de Araújo -- modestas cinco salas e cento e oitenta alunos -- fica na zona rural de Brejo Santo. Ela recebeu a nota Ideb 9,6. É a maior do Brasil, cuja média pouco passa da metade, ou 5,2; no âmbito do município de Brejo Santo, a média é 7,2. "Não existe nada de miraculoso para o êxito da escola, basta fazer bem o feijão-com-arroz", assevera a secretária municipal de Educação, Ana Jacqueline Braga. Acompanhamento pedagógico dos alunos; atenção especial aos que se atrasam no aprendizado. Café da manhã e almoço substanciosos. Adequadamente assistidos e nutridos, os alunos tendem a desenvolver ao máximo suas capacidades mentais.

Os alunos da escola Maria Leite de Araújo não aprendem com auxílio de tablets, e antes de 2014 não tinham acesso à internet. Atividades tecnológicas tais como construir robôs, nem pensar, ainda que possam ser coisa simples. De acordo com Maria das Graças Bezerra, diretora da escola, as novas tecnologias não fazem falta ao aprendizado dos alunos. O foco é no conhecimento e na leitura. "Quem interpreta bem um texto consegue aprender e executar a contento qualquer coisa", complementa a diretora. Diariamente e nos intervalos, os alunos vão para a sombra de um grande juazeiro contar histórias e dramatizar contos, com uso de fantoches. Os professores, quanto a eles, são avaliados e promovidos por mérito; os salários estão entre os melhores da categoria no Ceará.

A evasão escolar em Brejo Santo já foi uma das maiores do Brasil. Atualmente, 99% das crianças e adolescentes estão na escola. Os recursos são parcos, porém aproveitados com toda a eficiência: repasses do Fundeb, Fundo de Educação Básica do Governo Federal; 27,5% das receitas do município alocadas à educação; transporte escolar gratuito para os alunos da zona rural; e bolsas assistenciais dos governos federal e estadual para os mais pobres. Agricultores familiares abastecem as escolas públicas, o que garante a qualidade de frutas e verduras no prato dos alunos, além de movimentar a economia local.

Por que inumeráveis municípios com semelhantes carências não conseguem o rendimento escolar de Brejo Santo? A boa resposta vem do próprio Brejo Santo: prioridade da administração municipal à educação; competência e dedicação dos professores e do pessoal administrativo; e lisura no trato do dinheiro público.

Sequer conheço Brejo Santo. Dá-me vontade de ir lá e felicitar a secretária municipal de Educação, a diretora da escola Maria Leite de Araújo, seus professores e alunos. Aprender de viva voz como tirar, de pedra, água puríssima. Bravo, Brejo Santo!

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Olimpíada, Meu Conforto em Primeiro



Não obstante suas imensas mazelas infra-estruturais e de segurança, o Rio de Janeiro é estonteantemente bonito. Emoldurada por esse deslumbrante cenário, a olimpíada Rio-2016 só poderia ser bacana, e está bacana. Milhares de turistas, de todos os cantos, dão vivas à beleza da cidade, e não só à graça das evoluções dos ginastas. Ao ponto de suportar com bom humor as disfunções da urbe e a desorganização da Rio-2016. Tirante, bem entendido, as pessoas riquíssimas, que não abrem mão de exigências extremas de conforto. Para ilustrar, como se hospedam para as olimpíadas?

Hotéis 6 ou 5 estrelas? Nem pensar: muita gente circulando, atendimento demorado, enfim são muito 'populares'. Que tal um espaçoso refúgio à beira-mar ou cercado de montanhas? Custa uma fortuna, mas não importa, é tudo o que os miliardários procuram.

Bairro do Joá, lançando-se das montanhas sobre o mar. Casa ocupando uma área de 8.000 m2, jardins de Burle Marx, isolamento total, só o cantar dos passarinhos, luxuosa: alugada por US$ 40 mil ou cerca de R$ 130 mil ... a diária. Quem alugou? Um magnata árabe.

Jardim Botânico, montanhas e 'selva', Cristo Redentor no alto. Embaixada itinerante do Qatar: um conjunto de seis mansões. A área toda cheira a rosas. Mansão principal: 7.000 m2, sete suítes, escritório suspenso por cabos de aço. Privacidade total. Valor do aluguel não divulgado, mas pode-se especular.

São Conrado, orla de Leblon / Ipanema e Lagoa: outros locais dos sonhos dos estrangeiros. Ambientes decorados com obras de arte, madeira em profusão integrando concreto e natureza. Vistas panorâmicas de tirar o fôlego. Preço mínimo de locação por temporada olímpica: R$ 2 milhões.

As imobiliárias do setor de alto luxo excedem. Disponibilidade de funcionários poliglotas 24 horas por dia. É comum atender a pedidos tais como troca de lençóis no meio da noite, ou ir para a cozinha de madrugada preparar uma lagosta ao termidor. "Poolboys", especialistas em drinques, sempre à disposição. Tudo devidamente cobrado à parte.

Quanto aos milionários (bilionários?) locadores brasileiros, haja grana a receber.

A anotar que os preços estão desinflacionados de 20% em relação à Copa de 2014. Para os potentados, não existe crise, ou então a crise (dos outros) é oportunidade para ganhar e gastar ainda mais dinheiro.

Chega de falar de ricaços. Para os bilhões de pessoas como nós, as estrelas olímpicas em primeiríssimo. Viva a Rio-2016 de Ma Long, Michael Phelps e Simone Biles!

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Desafiando a Fugacidade da Vida



O filósofo existencialista Albert Camus vaticina: o suicídio é a única grande questão filosófica. O que faz alguém ter a coragem de encurtar a vida, quando (quase) todo o mundo sonha em prolongá-la? Ainda que a vida não passe de uma tragédia, na acepção grega. A angústia filosófica de Camus, pois, se justifica.

Vida que queremos vida. Se a morte é inevitável então os conselhos do imperador-filósofo da Roma antiga, Marco Aurélio, amenizam: "A morte nos sorri a todos. Não podemos fazer outra coisa a não ser sorrir para ela." A menos que exista uma outra opção. Será?!

No tempo de Marco Aurélio, a vida média dos romanos era de apenas trinta anos. Mais de dois mil anos decorridos, ela mais que dobrou nos países desenvolvidos: acima de setenta anos. Porém continua pouco, pouquíssimo. Atingirá o dobro, ou mais, ou menos, nos próximos dois mil anos, supondo que a espécie humana resistirá? Impossível antecipar: é desafio dificílimo propiciar saltos de longevidade. Não convém, todavia, subestimar a petulância humana. Uma nova técnica de dar cabo à morte se anuncia: um corpo definhante por doença incurável entraria em hibernação até que aparecesse a cura do mal, quando então ele seria reanimado. A hibernação se repetiria, sempre que ela fosse necessária. Vida estendida ad infinitum, em princípio. Aos detalhes.

Trata-se de criogenia, uma técnica de preservação por congelamento a uma temperatura muito baixa (-196 graus centígrados) e por imersão em azoto líquido. Em março de 2015, Aaron Winborn, 47 anos, encontrava-se à morte, paralisado por uma doença neurológica, o mal de Charcot. A família e um médico se postavam ao redor do leito. Um especialista do Instituto de Criogenia de Detroit - USA aguardava, munido de 14 sacos de gelo de 7,2 kg cada um. Tão logo o médico cortou a respiração artificial, o corpo de Aaron foi colocado em meio aos sacos de gelo e transportado em camionete de Harrisburg até Detroit, 800 km distante. Finalmente, deu-se o congelamento do corpo no azoto, na esperança de que os médicos daqui a cinquenta, cem, quinhentos anos, quem sabe, poderão acordá-lo e curá-lo. Aaron Winborn é o paciente número 132 do Instituto de Criogenia.

Há uma outra empresa dedicada à criogenia nos Estados Unidos, Alcor, de Phoenix. O total de pessoas em estado de criogenia se eleva a 280. Não somente americanas: também alemãs, britânicas, francesas e canadenses. Do mundo inteiro, quase 2.500 pessoas fizeram reserva em uma das duas empresas. Quem são os adeptos da criogenia? Sobretudo homens de formação superior, via de regra naturalistas, ateus ou agnósticos, sem excluir -- surpresa -- algumas pessoas com credo religioso. Todo o processo de criogenia custa 28.000 dólares.

Não tem faltado dinheiro para a pesquisa em criogenia. Milhões de dólares já investidos, inclusive de investidores a risco do Vale do Silício. O mais célebre entusiasta da criogenia se chama Peter Thiel, o miliardário cofundador da empresa PayPal e principal investidor do Facebook.

Aos senões. Eis três. Como restaurar os corpos em maioria encarquilhados de setentões e oitentões? Esperar o elixir da longa vida? É mister aceitar que isso permanecerá no domínio dos contos de fada por numerosíssimas gerações vindouras. Dois: é imperioso não massificar a criogenia; do contrário, resultaria em uma explosão demográfica de dimensões malthusianas. Em terceiro lugar, nada evidencia que a técnica funciona; por outro lado, não é possível provar que ela não funciona.

Alargando os poéticos pensamentos do imperador Marco Aurélio, o que podemos fazer a mais é lutar por vida saudável e durável, com inteligência e humanidade. Mesmo que venha a ser batalha perdida.