sexta-feira, 29 de maio de 2015

Nossa Juventude


Jovens valorosos. Eduardo Coutinho (1933 - 2014), cineasta e jornalista. Morto a facadas pelo filho usuário de drogas, o qual esfaqueou também a mãe. Eduardo Coutinho não conseguia entender a juventude, quanto mais seu filho. Em derradeiro esforço para superar a dificuldade (nós sabemos o quanto nos é difícil entrar no mundo dos jovens e de nossos filhos, e vice-versa), ele concebeu, pouco antes de sua morte, um documentário consistindo em entrevistas com jovens entre 16 e 18 anos egressos do ensino médio em escolas públicas do Rio de Janeiro. Recebeu post-mortem o sugestivo título de "Últimas Conversas". Comum aos entrevistados, os imensos obstáculos ao desenvolvimento cidadão impostos pelas carências afetivas e materiais. Famílias partidas, pais (homens) ausentes, mães se matando de trabalhar para sustentar os filhos, mães que não têm tempo para os filhos porque não lhes sobra tempo além do trabalho, padrastos incestuosos. Escolas que não motivam, dinheiro escasso, insegurança quanto às aptidões profissionais, medo de não arranjar emprego. Porém estão vivíssimos e de pé. Arrumadinhos, bonitinhos, exalam saúde. Refletem, fogem do escapismo das religiões, amam ou querem amar, e sonham em tirar a mãe da vida dura da pobreza. Maravilha: falam português corretamente (ponto para a escola apesar de deficiente, mas infiro que o principal é o hábito da leitura). O mundo que machuca os leva a filosofar e ao pendor poético. Em suma, valorosa juventude que não desiste de realizar o sonho da existência de qualidade.  

Jovens perdidos. Lagoa Rodrigo de Freitas, Praça Paris e Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Praias de Iracema e Jericoacoara, no Ceará. Praia de Itapema, Santa Catarina. Em todos estes recantos paradisíacos, e em muitos outros, as mesmas e terríveis notícias: turistas e citadinos esfaqueados por bandos assaltantes de menores ou adolescentes. Alemães, chineses, chilenos, franceses, italianos, espanhóis, argentinos: uns morrem, outros são hospitalizados, e há os que saem milagrosamente incólumes. Muitos brasileiros, claro, também são vitimados. Um caso recente e atroz: um médico é retalhado por pivetes, sem nenhuma chance de defesa. Até aqui, tratou-se de gente aquinhoada: europeus, orientais, latino-americanos e brasileiros de classe média ou ricos. O que se passa nas periferias das cidades e nas favelas é ainda mais dantesco e muito mais frequente. Para esses pobres e quase todos negros, matadores ou assassinados, a repercussão é pouca: só números. Sem esquecer que os pequenos bandidos que atacam nos lugares nobres são igualmente da periferia ou favela, pobres e quase todos negros. A mãe negra de um dos prováveis matadores do médico é catadora de latas e mora na distante comunidade Mandela, nos confins da dita Cidade Maravilhosa. Há ainda que registrar que é comum bandidões adultos usarem crianças bandidas como bois de piranha. Não adianta obliterar: a desigualdade brasileira -- social, econômica e racial -- continua sendo uma das mais obscenas do mundo. O enorme preço: a perdição de parte da juventude.

Estatísticas acabrunhantes. Preparação para a vida cidadã dos menores de 15 anos (Relatório sobre o Capital Humano, um estudo do Forum Econômico Mundial): o Brasil está em humilhante 78º lugar, entre 124 países. Olhando para a América Latina e Caribe, perde para quase 'todo o mundo'. Mais precisamente, eis a lista dos países que se encontram à frente: Chile (45º), Uruguai, Argentina, Panamá, Costa Rica, México, Peru, Colômbia, El Salvador, Bolívia, Paraguai e Barbados (77º). 2.212 pessoas mortas pela polícia brasileira, em 2013. (Para efeito comparativo, nos Estados Unidos, com 100 milhões de habitantes a mais, o número de vítimas de sua também violenta polícia foi muitíssimo menor, 461.) Entre os abatidos, uma quantidade alarmante de menores. Índice de Vulnerabilidade Juvenil (Ministério da Justiça - UNESCO), 2012: jovens negros correm 2,5 vezes, em média, mais perigo de serem assassinados do que jovens brancos. No Ceará, 4,01. A situação é ainda mais terrível na Paraíba (13,4), Pernambuco (11,57) e Alagoas (8,75). Persistem as chagas sociais e racistas advindas da escravatura -- oficialmente abolida há quase 130 anos --, acabrunhando o país.

O que fazer para que floresçam muito mais jovens valorosos, e cada vez menos juventude perdida? Não sei. Só sei que a marginalidade juvenil é um problema altamente complexo, exigindo ações variadas e integradas. É das almas pequenas -- tipo nosso Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha Lava-Jato -- a 'solução' simplória para o mal: 'bombardear' os jovens delinquentes, polícia por toda parte, maioridade penal aos 16 anos. Unicamente repressão, repressão, repressão. São hipócritas porque sabem que é impossível reprimir todos os bandos de jovens degenerados e abandonados que pululam em nossas cidades grandes e médias. Podem baixar a maioridade para 15, 14, ..., 10 anos: não vai adiantar. A polícia já mata, e muito (ver as estatísticas acabrunhantes). A alma da ex-mulher do médico esfaqueado não é pequena: afasta por um momento a dor da perda para declarar que somos todos vítimas de um sistema iníquo, em que faltam educação, saúde, habitação, enfim tudo. Só sei que minha alma também não é pequena: ela se ampara em nossos belos jovens valorosos, que certamente são maioria, apesar de, apesar de, ... .


sexta-feira, 22 de maio de 2015

Literatura Brasileira


   Quando o português chegou
   Debaixo de uma bruta chuva
   Vestiu o índio Que pena!
   Fosse uma manhã de sol
   O índio tinha despido
   O português                    Oswald de Andrade


Acabo de reler Os Rios Inumeráveis, de Álvaro Cardoso Gomes, Editora Topbooks, 2010. A alma de um degredado português da esquadra descobridora de Pedro Álvares Cabral se reencarna sucessivamente em personagens de episódios emblemáticos de nossa História: herói negro (Quilombo dos Palmares), traidor dos inconfidentes (Inconfidência Mineira), herói jagunço (Guerra de Canudos), nazi-fascista (Integralismo), alienado (Golpe Militar de 1964). Usos e costumes: obcecado sexual travestido de boto, mulher-objeto e cangaceiro. Como se vê, um amálgama de 'bons' e 'maus', como convém ao caráter ambíguo da identidade brasileira. Nós somos a confluência, o delta desses 'rios'. Um momento de epifania da ficção brasileira de hoje, nos dizeres do prefaciador José Paulo Paes.

Este belo roman fleuve merece muitos leitores. Contudo tem sido praticamente ignorado. Três explicações: (1) indisponibilidade; (2) falta de divulgação; e (3) tendência prevalente de desdenhar o que é nosso. Testei achar o livro nas três mega livrarias de Fortaleza -- Cultura, Leitura e Saraiva --: a mesma resposta "esgotado no fornecedor" (sic). Cadê matérias a respeito, nas seções especializadas das mídias? No site da Amazon Brasil (só como ebook Kindle), ausência de avaliações de leitores (sinal de escassa procura). De uma maneira geral, observa-se muito mais 'agitação' de leitores ao redor de literatura estrangeira: eis um motivo para digressionar sobre universalidade da literatura.

Para nossos propósitos, a literatura de um país é universal na medida em que ela se projeta pelo exterior. Sem demérito, a projeção se faz pela importância do país. No tempo em que a França era o país farol de nossas elites -- século XIX e primeira metade do século XX --, sua luxuosa literatura era absorvida aqui tanto quanto lá. No original. A galeria de 'nossos' autores franceses é imensa. Com receio de graves omissões, cito 'apenas': Balzac, Hugo, Baudelaire, Flaubert, Proust, Gide, Sartre, Simone de Beauvoir, Jean Genet, Camus e Foucault. Machado de Assis, o maior nome de nossas letras, emulou Emma Bovary de Flaubert na construção de sua personagem Capitu, do romance Dom Casmurro.  Em nossos dias, a França divide influência literária com outros grandes países, a começar pelos Estados Unidos: Patrick Modiano, Prêmio Nobel de Literatura de 2014, não reluz como os demais citados. Fim da digressão.

A literatura brasileira não é universal porque o Brasil é pequeno, no concerto das nações. Ensaiou ser grande nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula: ficou no caminho. Fogo-fátuo. (Ora, direis: Jorge Amado foi traduzido para mais de 35 países. Não é contraditório? Na verdade, ele é um escritor que se internacionalizou por ter sido um influente comunista, na época mais forte do comunismo: segunda guerra mundial e pós guerra. Não por acaso ele é (foi) lido sobretudo na Rússia, na Europa Oriental e na Ásia Central. Sem desmerecer sua obra, frise-se.)

Nossa literatura se tonificou com o movimento modernista e antropofágico da década de 1920, comandado pelos intelectuais Mário de Andrade, Oswald de Andrade (lindos versos seus estão no alto da página) e Paulo Prado. O lema central é "Tupi or not tupi, eis a questão". Comer, digerir e defecar a cultura europeia. Devorar simbolicamente o 'inimigo' [a cultura europeia] para que suas virtudes passem para nós. Gilles Lapouge -- que conhece o Brasil bem mais e melhor do que eu (ver postagem a respeito dele, de 23/04/2015) -- conta que Monteiro Lobato, o principal nome da literatura infantil brasileira, exclamava, furibundo: "Enjoei do francês!"; "Minha biblioteca é de uma pobreza inacreditável em livros de língua portuguesa. Quase tudo em francês. Uma vergonha".
 
O grupo modernista produziu ao menos um livro maior e um ensaio suntuoso e corrosivo. O livro: Macunaíma (um herói sem nenhum caráter), de Mário de Andrade. O ensaio: Retrato do Brasil (que começa com "Numa terra radiosa vive um povo triste"), de Paulo Prado. O fogo espalhado pelo movimento aqueceu os talentos de brasilidade de Graciliano Ramos -- Vidas Secas, sobre a seca do Nordeste --, de Érico Veríssimo -- a saga O Tempo e o Vento da colonização do Sul do Brasil --, e de Guimarães Rosa --  canta os vaqueiros e cangaceiros dos sertões de Minas Gerais em Grande Sertão: Veredas. Literatura infantil: O Pica-pau Amarelo e Urupês, entre outras consagradas obras infantis de Monteiro Lobato. Na esfera sociológica, notabilizam-se Gilberto Freyre -- Casa Grande & Senzala --, e Sérgio Buarque de Holanda -- Raízes do Brasil.

Não é permitido esquecer que a literatura brasileira já brilhava antes dos modernistas. Estão aí para confirmar o extraordinário Machado de Assis -- Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, entre outras obras primas --,  e o portentoso Euclides da Cunha que, em Os Sertões, marca-nos a ferro com a tragédia da guerra civil de Canudos.

A respeito da contemporaneidade, Os Rios Inumeráveis foi resenhado no primeiro parágrafo. Cito ainda, sem muita convicção, Pornopopeia, de Reinaldo Moraes. Com certeza, deve ter muito mais, porém meu conservadorismo cultural (preguiça?, falta de tempo?), admitido em postagem de 29/01/2015, me impossibilita de avançar no tema.

Quando o Brasil se tornar grande, sua grande literatura será muito mais apreciada pelos brasileiros, e se projetará pelo Mundo.

 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Governança Empresarial em Crise



Dois super executivos, brasileiros. José Sérgio Gabrielli: sucessivamente diretor financeiro e de relações com investidores, membro do Conselho de Administração e presidente da Petrobras. Maria das Graças Foster: diretora de gás e energia e presidente da Petrobras. O balanço destas duas gestões presidenciais é simplesmente catastrófico para a exaurida Petrobras: planejamento estratégico equivocado, perdas colossais de ativos e corrupção gigantesca. Depondo em comissão parlamentar de inquérito, eles declararam, sem a menor vergonha: (1) não conhecem a fundo os contratos assinados pela Petrobras em seus tempos de presidente (a cargo dos diretores, disseram); (2) não era de suas atribuições o planejamento estratégico da empresa (competência do Conselho de Administração, apontaram); e (3) souberam da corrupção pela imprensa (seria cômico se não fosse seríssimo). Desnecessários e incompetentes, então. Para acirrar nossa indignação, recebiam salários altíssimos, gratificações mil, e outras coisonas mais. Para a vilipendiada Petrobras, um custo / benefício 'infinito'. Corrupção branca (ou corrupção negra? Sérgio Gabrielli está com seus bens bloqueados).

O parágrafo anterior é um exemplo, extremado e tupiniquim, do irrazoável dos super salários. O objetivo do artigo é mais amplo: examinar, ainda que de relance, o custo / benefício dos super executivos planetários.

Em sua obra fundamental, O Capital no Século XXI, Thomas Piketty identifica o aumento das desigualdades salariais que ocorre no décimo superior dos salários (ou os 10% mais elevados), na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. Nesta faixa topo, composta de pessoas com altos níveis de educação e qualificação, dá-se que os aumentos de salário têm sido muito superiores aos das demais faixas salariais, o que não constitui bem uma novidade. O destaque é a crescente desigualdade dentro da faixa topo: 1% -- o centésimo superior da população assalariada -- se descartam em evolução de rendimentos das demais pessoas da faixa, ou 9% da população assalariada. A distância 1% - 9% é mais gritante no mundo anglo-saxão (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália) do que na Europa Continental e no Japão. As razões são sobretudo culturais: Europa e Japão são tradicionalmente mais igualitários, muito embora o valor do igualitarismo venha sofrendo contínua erosão. Alto e bom som: um fenômeno específico de desigualdade se desenrola entre pessoas com os mesmos diplomas universitários e que muitas vezes seguiram as mesmas carreiras elitistas. Isso contraria o chamado princípio da produtividade marginal individual, que depende exclusivamente da educação e da qualificação.

Como explicar esses novos descompassos salariais? Os super assalariados exercem funções executivas em grandes empresas multinacionais. Como são fixados os super salários?! Em geral, pelos escalões superiores, isto é, detentores eles próprios de super salários. Em menos casos, a política salarial é mais 'democrática': comitês de remuneração, compostos de executivos seniores de outras grandes empresas. Sobre as assembleias de acionistas, elas desempenham um papel complementar, atingindo um pequeno número de postos de direção, e não o total de executivos. É inevitável que as decisões advindas de tais 'clubinhos' de faustosos executivos sejam em grande parte arbitrárias, dada a impossibilidade de estimar precisamente a contribuição de cada um para as empresas. Solidariedade de (super) classe!

Reproduzo a perfeita argumentação de Thomas Piketty, pela tradução brasileira, a respeito do centésimo superior: ""Pode ser um exagero dizer que os executivos "metem a mão", mas a imagem é mais bem adaptada à realidade do que a de uma "mão invisível", metáfora para o mercado segundo Adam Smith"".  Enfim, é balela o discurso da concorrência 'pura e perfeita', tão cara aos economistas fanáticos do mercado. Ou como diria nosso agudo matuto: quem pode, pode; quem não pode, sacode-se.

As conclusões se impõem naturalmente. A impressionante pesquisa de Thomas Piketty demonstra sobejamente a falência da governança empresarial: as formas de estabelecer as remunerações mais estratosféricas nada têm a ver com uma lógica racional de produtividade. Parece também óbvio que se as pessoas mais bem pagas determinam seus próprios salários então isso só pode conduzir a desigualdades cada vez maiores. Por outro lado, mudar o processo não será tarefa fácil: por financiar partidos políticos e órgãos de imprensa, além de influenciar governos, a super-classe chegou até ao ponto de se livrar de boa carga de impostos. Last but not least, são abundantes as notícias sobre corrupção mundial envolvendo super executivos.


sexta-feira, 8 de maio de 2015

A Alemanha Vista de Dentro



Nós somos impingidos a pensar Alemanha como o país paradigmático no que concerne a finanças públicas, infraestrutura, educação, qualificação e remuneração da mão de obra. O mantra é o rigor orçamentário alemão. Em suas análises da Crise do Euro, nossos jornalistas econômicos não primam pela objetividade dos fatos -- ou se recusam, ou não podem ser independentes --: jocosamente, estabelecem que quase todos os demais países europeus são  'maus alunos', por não 'aprender' com o êxito alemão. Ocorre que o modelo econômico da Alemanha também faz água, e a causa maior é justamente a ortodoxia monetária do governo conservador de Angela Merkel*.

Infraestrutura rodoviária. O sistema rodoviário alemão, até os anos 80 o terceiro melhor do mundo, agora amarga o sétimo lugar. Depois de 20 anos sem manutenção, urge sua renovação e ampliação, o que implica em pesados investimentos. Para tocar os projetos, o Governo privilegia as parcerias público - privadas (PPP): empresas privadas investem e recebem em contrapartida o pagamento do Estado e dos usuários. Entretanto, o modelo PPP é exemplarmente questionado pelo Tribunal de Contas da Alemanha. Das sete grandes obras já concluídas e auditadas, cinco custaram um terço a mais do que teriam custado se elas tivessem sido financiadas inteiramente pelo Estado. Ou seja, na ânsia de não gastar, o Governo planejou feio: danou-se o contribuinte. E mais: por não interessarem às construtoras, as rodovias secundárias permanecem em estado de abandono.

Transição energética. Outro mega projeto é o da transição energética (petróleo, carvão) ® (energias eólica e solar). A transição já é considerada um sinônimo de mau planejamento e de perda de dinheiro. Constroem-se usinas eólicas e solares sem que a rede de distribuição de energia elétrica as alcance. Em consequência, diversas centrais convencionais, não rentáveis e poluentes, continuam em operação. Como de hábito, quem sofre é o bolso (e a saúde) do consumidor: as taxas versadas para o desenvolvimento de energias renováveis chegaram a 23 bilhões de euros em 2014. 

Educação. O Estado não consagra à educação, em todos os níveis, senão 5,3% do PIB, enquanto que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos é de 6,3%. A qualidade da educação também deixa muito a desejar, sobretudo nos primeiros níveis. Segundo o Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, quanto mais cedo investir na juventude, tanto melhor. Ora, segundo a professora Yvonne Anders, da Universidade Livre de Berlim, a educação das crianças alemãs recebe nota baixa ou média. Por incrível que pareça, muitas vezes cabe às associações de pais de alunos custear as reformas civis dos jardins de infância.

Qualificação. A indústria alemã se ressente da falta de mão de obra especializada. Como o Estado tem se omitido, por força da rigidez orçamentária, as associações industriais tomam à frente formas de resolver ou minorar o problema. Elas criaram as Fábricas do Saber (Wissenfabrik), visando a infundir o conhecimento científico-tecnológico desde o jardim de infância.

Indicadores econômicos. Entre 1999 e 2012, o deficit de investimentos na Alemanha representou 3% de seu PIB -- uma proporção superior à do restante da Europa. No começo dos anos 90, o Estado e as empresas investiam 25% do PIB em estradas, cabos telefônicos, salas de aula e fábricas; em 2013, somente 19,7%. Desde o ano 2000, o crescimento alemão tem sido inferior à média da zona do euro, a produtividade das empresas pouco aumentou, enquanto que 70% dos assalariados viram seus ganhos baixarem.


Que fique bem claro: não se trata de tentar reduzir a potência alemã. O que seria uma missão impossível: o prestígio da indústria e da cultura germânicas é inabalável. Entretanto, não deixa de ser um país deste Mundo sem paradigmas. No fundo, o artigo se volta contra nossa imprensa econômica, que falha em sua missão essencial de bem informar os leitores.



*- Pourquoi le modèle allemand est fragile (Por que o modelo alemão é frágil.). Artigo do semanário alemão Der Spiegel, traduzido para o francês pelo hebdomadário Courrier international, de 09-15/10/2014.