Em Pot-pourri Literário, neste blog, ressalto o papel essencial da literatura como fonte de conhecimento e compreensão para uma vida de qualidade. Daí tudo deriva, incluídos os prazeres sensuais. Entretanto, é forçoso reconhecer que existem entraves ao bom exercício da leitura de textos literários (primeiro tópico desta discussão sobre o viver). Impõe-se então investigar uma outra possibilidade de conhecimento e compreensão (segundo tópico).
Os autores latinos clássicos -- Virgílio, Sêneca, Lucrécio, Ovídio e demais -- continuam sacrossantos e seminais. Desde sempre, a literatura ocidental sorve deles. (Lembremo-nos: um clássico nunca termina de dizer o que tem a dizer.) A muito rigor, nada mais tem surgido em termos de temas verdadeiramente novos. Precisamente, as grandes questões filosóficas -- o sentido da vida, a morte, o amor, o ódio, a dor, a amizade -- são poucas e imutáveis. Por que então não se restringir aos clássicos latinos? Porque eles são de difícil leitura. Exigem uma aprimorada erudição: assimilação prévia de outros autores, e farta mitologia. Em segundo lugar, o estilo é irremediavelmente anacrônico a nosso gosto moderno, o que dificulta.
É por isso que a produção literária não se esgotará: há a permanente necessidade de reescrever. Do lado do leitor, porém, restam dois obstáculos. O primeiro ainda concerne à (dificuldade de) leitura. Para bem apreender uma obra literária, é preciso uma boa formação cultural, não necessariamente literária: como entender Os Sertões, de Euclides da Cunha, sem um bom domínio da língua portuguesa? O segundo entrave é o tempo, ou a falta dele: isso é examinado no penúltimo parágrafo.
Considere-se agora uma outra fonte de conhecimento e compreensão: a observação. Valho-me do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 - 1860)*. Como René Descartes, Schopenhauer é outro pilar do método científico, desde que ele aposta no conhecimento adquirido de fora pela experiência e pelas conversas. Outra maneira de dizer: saia de casa e observe! Para a saúde do entendimento, a observação pode valer mais do que muita leitura. E ele, Schopenhauer, arremata: deve-se evitar perder a visão do real, porque o estímulo e a disposição para o pensamento próprio se encontram mais na observação do que na leitura.
Tanto no que diz respeito à leitura quanto à observação, a moderna falta de tempo é um estorvo abissal. Muitas centenas de milhões de seres humanos trabalham oito horas por dia, precisam dormir igualmente oito horas, sobram oito horas para a família e para os inúmeros e inadiáveis compromissos: resta pouco, muito pouco, para a leitura e a observação. Pior ainda: o trabalho é frequentemente sem graça. Essa vida massacrante é cruel e lindamente sintetizada por Albert Camus, em O Mito de Sísifo: levantar-se, ônibus, quatro horas de escritório ou de fábrica, almoço, quatro horas de trabalho, ônibus, jantar e dormir, esta rotina se seguindo inexoravelmente (em tradução mais ou menos livre do original, Le Mythe de Sisyphe, http://classiques.uqac.ca/classiques/camus_albert/mythe_de_sisyphe/mythe_de_sisyphe.pdf, pag. 20, visto em 25/11/2014, às 11:34). Reverencio também Charles Chaplin, por seu ao mesmo tempo cômico e chocante filme Tempos Modernos.
A conclusão é velhíssima, porém muito inquietante: viver bem seria para uns poucos. Você concorda?!
*- A arte de escrever, L&PM Pocket, 2010.