sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Inovação e Empreendedorismo: O Contraste China - Brasil



A China vive o florescimento ilimitado de sua alta tecnologia, em especial o setor das tecnologias de informação. É a feliz conjugação de dois fatores imprescindíveis: multidões de jovens engenheiros de computação egressos de excelentes universidades e institutos tecnológicos, e dinheiro farto para motivar jovens criativos a empreender. Fim à era de clonar serviços digitais: Baidu era uma réplica de Google, Tencent uma cópia de Yahoo, JD uma versão chinesa de Amazon. Agora, a China está igualmente na ponta da inovação.

Exemplo de diálogo corriqueiro entre um diretor executivo (sigla em inglês CEO - "Chief Executive Officer") e um tenro concebedor e implementador de aplicativos de software (Desenvolvedor). CEO: "Você tem certeza que esta sua ideia vai dar certo? Parece-me uma maluquice!"; Desenvolvedor: "Estou absolutamente convencido que vai ser um sucesso". Face à determinação e auto-confiança de seu brilhante desenvolvedor, o CEO termina por lhe dar o sinal verde para ir em frente. Quase sempre dá muito certo. Outra remarcável mudança cultural: antes. os desenvolvedores eram atraídos sobretudo por bons empregos em grandes e sólidas empresas; hoje, cheios de planos e audácia, eles preferem montar seus próprios negócios.

Cena comum na paisagem chinesa de tecnologia de ponta, investidores de capital de risco percorrem o país para financiar jovens interessados em criar suas empresas. Eles funcionam ao modo de catalisadores de startups e de hackerspaces (incubadoras). Não colocam mais seu dinheiro em Apple, Microsoft ou Google. A prioridade são as startups chinesas: injetaram nelas 15,5 bilhões de dólares em 2014. A curva dos investimentos privados é altamente ascendente no tempo, permitindo antever que em 2016 terá sido bem mais. Em relação ao governo, ele lançou um fundo de 6,5 bilhões de dólares destinado exclusivamente a amparar startups e incubadoras. A busca de novas fontes de empregos qualificados é uma das reações governamentais ao arrefecimento como um todo do crescimento econômico.

Quanto à qualidade do software chinês, não pode haver dúvida: os desenvolvedores chineses são tidos como os melhores e mais produtivos do mundo; segundo, a concorrência é feroz: cada vez que aparece uma nova categoria de serviços, logo, logo despontam dezenas e mesmo centenas de concorrentes com praticamente o mesmo poder de fogo. Aplicativos 100% chineses passam a disputar mercado tête-à-tête com seus congêneres de Google, Yahoo e Amazon, entre outros gigantes mundiais da tecnologia informática. As lojas da exigente Apple vendem software chinês.

O avanço da China em relação aos Estados Unidos é mais nítido ainda no domínio do hardware. Cidades portentosas como Shenzhen e Cantão estão 'inundadas' de fábricas de eletrônicos, desde o minúsculo atelier de três pessoas até complexos tipo Foxconn, verdadeira cidade em si onde trinta mil empregados produzem smartphones em cadeia.

Em suma, a China é a nova Meca das pessoas cheias de ideias e de dinheiro, não só chinesas mas de todo o mundo. Um pouco como o Vale do Silício de há uma geração.

Mude-se o cenário para o Brasil. O que fazem nossos doutores e mestres em computação? Levantamento de 2011 do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações revela que 80% ficavam nas universidades e 16% na administração pública. Ínfimos 4% em empresas, contando-se entre esses alguns poucos empresários.  (De lá para hoje, é bem possível uma ainda maior concentração de funcionários, face à crise que devasta a indústria.) Nem patentes, nem protótipos e muito menos produtos. De sua parte, os desenvolvedores graduados em geral se contentam com empreguinhos de sobrevivência que praticamente nada lhes acrescentam em conhecimento e experiência. A qualidade periclita: a USP, nossa universidade mais vistosa, perdeu quase 100 posições em ranking de universidades desde 2012. Todos os outros fatores que possam ser levados em conta não impedem a constatação de que o custo / benefício da formação de nossos especialistas é insuportavelmente alto. Como se o Brasil não precisasse imensamente deles para desamarrar os entraves a seu desenvolvimento científico e tecnológico. Onde estão nossos investidores de capital de risco?  (Ver também Pós-graduação e Inovação: O Descompasso Brasileiro, publicado neste blog em 19/02/2015.)

China e Brasil se perfilam nos BRICS. Enquanto que o primeiro se desenvolve célere e já é, para tantos efeitos, uma potência de primeira grandeza, o Brasil derrapa feio. A China indica caminhos. O Brasil bem que poderia se mirar na política chinesa de C&T. Indo além, inspirar-se em muito mais coisa da China, mormente no que diz respeito a questões de política econômica. (Naturalmente, as inclinações confucionistas chinesas ao totalitarismo devem ser evitadas; aliás, sobre o tema democracia, a nossa está longe de entusiasmar, não é mesmo?)

Alto e bom som: sem consistentes políticas científica, tecnológica e industrial, o Brasil não sairá do buraco. A persistir o ambiente de falta de soluções e ousadia, o rigor fiscal terá sido um sacrifício inútil.

2 comentários:

  1. Oi Marcus.
    Você fala que "sem consistentes políticas científica, tecnológica e industrial, o Brasil não sairá do buraco". Minha opinião é um pouco diferente. Os EUA são uma fonte impressionante de inovação. Acabei de fazer uma série de entrevistas na Amazon em Seattle e senti a inovação no ar, nas perguntas, nas atitudes dos entrevistadores, nas expectativas que eles têm com respeito aos entrevistados. Mas os EUA não têm tais políticas (ou as têm de forma muito leve): eles deixam que as empresas invistam onde queiram, assumam riscos e colham os benefícios ou reveses. A chave está em deixar o processo leve, o que não ocorre no Brasil. Na minha opinião, o Brasil não precisa que o estado tenha as tais políticas: precisa que o estado saia do caminho. Abração!

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