sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Pós-modernismos

          A vida sem tempo é individualista.      
                                                                                         Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.)



Vive-se uma época extraordinariamente complexa e desnorteadora, a pós-modernidade. Está na moda uma "cultura de entretenimento", em franca reação à cultura moderna de transformação, prevalente até o penúltimo quarto do século passado. Tempos apressados e egoístas, sem asas para a reflexão e o social (ver também a epígrafe). Na sequência, especula-se brevemente sobre os efeitos pós-modernos nos campos da educação, literatura, turismo, tecnologia e cinema; um parágrafo para cada tema, nesta ordem.

A educação, antes autoritária, torna-se altamente permissiva na era pós-moderna. Se o autoritarismo sem excessos é até mesmo salutar à socialização dos indivíduos, a permissividade desbragada pode gerar distúrbios de comportamento praticamente incorrigíveis. É o que se nota com o aumento desmedido da violência juvenil, das drogas, etc. Para complicar, a vida das pessoas -- pais, professores -- parece uma disputa de velocidade. Azar dos filhos, que estão sendo empurrados com uma pressa neurótica. Cadê espaço para o conteúdo das coisas, a ponderação, a solidariedade e o cuidado com a natureza? E há a sedução do dinheiro, o dinheiro reina sobre tudo, tudo cheira a dinheiro. Desde a pouca idade, o único objetivo de muitos é querer ser rico, custe o que custar. Pobres jovens de nossos dias.

Enquanto que a grande literatura visa a transformar o homem pela palavra, a cultura pós-moderna busca entreter o homem pela palavra. Nas listas de best-sellers, é pouco provável encontrar novos literatas do porte de Jonathan Littell, Leonardo Padura, Sérgio Rodrigues e Rodrigo Lacerda, entre outros. Autores e escritos clássicos, ou à altura dos clássicos, perdem espaço para a literatura de entretenimento, pronta a consumir e desaparecer. Um exemplo bem ilustrativo de literatura light é o de nosso campeão de vendagens, Paulo Coelho. Cerrada propaganda ajuda a vender ainda mais seus livros como "O Alquimista" e "O Diário de um Mago". A publicidade é a alma do negócio ... também para o negócio de livros. Em Paris, vi numerosos cartazes no metrô e nos ônibus anunciando o lançamento da última 'grande obra' de Paulo Coelho. Pois é, até a rigorosa França chafurda nas águas estéreis do pós-modernismo.

O vazio pós-moderno tem levado a um pseudo turismo. Visita-se o museu do Louvre, em Paris, não pelo valor intrínseco das obras de arte lá exibidas, mas porque é um museu chique. Não é incomum ouvir-se, à saída, exclamações tais "Não achei graça na Mona Lisa!". O cúmulo da dispersão cultural é esta frase tão anódina e repetida: "Não visitar museus na cidade luz [Paris] é como ir a Roma e não ver o Papa". Um brasileiro, a quem pedi um balanço de seus quatro anos de doutoramento na França, respondeu-me com este exagero de alienação: "Rodei mais de trinta mil quilômetros pela Europa toda". Um outro doutorando, zeloso fotógrafo pré smartphone, foi ainda mais risível: "Se alguém duvidar que não passei por um certo lugar, sapeco-lhe a foto do lugar". Com tal 'cultura' do faz-de-conta, tenho que duvidar da capacidade desses doutores.

De chofre, que não se ignore os imensos benefícios das inovações tecnológicas, com destaque para a tecnologia da informação: economia de tempo e esforço na realização de múltiplas atividades, conforto em casa e no ambiente de trabalho, abundância de informação útil. Infelizmente, nossa época pós-moderna é pródiga também em abarrotar a web de lixo, em quantidade que parece até mesmo maior do que a da informação de qualidade. Acresçam-se as ameaças à privacidade, a manipulação totalitária de amplos segmentos da sociedade e a padronização para baixo de usos e costumes.

Lamentável o pouco caso pós-moderno para com filmes reflexivos como os de Luís Buñuel, Luchino Visconti, Jean Renoir e Irmãos Cohen, entre outros grandes criadores. (Nosso Glauber Rocha? Não me afino com ele: abusa das metáforas.) Uma ressalva em favor do cineasta pós-modernista Woody Allen, que oscila entre o diversionismo e o apaixonante: se é verdade que seu último filme, "Café Society", é bobão, em compensação o penúltimo, "Meia-noite em Paris", é um sublime exercício de paixão pela dourada boêmia parisiense dos tempos da belle époque. (Invoco em meu apoio o poeta Paul Valéry: "Nem sempre sou de minha opinião [contra o pós-modernismo]".)

Quanto a mim, propriamente. Perturba-me a massa de jovens açodados e anti-sociais. Afasto a baixa literatura, que nada me adiciona; ao contrário, a alta literatura me enriquece sempre, meus (poucos) clássicos bastando. ("Clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: 'Estou relendo', e nunca 'Estou lendo' " - Italo Calvino, ensaísta e romancista.) Aproveitarei meu réveillon em Buenos Aires para 'conversar' com Jorge Luis Borges na Biblioteca Nacional e na livraria que ele mais gostava. A tecnologia da informação me é indispensável, conquanto convenientemente distanciado do borborinho das redes sociais. Raramente frequento as salas de cinema, por falta de opções; felizmente, as locadoras insistem em sobreviver, com suas seções de filmes pomposamente classificados de cult.

Para os incomodados, como eu, com a evasão do pós-modernismo, recomendo a leitura dos estudos ensaísticos A Civilização do Espetáculo, de Mario Vargas Llosa (Nobel de Literatura).

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