sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Antipolítica e Crise Econômica



Na maior cidade e capital econômica do Brasil, São Paulo, o político João Dória foi eleito prefeito em primeiro turno com o discurso antipolítico "Não sou político, sou gestor". Na socialmente exemplar Curitiba, capital do Paraná, o político Rafael Greca, provável novo prefeito, adota o slogan de campanha "Por amor a Curitiba". E por aí vai, no Brasil todo. A política virou um espantalho de votos.

O principal indutor da antipolítica é a vertiginosa queda da qualidade de vida de amplas camadas da população, na esteira da profunda recessão econômica manifestada a partir de 2012. Nos anos áureos de Lula, as classes A e B na cidade de São Paulo aumentaram de 38% para 45%. Proporcionalmente, o crescimento foi maior nas periferias. O novo cidadão consumidor passou a exigir serviços públicos eficazes para compensar os altos impostos. Em 2012, o então candidato do PT, Fernando Haddad, prometia levar os benefícios "de dentro de casa" para "fora de casa". As promessas se revelaram vazias. Péssimo pano de fundo, os escândalos de corrupção do PT nacional: mensalão, superfaturamento das obras da Copa 2014 e petrolão. O histórico antipetismo que estava hibernado, despertou.

Em 2016, João Dória ganhou em todas as seções eleitorais de São Paulo, menos duas. Impressionante. O dono e seus empregados de uma oficina de bicicletas, a 24 km do centro da cidade, votaram em Dória; todos foram Haddad em 2012. E assim em milhares de pontos comerciais e residenciais da imensa Zona Leste dos bairros populares de São Paulo. A imagem de Dória face ao novo cidadão consumidor: bom gestor e longe dos políticos tradicionais; tal e qual os eleitores dos abastados Jardins!

Como pensa o novo cidadão consumidor? Seguem-se algumas respostas. "Privatizações? Tem que privatizar. Olha o Pacaembu: só dá gasto. Nem o Corínthians joga mais lá. Investir o dinheiro das privatizações em serviços públicos". "É imoralidade uma fila de espera nos postos de saúde com 760.000 pedidos. Tem que acabar com isso". "O trânsito é um horror. Só multas, praticamente nenhuma melhoria. Para onde está indo o dinheiro?". O epitáfio político de Fernando Haddad: "Só cuidou dos ricos!" (!?). (Ressalte-se que o naufrágio eleitoral do PT não é um fenômeno especificamente paulistano: longe disso, ele se dá no país inteiro.)

A antipolítica se sustenta nas águas fartas do antipetismo. Porém, o manancial poderá em breve secar se o governo Temer não for capaz de rapidamente aliviar a profunda crise econômica. Uma controversa emenda constitucional de estancamento por vinte anos do deficit público está na ordem do dia. É a primeira posição para evitar a ameaça de inadimplência futura do Estado. A outra frente concomitante é a diminuição dos gastos públicos. Sobram carradas de dúvidas a dirimir.

O orçamento de 2017 prevê a despesa primária* de R$ 1, 316 trilhão, para a receita primária** de R$ 1, 177 trilhão. Este deficit primário de R$ 139 bilhões é R$ 1, 100 bilhão menor do que o de 2016, portanto abaixo do teto permitido pela regra do crescimento pela inflação de 2016. Mesmo assim, como a receita crescerá lentamente, se vier logo a crescer, a dívida pública imposta pelo deficit perdurará ascendendo por bom tempo ainda, com a indesejável companhia dos escorchantes juros devidos aos credores.

O esquadriamento das duas premissas cruciais ao bom funcionamento do congelamento do deficit -- o "bota aqui - tira de lá" para não aumentar o total dos gastos, e o aumento da receita -- foi deixado para depois (sic). O caos da saúde pública exige recursos muito superiores ao piso obrigatório. Idem, o péssimo nível da educação pública fundamental e média. Para compensar, tirar dinheiro da infraestrutura? da segurança? dos programas sociais? contingenciar repasses a estados e municípios? Do lado da receita, o crescimento econômico é incerto e de retorno lento em arrecadação. O combate à sonegação de impostos fraqueja. Cadê a contribuição dos ricos?! Esclarecer, esclarecer é preciso e não está sendo feito.

Para amainar a dívida pública (e os juros), é necessário ir mais além, isto é, reduzir os gastos. O governo está de olho em três coisas: (1) tornar a previdência social superavitária, algum dia; (2) arrocho imediato (seletivo?) dos vencimentos do funcionalismo público; e (3) correção abaixo da inflação de seus encargos e obrigações. Ora, medidas de tamanha impopularidade impõem um governo altamente crível. Pois credibilidade é o que faz cruelmente falta ao governo Temer, operações anticorrupção do Ministério Público que o digam.

Então, para onde olho, vejo escuro. Ruim, mas é assim que penso.


*- Sem considerar os juros da divida pública.
**- Sem contemplar as transferências a estados e municípios.

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