sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Os chineses vão às compras



Não se diga que a China é um país comunista: trata-se de capitalismo de Estado, caracterizado por forte presença na economia de empresas estatais e paraestatais. Tampouco ela é uma ditadura à africana ou à sul-americana de algumas décadas atrás: impera um sistema de partido único -- que sói autoproclamar-se comunista -- solidamente representado em todas as instâncias políticas e administrativas. A China é, sim, a mais robusta economia planetária, em plena fase imperialista: eis o tema do artigo.

Com o arrefecimento de seu crescimento interno, e com mais de três trilhões de dólares de reservas, dá-se a lógica a China sair ao estrangeiro para fazer escoar essa maré de dólares, como afirma Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China. Nesse contexto, muito interessa conceder a palavra a alguns dos países que estão sendo 'comprados' pela China, a começar pelas potências Estados Unidos e Alemanha.

Estados Unidos. "Fabricado nos Estados Unidos" começa a cair de moda; agora é "Fabricado pela China ... nos Estados Unidos". Hoje em dia, mais de 90 mil trabalhadores norte-americanos o são de empresas chinesas. A vasta Bolsa de Cereais de Chicago pertence ao grupo Chongqing Casin Enterprise Group (é bem verdade que a vultosa aquisição ainda depende de aprovação do governo norte-americano). O setor imobiliário é cada vez mais controlado por fundos de investimento chineses. Infiltração chinesa para minar o rival norte-americano? Não existe tal temor por parte do governo norte-americano: segundo seus porta-vozes, o que os chineses querem mesmo é investir em sua economia aberta e estável.

Alemanha. Kuka (robótica), uma das finas flores da indústria alemã, vem de ser comprada por 4,6 bilhões de euros pela holding chinesa Midea (eletrodomésticos). "Ao menor passo em falso, Kuka será pivô de um grande escândalo político", estampou um dos veículos mais influentes da imprensa escrita germânica, incomodado -- assim como amplos setores do país -- com a aquisição. Os burocratas da União Européia em Bruxelas vão na mesma linha. Também pudera: Kuka é uma empresa inovadora por excelência, com um efetivo de 12.600 profissionais especializados. Saliente-se que os chineses não miram somente as grandes empresas alemãs: eles estão igualmente de olho nas "campeãs discretas" (pequenas e médias empresas).

Reino Unido. Projeto e construção de uma central nuclear, sua operação e venda da energia. Vivas controvérsias no Reino Unido, em razão da forte presença chinesa no estratégico setor energético.

Grécia. O país, falido e exangue, saúda entusiasticamente a chegada a todo vapor dos chineses. O emblemático e abarrotado de História porto do Pireu agora pertence ao gigante chinês Cosco; integralmente, incluindo todo o negócio turístico. Ademais, nada sobra: telecomunicações, aeroportos, ferrovias, e Alibaba, o colosso do comércio eletrônico. Atenas se vê introduzir uma Chinatown, onde a influente comunidade local edita seu próprio jornal em língua chinesa.

África. A China posa outrossim de assistencialista no continente africano, subdesenvolvimento e miséria obrigam. A ajuda se compõe de donativos, empréstimos sem juros, e de numerosos programas de formação de mão de obra. Altruísmo à parte, os negócios abundam. Fabricação de telefones na Argélia. Um parque industrial e residencial na região de Tanger, Marrocos. A China é o principal parceiro de negócios da África do Sul, o país mais importante da África. Por fim, não faltam as velhas práticas do colonialismo ocidental: exploração a baixo custo de recursos naturais do continente para revendê-los no mercado internacional, com grande margem de lucro.

México. Petroquímica e metalurgia são os focos das aquisições chinesas no México. As críticas de cabeças pensantes mexicanas à 'invasão' chinesa são alarmantes: os investidores chineses priorizam engenheiros chineses, operários chineses e insumos chineses; o que conduz ao desemprego e à desindustrialização nativa.

Brasil. O setor energético brasileiro, na esteira de sua profunda recessão econômica, atiça o apetite dos conglomerados chineses, que multiplicam suas compras. Os números da pré-falência de nossas empresas energéticas impressionam: perda recente de 67 bilhões de reais por parte das geradoras, transmissoras e distribuidoras de eletricidade; como se não bastasse, os grandes investidores nacionais do setor -- Petrobras, Eletrobras, Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão -- estão ferrados pela operação anti-corrupção Lava Jato. Porteira aberta aos chineses, sem rivais no mundo em envergadura financeira.

O centro do poder mundial se inclina inexoravelmente para o Oriente, com a China, a Índia e o Japão. Ancorando-se nos ensinamentos da História, não há nada de surpreendente nisso. Quem sabe, daqui a mais ou menos uma centena de anos seria a vez do Brasil e da América do Sul? Supondo que o planetinha terá sobrevivido.

2 comentários:

  1. Para completar seu panorama, veja a longa lista dos Châteaux produtores de vinho de Bordeaux já comprados pelos chineses http://www.dico-du-vin.com/liste-2014-acquisitions-chinoises-les-chateaux-bordelais/

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    1. Obrigado pela colaboração, Stéphane.
      Os chineses aprendem a unir o lucrativo ao requintado!

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