sábado, 30 de abril de 2016

Por dentro do movimento Nuit Debout*

* Acordados a noite toda, em tradução livre


Alguém duvida que a presidente Dilma Rousseff sofrerá impeachment? Nem a própria. Os desafios políticos do pós impeachment passam a ser a grande questão. Uma reforma política para valer ainda não garantiria a qualidade do voto: permanecemos chocados com a miséria política e vernacular da grande maioria de nossos deputados, escancarada quando da votação da admissibilidade do impeachment. Pessoas qualificadas e de bem têm se afastado da atividade partidária, tal o desprestígio da mesma. Mas não tem outro jeito: é preciso envolvimento a fim de reverter o quadro. Abjurar os partidos de fancaria, propor novos partidos e mergulhar neles com o fim de melhorar o perfil dos deputados. Enfim, o debate da reforma política e o engajamento partidário devem ser abraçados pela população esclarecida.

A propósito, o movimento francês Nuit Debout talvez possa nos aportar valiosos ensinamentos. Ele é genuinamente popular e se situa bem ao largo dos velhos partidos e dos especialistas tecnicistas: a política é o guia inarredável. Milhares de parisienses se reúnem todas as noites na Praça da República em Paris, até o amanhecer do sol, para discutir política e elaborar propostas políticas. Ensaiemos olhar o Nuit Debout por dentro.

Desde já, registre-se que o Nuit Debout não se restringe mais a seu berço. Este conceito de manifestação se internacionaliza. Berlim, Bruxelas, Amsterdam, Barcelona, Madri, Roma e Montreal promovem movimentos congêneres. Em todos os lugares, as nuit debout mantêm as características principais da matriz francesa: constituem-se de pessoas de um largo espectro social, que não têm ligações com partidos políticos ou sindicatos mas que vivem política.

Comunicação é fundamental. Numa pequena rua perto da Praça da República em Paris foi montado o centro de mídia, funcionando ininterruptamente, dia e noite. Uma dezena de pessoas debatem as próximas estratégias de comunicação a adotar. Uma cadeia de TV latino-americana transmite ao vivo as reuniões; um jornalista australiano procura por contatos; o líder do movimento espanhol Podemos publica matérias sobre o Nuit Debout para seus militantes. Nuit Debout mantém páginas Facebook em inglês, espanhol e italiano. Um grupo de militantes de diversos países traduz em tempo recorde artigos, comunicados e manifestos em uma dezena de línguas.

Os militantes nuit debout são predominantemente jovens. Não se pense, todavia, que eles tratam de reivindicações específicas (por exemplo, o chamado mal-estar da juventude, tão comentado nas discussões dos franceses). Não é assim: eles são altamente politizados. Na agenda do nuit debout francês: a oposição à reforma do mercado de trabalho proposta pelo desgastado governo do socialista François Hollande; o problema da emigração norte-africana e levantina; ideias para uma nova esquerda; formas de democracia direta. Enfim, Nuit Debout é o desaguadouro da profunda desconfiança de grande parte dos franceses face às instituições e às elites política, econômica e acadêmica. Até há pouco, o movimento não era uma ameaça à ordem pública, como insinuava a oposição de direita. Mas atenção, notícias de hoje, Paris está em chamas, mercê de enfrentamentos incendiários entre manifestantes e polícia. Infelizmente inevitáveis, pelo menos enquanto o governo e as elites insistirem em fazer tábua rasa das vigorosas insatisfações da população. Impor-se-ia moderação ao Nuit Debout? Talvez sim, porém nunca desistir ou arrefecer.

Nosso esperado movimento tropical, Vigilantes o dia todo, deve se preparar para o embate político que se anuncia, visando a forçar o novo executivo e o velho congresso, ambos carentes de credibilidade, a não se afastar dos interesses populares. Muitíssimo desejável, sem recurso à violência.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Primeiro quero tranquilizar você Marcus: Paris não está queimando. Ontem teve algumas manifestações violentas em Paris e poucas outras cidades, mas nada excepcional para o país.
    Hoje o calma voltou.
    Essas manifestações e Nuit debout não são diretamente conectadas, embora que os dois tem a mesma origem, a oposição a uma nova lei sobre os contratos de trabalho. Oposição a essa lei é animada pelos sindicatos tradicionais e os partidos de extrema esquerda mais uma parte do partido socialista (partido do presidente Hollande). A direita e os associações de empresários são também contra a lei, mas por razões opostas.

    O movimento Nuit debout é muito simpático pelo romantismo que ele exprima: reunir se para reinventar a política.
    Infelizmente até agora os efeitos não ultrapassaram atos simbólicos (por exemplo organizar aperitivo na frente da casa do prêmio ministro). Talvez por causa da vontade de manter distancia de qualquer instituição, que seja partido político ou sindicato.
    E um movimento interessante, inovador na forma, revelador do descrédito da classe política. Mas não espero muitos resultados concretos de Nuit debout. O paralelo com os eventos de maio 1968 é fácil e exagerado pelos mídias: até agora, ele está quase limitado a algumas reuniões públicas numa praça parisiense, e em 68, falamos de revolução. Alguém batizou Nuit debout de Mai 68 depressivo…
    Primavera é para mim a mais bonita estação em Paris, por várias razões, incluindo meteorologia e política !

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    1. Seus comentários são muito ricos e fundamentados, Stéphane. Eu e meus leitores lhe somos muito gratos pelos esclarecimentos.

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  3. Tio sua publicação é muito valiosa para aqueles que esperam algo novo diante te tamanha crise de confiança na politica e nos políticos. Acho que o nosso povo já pagou caro demais pelas escolhas erradas ou pelos " enganos politicos". Estamos descrentes por tudo que estamos presenciando no país. Mais não gostaria de desistir deste país. Gde. Abraço.

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  4. Tio sua publicação é muito valiosa para aqueles que esperam algo novo diante te tamanha crise de confiança na politica e nos políticos. Acho que o nosso povo já pagou caro demais pelas escolhas erradas ou pelos " enganos politicos". Estamos descrentes por tudo que estamos presenciando no país. Mais não gostaria de desistir deste país. Gde. Abraço.

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