sexta-feira, 6 de maio de 2016

Sobre pesquisa científica e pesquisadores



Existem variados perfis de pesquisadores. Interessam-me sobretudo aqueles que valorizam mais a beleza da ciência do que propriamente suas aplicações. Eles se maravilham com novidades de qualquer natureza ou de domínios do conhecimento que não são necessariamente os seus. Eis meu pesquisador, e espero que também seja o de meus leitores.

Um prêmio Nobel de física nos conta esta história de sua infância. Ele morava às margens do mar Negro e tinha o hábito de passear de barco ladeado por golfinhos. Um belo dia, e só neste belíssimo dia, alguns dos golfinhos se encostaram longamente no barco e se deixaram acariciar por ele. Como, tratando-se afinal de contas de animais selvagens?! Esta novidade tão forte, tão inacreditável, tão bonita o impactou pelo resto da vida. Ele não se tornou pesquisador de golfinhos, mas é pesquisador graças a eles.

Outro pesquisador dos meus declara que o ato de pesquisar é como brincar de Sherlock Holmes, o brilhante detetive da imaginação do escritor Arthur Conan Doyle. Fazer descobertas antes que outros as façam. O que acontecerá se eu jogar água sobre um ímã? As propriedades da água vão se modificar devido à presença de um campo magnético mais intenso do que aquele em condições normais? A perfeita aderência das patas das lagartixas muito ajudaria a conceber materiais perfeitamente aderentes. Quais propriedades teria uma peça muito delgada de grafite (grafeno)? São interrogações bem distintas: nenhuma delas faz parte da especialidade do pesquisador. Tudo isso para ressaltar como é importante não ficar confinado a uma especialidade. Ser observador astuto e livre, antes de mais nada. Propor bem é tão importante quanto fazer bem.

No que diz respeito a aplicações de resultados da pesquisa, impõe-se paciência. Trinta, quarenta anos, um século às vezes, antes de encontrar aplicações úteis de um novo material. O alumínio aguardou quarenta anos: dispunha-se desse material leve e sólido, mas não se sabia como utilizá-lo. Finalmente, apareceram aplicações verdadeiramente revolucionárias, por exemplo as aeronaves. Já o grafeno se encontra à espera de suas aplicações revolucionárias.

OK, que maravilha!, mas que pena!, a dura realidade da vida trama contra a sagrada liberdade de meu pesquisador. Constata-se que, em particular em grandes grupos econômicos, a inovação sofre duplamente, quer por enfoques ultra pragmáticos e imediatistas quer por exiguidade de aporte financeiro. O sistema sócio-econômico tem forçado muitas empresas a suprimir suas atividades de pesquisa e desenvolvimento. O mantra são os dividendos, a rentabilidade de hoje. Danem-se as inovações e os pesquisadores.

As universidades, quanto a elas, deveriam parar de formar doutores com mentalidade de funcionário. Os orientadores precisam incentivar seus doutorandos a assumir riscos, a empreender. Martelar-lhes sem tergiversação algo assim: "Agora que você se doutorou, decida entre o desemprego (ou bico em universidades inexpressivas em inovação) e a criação de sua empresa inovadora, podendo contar neste caso com meu apoio logístico". Claro, só a segunda alternativa é a extremamente desejável. Nesta linha, os Estados Unidos parecem levar nítida vantagem sobre a Europa e demais continentes, por força de uma cultura empreendedora fortemente enraizada lá, e vacilante cá.

À guisa de rápido balanço de minha vida de doutor em informática, reconheço-me principalmente na condição de funcionário. Talvez não pudesse ter sido de outro modo, porém não é para servir de desculpa. 

2 comentários:

  1. Marcus,
    Sobre nossa vida de pesquisador na UFCG, compartilhando sala durante alguns anos, quais seriam, na sua opinião, o motivo de termos tido -- eu e você -- tão pouco impacto como pesquisadores?

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    1. Caro Jacques,
      Não tenho resposta concreta para sua pergunta. Mas vem-me estas oportunas indagações. A empresa Infocon de Campina Grande produzia software básico com modelos copiados de produtos de empresas concorrentes: os chamados produtos "like", perfeitamente legais. Exemplo: o processador de texto Infoword = MS_WordStar-like. Ou seja, a Infocon não era uma empresa inovadora. Caso contrário, talvez tivesse tido um grande impacto. Massa crítica (Jacques, Antão, ...) não lhe faltava. Possíveis explicações, não excludentes: erro de estratégia, falta de ambição, imediatismo; ausência de investidores.

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