sexta-feira, 22 de abril de 2016

Socialismo é coisa de rico



Karl Marx e os outros clássicos do marxismo asseveram, sem nuances, que o imperialismo é o estágio superior e final do capitalismo, após o que a organização da sociedade será ... socialista. Salta-lhes aos olhos que a acumulação do capital é intrínseca ao desenvolvimento do capitalismo, gerando inevitavelmente, lado a lado, enormes riquezas e enormes desigualdades. A reação à concentração de riqueza poderia tardar mas não falhará: a pulsão socialista, por parte de uma população educada para a cidadania, terminará por se sobrepor ao descompromisso do grande capital para com o bem-estar coletivo. Marx profeta? Não é por aí: como cientista social meticuloso, ele aposta no socialismo porém não se arrisca a se debruçar sobre seus detalhes. Qual socialismo, não é esta a questão.

A história do mundo insiste em flertar com Marx e seus seguidores: a globalização é o moderno nome do imperialismo. As especificidades podem ser ignoradas: na essência, trata-se ainda do 'velho' imperialismo. O economista francês Thomas Piketty bem o demonstra, apoiado em ricas e confiáveis estatísticas colhidas desde o século de Marx. Não dá outra: a acumulação do capital segue em um crescendo contínuo, salvo pequenos e excepcionais períodos. Convenhamos: os contestadores de Piketty são muito poucos e em nada abalam sua respeitabilidade de grande economista.

Prossigamos um pouco mais com a visão marxista da história. O campo de estudo são os países capitalistas avançados -- na época, a Inglaterra, a França e a Alemanha. Os primeiros países socialistas viriam a ser justamente estas três grandes potências europeias (hoje, como se sabe, reduzidas a médias potências). Perceba-se como, segundo a análise marxista, o socialismo só deveria se dar na Rússia muito depois: uma explicação a mais para a derrocada do socialismo na ex União Soviética? Marx errou quanto às grandes potências, mas que bobagem: mudar o visor para os Estados Unidos em nada prejudica. Em que medida (novas) ideias socialistas começam a funcionar na potência norte-americana e alhures?

Autogestão, co-habitação e compartilhamento são cada vez mais substantivos da moda nos Estados Unidos. Estagnação dos salários e vida caríssima mudam o viver em Nova Iorque e São Francisco, entre outras grandes cidades norte-americanas. Um só exemplo. Um apartamento de um cômodo (studio) e 69m2 no Greenwich Village (zona boêmia de Nova Iorque) custa quase um milhão de dólares: ainda é considerado barato para os padrões estratosféricos de Nova Iorque! É ultra rico expulsando muito rico para as periferias: espantoso. Uma saída: co-habitação. O número de adultos entre 18 e 35 anos vivendo em formas de coletivo dobrou desde 1980. A habitação compartilhada já é um nicho prioritário de uma nova geração de empresas imobiliárias. Vinte e cinco colocatários dividem uma ampla casa de 575m2 na região de São Francisco. Como outra ilustração, o conceito WeLive consiste em adquirir um imóvel espaçoso e convertê-lo em quartos padronizados dando acesso a áreas comunitárias, prontos a alugar. A ambição do WeLive é reunir 34.000 "membros" até o fim de 2018. Não se trata absolutamente de algo parecido com uma improvisada e desconfortável república de estudantes: em Nova Iorque, 80% das pessoas em regime de moradia coletiva não são estudantes e trabalham fora em tempo integral.

Morar à moda WeLive é instalar-se num lugar onde todo o mundo se conhece e prima por ser acolhedor. Não impede de preservar a intimidade: o importante é o convívio, cada vez mais inalcançável no modo tradicional de viver nas grandes cidades. A corrente poderosa e criativa do movimento francês Nuit Debout: centenas, milhares de politizados cidadãos amavelmente discutindo e propondo noite adentro maneiras democráticas e cooperativas de gerir a coisa pública, tendo a simbólica Praça da República de Paris como majestoso pano de fundo. Todas as noites, sem prazo para acabar. Uma reinvenção da ágora ateniense, berço da democracia. Não é permitido a dirigentes canhestros ignorar o som cristalino e sem tergiversação vindo das bandas da Praça da República. Viva o movimento Nuit Debout!

O que Marx acharia?!

4 comentários:

  1. Adorei os movimentos Welive e Nuit Debout. Mas também fiquei imaginando esses 25 colocatários na casa de San Francisco, cada um dedilhando seu celular ... Coisa de nossa época. Desaprendemos a (con)viver.

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  2. Socialismo x Capitalismo: Resumo da da fábula - Não existe mais espaço no mundo "moderno" para a diferenciação entre essas duas definições. Hoje o que interessa é se conseguir deixar a tecnologia agir em benefício do povo e que se explodam os ricaços e respectivas estruturas que os protegem, na maioria das vezes compradas. Daqui para frente, não existirá mais diferença entre capitalismo e socialismo. Existirá apenas a lei que rege a seguinte afirmação: Quanto menos corrupto e descompromissado, mais progressista será o País. Com certeza, nosso País está muito longe de alcançar este objetivo.

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  3. Para abastecer a reflexão, um sondagem acaba de sair na França: 69% dos franceses acham que a luta de classes é ainda uma realidade.
    Pesquisa realizada durante o escândalo dos "Panama papers", citado como o evento que marcou mais os pesquisados.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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