quarta-feira, 5 de abril de 2017

Concentração de Renda no Mundo Desenvolvido



A crise econômica mundial se aprofunda, com o crescimento das desigualdades infestando também os países desenvolvidos. Resultado de políticas econômicas socialmente desastrosas por parte da governança global, aferrada a conceitos ortodoxos de (injusta cobrança de) mais impostos e de cortes de despesas públicas essenciais. O tema do artigo é justamente a concentração de renda no mundo desenvolvido.

Nada clarifica melhor do que estatísticas. A métrica é o Coeficiente de Gini, que mede a repartição de riquezas em uma dada economia, da igualdade perfeita (valor 0) à desigualdade total (valor 1). Foi definido em 1912 pelo sociólogo italiano Corrado Gini (1884-1965). O quadro abaixo mostra a evolução das desigualdades de renda em países desenvolvidos, no período 1985-2010, aferida pelo Coeficiente de Gini.
Observe-se em primeiro lugar a grande e crescente deterioração social do conjunto China (Chine, em francês) - Hong Kong*, salvo um ligeiro decréscimo na China, a partir de 2005. O capitalismo estatal chinês, em aliança com os grandes empresários privados amigos do poder, faz água. Em seguida, vêm Alemanha (Allemagne), Suécia (Suède) e  Estados Unidos (États-Unis), os três países exibindo um acentuado aumento das desigualdades, a mais nos dois primeiros. A ordem melhor-pior país em 2010 é: Suécia, França (France), Alemanha, Reino Unido ((Royaume-Uni), Estados Unidos e China. Ainda em primeiro, a Suécia caminha célere para perder a posição, se mantidas as tendências.

Eis um eloquente exemplo da perda de renda dos trabalhadores norte-americanos. Há cinquenta anos, quando a General Motors era o primeiro empregador dos Estados Unidos, seus empregados, amparados por um sindicato forte, ganhavam o equivalente a 35 dólares atuais por hora. Hoje, o maior empregador é Walmart, e o assalariado da Walmart, sem sindicato, não ganha senão 9 dólares por hora. O que faz a falta que um bom sindicato! Como e por que os trabalhadores se desmobilizaram, taí um ótimo tema para estudo.

The Guardian de Londres, 11/09/2015. Em Baltimore ou Washington nos Estados Unidos, em Glasgow ou Newcastle no Reino Unido, a esperança de vida de uma criança nascida em um bairro pobre é inferior em vinte anos àquela de um rebento dos bairros ricos. A situação sócio-econômica e o estado de saúde são estreitamente ligados: os mais ricos podem esperar viver oito anos a mais (com boa saúde) do que o cidadão médio. (Sobre a queda da qualidade de vida na Alemanha, ver A Alemanha Vista de Dentro neste blog, em 08/05/2015.)

A França merece um destaque especial, positivo. É o único país desenvolvido em que a desigualdade diminuiu no período 1985-2010, com o coeficiente de Gini se mantendo estável desde o ano 2000. Um duro golpe nos detratores do estado providência, ou nos defensores do estado mínimo. A manterem-se as tendências de 2010, e tudo indica que sim, a França caminha para ser a sociedade mais igualitária dentre os países pesquisados.

Perdas para muitos, ganhos para uns poucos. Os miliardários surfam sobre a crise econômica "dos outros". O quadro em seguida é a classificação dos dez primeiros países por patrimônio líquido de seus miliardários. O 'enxerido' Brasil está aí, ocupando o sétimo lugar (seu coeficiente de Gini, na faixa 0,50-0,55, é bem pior do que o da China).

Dados dos miliardários de alguns destes países -- <número de miliardários, patrimônio líquido em % do PIB, patrimônio total em bilhões de dólares> --, em março de 2014: Estados Unidos <492, 13,9%, 2.300>; Rússia <111, 20%, 422>; Alemanha <85, 11,2%, 401>; China <152, 4,2%, 375>; Brasil <65, 8,7%, 192>; Índia <56, 10,9%, 192)>. Assustador.

O pesquisador Anthony Atkinson, da London School of Economics, não vacila em proclamar: "Restauremos o Estado Providência!". Apoia-se no mau exemplo do Canadá (sic): as restrições às políticas de redistribuição levadas a efeito pelos últimos governos conservadores explicam a permanência de taxas elevadas de pobreza no país, com mais de uma pessoa dentre oito vivendo com baixa renda. Mesmo Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, estima que as desigualdades ameaçam a estabilidade do sistema econômico mundial. Bernie Sanders, aspirante a candidato à presidência norte-americana, apresenta-se com um programa carregado de tintas socialistas (!), empolgando destarte a grande maioria do eleitorado jovem do Partido Democrata. Alguns milionários norte-americanos até se oferecem para pagar mais impostos!

Torna-se evidente que o combate político dos próximos anos não terá a ver com esquerda vs. direita. Ocorrerá que os pobres e empobrecidos desafiarão as elites políticas e econômicas socialmente insensíveis. Movimento Occupy Wall Street, partido alternativo Podemos (Espanha) e Bernie Sanders são exemplos significativos: só mobilizações amplas forçarão a quebra dos paradigmas vigentes de desenvolvimento anti-social.

Enche o saco essa coorte de jornalistas econômicos, passionnés do grande capital financeiro, que tecem loas à 'recuperação' das economias dos Estados Unidos e da Alemanha, e desprezam a 'estagnação' da França e do Japão. Recuperação de quem, caras pálidas? Botai índice Gini em vossas análises!


*- Hong Kong aparece separada da China porque é uma província chinesa que ainda goza de autonomia administrativa frente ao poder central de Pekin.


Fonte das estatísticas - Courrier international, 05-11/11/2015.

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