sexta-feira, 14 de abril de 2017

Os Cidadãos Caetano & Gil



Os simbióticos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil -- "Caetano & Gil" é sugestivo da simbiose -- são minhas referências da música popular brasileira [completadas com Noel Rosa, Luiz Gonzaga e Chico Buarque]. Mas não é do artista que aqui trata-se, e sim do cidadão. Como pensam as brilhantes, férteis e argutas cabeças de Caetano & Gil face a variadas dimensões do viver humano? Vai-se a esboços de resposta, baseados principalmente em recente entrevista de Caetano & Gil ao jornal Folha de São Paulo.

O jeito Caetano & Gil de comunicar. 
Caetano leva a dialética ao paroxismo. Suas 'verdades' quase sempre admitem a negação delas. Emblemáticas disso são suas frequentes frases terminando por "..., ou não!".  

O jeito de falar baiano é geralmente volteado, estilo rococó -- baianêsGil costuma se expressar em baianês rococó (ou em exagero de baianês). Soa delicioso, mesmo  que às vezes disperse o entendimento. 

Religião. 
Caetano se considera ateu, ou não! Faz um sinal da cruz quando um avião manobra para decolar. Suas residências em Salvador e Rio de Janeiro exibem fotos ampliadas de imagem de N. S. da  Purificação (padroeira da cidade natal, Santo Amaro da Purificação). As superstições ajudam a aguentar o total descontrole do futuro. Em comum com a filosofia, as grandes religiões são esforços humanos para encarar nossa frágil condição. Ao mesmo tempo que adora o ateísmo! Louvação do Ser terreno, e reação à hipocrisia dos 'religiosos'.

Gil é agnóstico. Bem que tenta acreditar em Deus, porém não é empreitada fácil: "Se eu quiser falar com Deus tenho que caminhar decidido pela estrada, que ao findar vai dar em nada ["nada" repetido treze vezes] do que eu pensava encontrar" (de sua composição Se Eu Quiser Falar com Deus). Deus é tudo aquilo que está fora de nosso alcance. O que Deus precisa é se livrar das religiões, as quais tentam manipulá-lo até à selvageria. "Nietzsche dizia que Deus está morto. Caetano disse que Deus está solto. Tô com Caetano".

Política e Economia.
Caetano, implacável com a esquerda. Dilma é medíocre, seu governo foi péssimo. O ingênuo plano Dilmantega (Dilma + Guido Mantega, Ministro da Fazenda) levou o país ao buraco. Lula usa e abusa do PT. A esquerda é conservadora, incapaz e preguiçosa. As revoluções que deram sempre em autocracias. A aleivosia pequeno-burguesa de que a classe média é o inimigo.

Caetano também não é nada condescendente com o atual governo, que ele diz "golpista". O discurso das reformas de Temer é o pouco a pouco e a prazos longuíssimos. Agradaria somente aos poucos que já têm relativamente muito.

Gil, carregando no baianês rococó. A dimensão política está minada. O que manda mesmo no mundo é o afã do materialismo.

Sobre a guinada conservadora.
Gil busca as causas raízes do fenômeno neo-conservador. Os magnos lemas das grandes revoluções -- Liberdade, Igualdade, Fraternidade -- perdem para o materialismo embrutecedor. Acumulação de riquezas em detrimento da distribuição. Cada vez mais consumo, ostentação e luxúria. (Outra vez, Gil imerge no baianês rococó.)

Caetano é todo objetividade. Temer é anacrônico, lembra um político dos idos de 1953. Trump é o pop retrógrado.

A tropicália brasileira. Os nordestinos têm veneração por Lula, enquanto namoram Jair Bolsonaro (nosso imitador de Donald Trump, ainda mais assustador do que o original). Fernando Henrique Cardoso é cada vez mais visto no mundo de Renan Calheiros e Romero Jucá.

Filosofia e antropologia. Para Caetano, "As Palavras", de Jean-Paul Sartre, é o melhor livro já escrito. A efusão da liberdade nos textos de Sartre e Simone de Beauvoir ecoa em seu espírito. Aprende também a superar novas dificuldades existenciais com o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro. (Alguns ensaios antropológicos de Viveiros de Castro: "O Medo dos Outros", "A Inconstância da Alma Selvagem" e "Há Mundo por Vir?".)

Homossexualidade e homofobia. "Hoje, o  que mais penso é em como a homofobia de Oswald de Andrade não me causou repulsa, enquanto tudo que há de veado em Mário [de Andrade] nunca me atraiu" - Caetano. (Oswald de Andrade e Mário de Andrade -- sem parentesco -- foram os principais intelectuais do Movimento Modernista brasileiro, agitação cultural ocorrida na primeira metade do século passado.)

Ser ou não ser literato. Caetano incursionou fugazmente pela literatura com a publicação, faz vinte anos, de "Vereda Tropical". É um misto de livro de memórias, autobiografia e ensaio. Com tanta mistura, resultou em uma obra confusa, que não pegou. Caetano honestamente o reconhece, e afirma: se fosse para uma nova edição -- coisa que não o anima e que não está nos planos do editor --, ele revisaria praticamente tudo.

A arte e a cidadania de Caetano & Gil fazem bem ao Brasil. Longa vida a eles!

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