domingo, 1 de novembro de 2015

O Paraguai e a Felicidade



O Paraguai é o país mais feliz do mundo. O Paraguai é um país com baixo nível de escolaridade. "A ignorância é a felicidade", diz o poeta inglês Thomas Gray. Thomas Gray está certo? Sim ou não. Se é um aforisma jocoso então ele está errado. Afinal de contas, o que é felicidade? Quem não pode ser feliz?

Ninguém saberia definir felicidade. Todavia, os efeitos de um venturoso estado de espírito não são difíceis de identificar e mensurar. Pensai em vosso dia de ontem: descansastes bem? fostes tratados com respeito? ristes? divertistes-vos? aprendestes algo interessante? A coleção de perguntas do tipo pode se alongar. Se vós pudésseis responder positivamente a todas ou à maioria das questões, significaria que vosso índice de emoções positivas é alto: pelo menos em vosso ontem vós estáveis felizes. Simples assim. Muito importante, não impede que vós sejais cidadãos de qualquer latitude e longitude. Ótimo: o Paraguai bem que existe e é o país mais feliz do mundo, ao menos segundo um prestigioso instituto de pesquisa.

Ensaiemos de entender o Paraguai. Para começo de conversa, parece que a felicidade exige um décor exuberante. Apenas 7 milhões de habitantes em um território que é o dobro da Alemanha; terras generosamente férteis: lamaçal nativo de mangas, abacates e outros frutos tropicais; o mate; o gado que se esbalda, o país exportando mais carne do que a Argentina; fartura de água; grandes rios; energia elétrica infinita gerada pela hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo. Ora, direis, o Canadá é também rarefeito de gente e ainda mais aquinhoado pela natureza do que o Paraguai. Mas o primeiro nem aparece na lista dos 10 mais felizes. O décor não explica tudo.

O Paraguai não foge aos clichês de país subdesenvolvido: concentração de renda, corrupção, justiça só para os importantes, escolaridade precária. A elite não se restringe a descendentes de espanhóis: alemães, irlandeses e finlandeses também lá se estabeleceram em tempos idos. Já o grosso da população é autóctone: sangue índio guarani. A alma guarani é plácida: Paraguai quer dizer "terra sem males"; na língua guarani -- que quase todos falam -- não existe uma palavra para amanhã, só o aqui e o agora importam. Descansar, conviver, rir, divertir-se. Aprender a sobreviver. A abundância da terra sem males é antídoto contra a pobreza extrema. Antes, eu sentenciaria "azar deles"; hoje, jactância afastada, eu digo "sorte deles!".

Impõe-se agora relativizar o conceito de Felicidade. O índice de emoções positivas é apenas um dos critérios, com esta notável abertura: ele está ao alcance das pessoas ignorantes (do contrário, seria uma tremenda malvadeza). No outro extremo da escala de conhecimento humano, os cientistas saboreiam o prazer das coisas insatisfeitas -- quaisquer que sejam -- porque o cientista é um ser que busca, mesmo que muitas vezes os resultados não sejam palpáveis (o paraibano Sílvio Meira, conhecido e feliz cientista da computação, tem estado muito deprimido com a incapacidade brasileira de fazer boa ciência, vide silvioMeiraDeprimido). Os franceses, vivendo num país belíssimo e que convida à alegria e ao otimismo, são de um modo geral dominados pelo temperamento rabugento; talvez a rabugice seja um ingrediente do bem-estar à francesa pour incroyable que cela puisse paraître! A felicidade do prêmio nobel de literatura, Mario Vargas Llosa: "Escrevo para fugir da solidão".

Enfim, que cada um ache sua felicidade, sem empanar a dos outros. E que o Paraguai permaneça um país feliz.

6 comentários:

  1. A ciência exige que hipóteses sejam testadas por terceiros. É claro que, se a ciência não pode sequer definir a felicidade, ela não poderá ser de valia para realizar os testes. Não obstante esta resrição, veja aqui: http://www.livescience.com/51327-happiest-countries-list.html
    Paraguay em 78o lugar.

    E aqui: http://www.forbes.com/pictures/mef45ejmi/the-worlds-happiest-and-saddest-countries-2/
    Paraguay não aparece (mas o site da Legatum indica que está em 81o lugar)

    E mais um: http://www.businessinsider.com/new-world-happiness-report-2015-2015-4
    Paraguay não está nos 30 (mas Brasil em 16). A fonte original indica Paraguay na posição 53.
    :-)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que meu post não reflete bem o que penso. Foi mais uma provocação sobre a dificuldade de capturar certas emoções.
      O que acho: países da América Latina sendo considerados "mais felizes" casa muito bem com o que conheço do povo brasileiro. Vejo felicidade nas pessoas no dia-a-dia, apesar dos dias tenebrosos que o Brasil enfrenta. Felicidade faz parte do sangue!

      Excluir
    2. A pesquisa tema de meu artigo: Gallup 2015 Global Emotions Report. Paraguai em 1o lugar: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2014/05/7-em-cada-10-pessoas-no-mundo-se-dizem-otimistas-aponta-pesquisa.html
      "Felicidade faz parte do sangue!": sangue índio guarani, por exemplo.

      Excluir
    3. Só para mostrar que, dependendo como se faz a pergunta, ou como se avaliam os índices, os resultados podem ser radicalmente diferentes. É um dos motivos pelos quais as ciências sociais têm dificuldade de obter dados "fortes", reproduzíveis. Na minha opinião, a Ciência da Computação tem o mesmo problema.

      Excluir
    4. Só para mostrar que, dependendo como se faz a pergunta, ou como se avaliam os índices, os resultados podem ser radicalmente diferentes. É um dos motivos pelos quais as ciências sociais têm dificuldade de obter dados "fortes", reproduzíveis. Na minha opinião, a Ciência da Computação tem o mesmo problema.

      Excluir
    5. Sem dúvida, a subjetividade é valor prevalente, nos dois domínios..

      Excluir