sábado, 21 de novembro de 2015

Às Almas, Cidadãos*



Principia-se por corroborar um fato, para logo em seguida refutá-lo veementemente como justificativa para a barbaridade cometida contra a cidade mais charmosa e emblemática do mundo, Paris.

O fato. As potências europeias praticaram ao longo de séculos uma política colonialista de pilhagem de riquezas e de preconceitos étnico e cultural no Norte da África e no Oriente Médio (para não falar da África do Sul, da Índia, da China, do Vietnã). Em nossos dias, a França leva uma guerra meio secreta contra djihadistas no Mali e na Argélia; encontra-se também profundamente envolvida em campanhas bélicas anti djihadistas na Síria e no Iraque, em tanto que participante expressiva de uma coalização internacional liderada pelo Estados Unidos.

Na esteira de tudo isso, é natural que perdurem entre os povos outrora colonizados ressentimentos de todo tipo, defensáveis ou não. Na caso da França, 8% de sua população têm raízes diretas ou indiretas com ex-colônias. Via de regra, professam a religião islâmica. O 'djihadismo' é sua vertente fundamentalista, minoritária porém ultra-militante. Sua crua simbologia não se coaduna com  os valores laicos da República Francesa: dá-se o choque emocional (e físico) laicismo vs. 'djihadismo'. E ainda tem a persistente crise econômica ... . O cenário político francês adquire contornos dramáticos.

Abra-se outra cortina. Atente-se para este impressionante cortejo de mortandade em atentados terroristas somente em 2015, todos praticados por djihadistas: Paris, janeiro, 17 mortos; Tunis, março, 22 mortos; Sousse (Tunísia), junho, 38 mortos; Suruç (Turquia), julho, 33 mortos; Sadr (Iraque), julho, 90 mortos; Ankara, outubro, 97 mortos; Sinai (avião comercial russo), outubro, 224 mortos; Beirute, novembro, 43 mortos; Paris, novembro, 129 mortos. Como é fácil de perceber, tudo pode ser alvo, não só as 'odiadas' potências. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, é vítima potencial. Covardia. A discussão dos segundo e terceiro parágrafos se refreia: as carnificinas, dirigidas a torto, são insanidade pura, barbárie. Devem ser enfrentadas como tal.

Além da solidariedade irrestrita ao povo francês -- e aos de outros 17 países representados por seus mortos no massacre deste novembro, Paris é carrefour do mundo --, o que fazer?

Os djihadistas constituíram um grande espaço físico, parte na Síria parte no Iraque: o auto proclamado Estado Islâmico (EI). Todos os atentados enumerados foram arquitetados no EI, e quase todos os seus autores foram treinados lá. Uma central do terror. Urge destruí-la. De que maneira? Aí começam os obstáculos.  O EI é forte em dinheiro -- venda de petróleo contrabandeado --, forte em armas -- os traficantes de armas operam sem peias --, e forte em motivação ideológica -- por incompreensível que nos seja. Derrotá-lo será uma empreitada muito difícil. Os Estados Unidos vacilam: é-lhes impossível apagar os rescaldos de suas desastrosas intervenções terrestres no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque de Saddam Hussein. A nova aliança militar França-Rússia começa com corrosão: a Rússia sustenta o sanguinário ditador sírio Assad; a França se empenha em destituí-lo. A União Europeia permanece, para efeitos práticos, uma abstração. O bilhão de islâmicos não djihadistas sente-se desamparado, no fogo cruzado entre os djihadistas e os violentados por eles.

A guerra contra o Estado Islâmico  é de caráter geral. O Mundo, carente de governança política crível e decidida, aderna. (Assombração: depois da Al-Qaeda, Estado Islâmico; após o Estado Islâmico, interrogação.)


*- Título angustiado e bonito do semanário francês Courrier international, de 18/11/2015. Parafraseando o solene e guerreiro Às Armas, Cidadãos! do hino nacional da França.

Um comentário:

  1. Situação difícil que exige reflexão dos líderes mundiais. Como você fala, a raiz está na história: as potências colonizadoras plantaram sementes que agora dão este fruto desastroso. Os jihadistas se revoltam contra a pobreza e desprezo que enfrentam dos ocidentais. Que tal um grande plano no estilo Marshall para as populações necessitadas? Isso não somente ajudaria a melhorar a pobreza, daria emprego, como também mostraria respeito para com os afetados? Até 2017, o custo das guerras no Iraq e Afeganistão terá sido de 2,4 trilhões de dólares. Imagine se esta quantia - ou mesmo metade - fosse empregada em ajudar os necessitados muçulmanos. Estarei sendo ingênuo?

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