sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Governança Empresarial em Crise (II)



Na postagem Governança Empresarial em Crise de 14/05/2015, explica-se que as remunerações estratosféricas dos grandes executivos empresariais nada têm a ver com uma lógica racional de produtividade. Bem ao contrário, o custo / benefício é enorme. Conclui-se pela falência da governança empresarial. Novas evidências, e a recordação de uma multitude de fatos, só reforçam a conclusão. Tem mais: a impunidade dá a tônica no reino dos big bosses.

O Dieselgate da Volks(wagen). Decidida a todo custo a triplicar as vendas nos Estados Unidos de seus veículos a diesel, a Volks driblou as autoridades norte-americanas de regulação instalando em pelo menos 482.000 viaturas um software mentiroso sobre as emissões de poluição, desta forma permitindo que seus carros rodassem propagando quarenta vezes mais poluentes do que a legislação autoriza. O presidente mundial da Volks, Martin Winterkorn, ao menos não é um Eduardo Cunha da vida: pediu demissão do cargo, não deixando de declarar que "Fizemos merda!" -- literalmente. Mas não basta, não basta: ele deveria ir para a prisão e sofrer o sequestro de suas mansões e iates. Afinal, é inaceitável ganhar impunemente 16 milhões de euros anuais (sic). Possibilidade remota de punição exemplar, entretanto. O homem tem 'costas largas': o reputado semanário alemão Der Spiegel denuncia as estreitas e cúmplices relações do governo alemão com os CEOs dos grandes grupos campeões de exportação. E vai ainda mais fundo: a classe dirigente germânica sempre fechou os olhos para as falcatruas comprovadas de seus grandes patrões privados.

Outros escândalos na indústria automobilística. Em 1972, a Ford foi temporariamente proibida de produzir toda uma linha de carros porque se esmerava na manutenção dos veículos de teste, os quais dessa forma emitiam menos poluentes do que nas condições reais de uso. Em 1974, a Chrysler teve que recolher 800.000 automóveis por ter instalado dispositivos capazes de desativar os sistemas de controle anti poluição. Mais Ford e Chrysler. Em 1978, a Ford foi obrigada a retirar de circulação 1,5 milhão de carros do modelo Pinto: os tanques de combustível tendiam a pegar fogo em colisões. Em 1987, a Chrysler foi acusada de adulterar a quilometragem dos carros usados por seus executivos, para ainda vendê-los como se fossem novos. O caso Ford-Firestone, final dos anos 90: 271 acidentes mortais causados por estouro de pneus defeituosos. 2014: as coreanas Hyundai e Kia foram multadas pelo Ministério da Justiça norte-americano por subestimar o consumo de 1,2 milhão de seus veículos vendidos nos Estados Unidos. Certos tipos de veículo da alemã BMW e da Opel, braço europeu da General Motors, poluem 10 vezes mais nas estradas do que nos testes de laboratório.

Qualquer que seja o delito, as multas aplicadas aos fabricantes de automóveis são sempre relativamente leves. Os dirigentes não são encarcerados. Em se defendendo, eles, os dirigentes, repetem o desmoralizado e incompetente "Não sabia de nada!". Mas The Observer, de Londres, observa mui justamente: nas grandes empresas, é impossível fraudar sem o conhecimento de muitas pessoas, sobretudo executivos. The New York Times estampa que, graças ao lobby dos fabricantes norte-americanos de veículos, a lei não prevê nenhuma sanção criminal específica pela venda de carros defeituosos ou desconformes com a legislação para o setor.

Instituições bancárias como vilãs. A revista alemã Stern é implacável: nestes últimos anos, o Deutsche Bank (Banco da Alemanha) tem sido a fonte de tantos escândalos que fica até difícil de enumerar. O mais impactante foi a manipulação de taxas interbancárias, que servem de referência para as cotações do mercado financeiro. Do mesmo crime foi desmascarado outro peso pesado das finanças multinacionais, o Barclays Bank. Punição? Afastamento temporário, auto-demissão, porém os respectivos ex-CEOS continuam por aí, soltinhos da silva e com fortunas preservadas para gozar as delícias da vida.

O afogado Rio Doce. No Brasil, o que acontecerá aos executivos da mineradora subsidiária das gigantes brasileira Vale e anglo-australiana BHP, a qual provocou um tsumani de lama provavelmente tóxica descendo pelo vale do rio Doce - Minas Gerais -, destruindo uma cidade inteira e fazendo mortos e duas dezenas de desaparecidos? Sem contar as centenas ou milhares de pessoas possivelmente contaminadas e condenadas à morte lenta. E o que dizer dos prejuízos materiais? E da imensidão do desastre ambiental? (Até o momento: 3 cidades de 300.000 habitantes cada uma em colapso de abastecimento d´água.) Bom, não é difícil projetar que os ditos executivos terão sido (levemente) condenados, e depois recorrido ad infinitum até a prescrição das penas. Eis a ordem desnatural do proceder jurídico brasileiro. (Executivos de grandes empreiteiras brasileiras, réus na Operação Lava-Jato, receberam condenações exemplares. Primeira Instância, porém. Há que se temer os numerosos recursos que virão, e o tempo que isso vai tomar.)

A crise da governança política tem ensejado a ocupação da governança empresarial (ela própria em crise, c.q.d) no seio dos governos das nações. A expressão "A emenda saiu pior do que o soneto" se aplica à maravilha ao contexto. Alto e bom som, a espúria aliança políticos-empresários é nefasta: sua continuidade levará ainda mais rapidamente nosso mundo à catástrofe.

2 comentários:

  1. É um problema global infelizmente. Você citou países com legislação rígida e ao mesmo tempo complacentes na relação público-privado, mas não acredito que os culpados saiam imunes desses delitos. A Justiça é lenta pelos inúmeros recursos de defesa existentes, mas, principalmente nos Estados Unidos e Alemanha extremamente eficazes. No Brasil, com todo o esforço(ao contrário) de executivo/legislativo e grupos corporativos, a justiça está caminhando a passos largos na condenação dos envolvidos em ações fraudulentas em diversas frentes. Não sei se estou sendo otimista demais, mas vejo um ministério público rejuvenescido e muito profissionalizado, apesar do tortuoso caminho.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Seus comentários são importantes e pertinentes.
      Registro apenas que minhas fontes são reputados órgãos da imprensa dos Estados Unidos e da Alemanha: eles não são otimistas.
      Em relação ao Brasil, sem dúvida o ministério público merece todos os elogios. Minha preocupação é com o rito lento da Justiça: permite inumeráveis recursos, o que tende a beneficiar os poderosos.

      Excluir