sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A vida seria mesmo tão breve?!



Bill Maris, big boss da empresa Google, não se conformando que a vida se lhe afigure muito curta, decidiu-se a afrontar a tirania da escassez de tempo 'simplesmente' por tentar imortalizar o ser humano. Ele aposta que a ciência e a tecnologia já nos permitiriam viver até aos 150 anos. Gigante de mente e ação, é bem possível que venha a ter êxito, ao menos parcialmente: 110 anos, digamos. (Ver também, no blog, Os Visionários GAFA 15/09/2015.)

Bill Maris é certamente uma dessas pessoas ocupadíssimas. Imagino-o totalmente voltado para sua organização planetária, seus parceiros de negócio, seus projetos (nem tanto) mirabolantes, seus arroubos futuristas. Vá lá que ele arranje tempo para tudo isso: afinal, o jovem homem é de uma impressionante fecundidade de trabalho. Com uma notável característica: o foco de sua vida ... devem ser os outros. Altruísmo? A duvidar: é muito mais provável que seu eu tenha sido pulverizado pelos affairs. Sexo bom, amar bem, dormir o sono dos justos, sorver grande literatura, degustar vinhos de qualidade (franceses, de preferência), curtir os filhos, saborear boa comida, passar horas relaxantes com os amigos, surfar no mar da Califórnia, apreciar a Serra Nevada (antes que ela vire Serra Pelada, aquecimento global devasta), ..., duvido que tantas maravilhas do bem-estar constem da agenda de Bill Maris. Cadê tempo lhe sobrando? Esfarrapado consolo: depois dos 50 anos ele faria diminuir sua carga de trabalho e passaria a cuidar também de si. Ledo engano: quem lhe garante chegar aos 50 / 60 anos (até um escorregão no banheiro pode matar). Sua vida seria mesmo tão breve!

A sensação de vida fugaz das pessoas ocupadíssimas é dissecada pelo filósofo, dramaturgo, político e escritor romano Sêneca (4 a.C - 65 d.C.), em sua obra epistolar Sobre a brevidade da vida*. Se deseja saber quão breve é sua vida, calcule quão exígua é a parte que lhe toca. Arrasador. A vida se divide em três períodos: aquilo que foi (longo), o que é (breve) e o que será (dúbio). Somente o tempo presente pertence aos homens ocupados, tempo tão exíguo que não pode ser alcançado. (Em seu ensaio O Tempo, Jorge Luis Borges retoma o tema da fatuidade do presente: clara influência de Sêneca.) Os homens sábios -- isto é, capazes de equilibrar ocupação e lazer -- sedimentam seu memorável presente no passado recorrível: este é duradouro, infenso ao destino, à miséria, ao medo e às doenças. Nos estertores, os ocupadíssimos lamentam a breve vida perdida; os sábios agradecem à longa vida vivida.      

Indo bem no âmago da problemática eu - os outros, por que o dedicar-se ou a "felicidade" é inacessível à vasta maioria das pessoas? O conceito de pulsão de morte ou morte psíquica de Freud, em sua obra O mal-estar na cultura. dá-nos uma resposta tonitroante: homem "feliz" não faz parte do plano da "Criação". A "infelicidade" ameaça o ser humano de três lados: o corpo, destinado à ruína e à dissolução; o mundo externo, implacável e destrutivo; por fim, as insondáveis relações com outros seres humanos. Esta conjugação, de potência cavalar, pode resultar nos indivíduos um estado de desejo de não mais desejar. Em suma, a "felicidade" é muito dura de ser conquistada. 

A meus leitores, auguro que sejam sábios ou que a vida não lhes pareça breve!


*- "Este tratado é lindo: recomendo sua leitura a todos os homens". Denis Diderot (1713 - 1784), filósofo iluminista, escritor e enciclopedista francês.

2 comentários:

  1. Es-tu "À la recherche du temps perdu?", mon cher Marcus?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cher Jacques,
      À vrai dire, je réfléchissais sur des personnes très occupées. En tout cas, ma vie ne semble pas très courte!

      Excluir