sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Desaceleração Global: Não Inculpai a China!



Somos diariamente martelados com notícias sobre a desaceleração da economia chinesa, e por extensão a do resto do mundo. Sem poupar nenhum país seja ele desenvolvido, em desenvolvimento ou subdesenvolvido. Mas seria mesmo a China a grande vilã da morosidade econômica global?

Acerte-se a noção de país motor do crescimento mundial. De acordo com o Banco Mundial, para que um país exerça este papel suas importações devem ultrapassar suas exportações (ou que o saldo de suas transações correntes, exportações menos importações, seja negativo). São países motores porque criam demandas para outros países; desta forma, os demandados podem exportar mais do que importar (saldo positivo de suas transações correntes). Metaforicamente, os importadores são a locomotiva do trem do comércio internacional enquanto que os exportadores são seus vagões. O negativo de uma locomotiva, conquanto possa ser conjunturalmente bom ou ruim para o país, é sempre bom para o comércio global.

Estatísticas do Banco Mundial sobre o saldo das transações correntes de 25 países, em 2008 e em 2013, ajudam a elucidar quem é quem no que diz respeito a ser motor do crescimento global. Observem-se os gráficos respectivos de 2008 e 2013, abaixo. Os nomes dos países estão em francês (Norvège: Noruega; Inde: Índia; Royaume-Uni: Reino Unido; États-Unis: Estados Unidos). De cima para baixo, sua ordenação é por saldo: obviamente, os países vagão aparecem todos na parte superior (positiva) dos gráficos.
Vê-se que o motor da economia mundial, disparado, são os Estados Unidos, muito embora exibindo a formidável desaceleração de 41% no curto período de 2008 a 2013 (do déficit de 677 bilhões de dólares em 2008 para o déficit de 400 bilhões de dólares em 2013, praticamente o mesmo previsto para 2015). Desaceleração global: inculpai os Estados Unidos! A China é um vagão gigante mais que meio esvaziado pela retração consumista norte-americana, apresentando a ainda muito maior desaceleração de 57% (do superávit de 421 bilhões de dólares em 2008 para o superávit de 183 bilhões em 2013, com tendência persistente de queda). À revelia de seus problemas internos: bolha de ações, investimentos duvidosos e difícil guinada ao mercado interno.

Em 2008, muito depois dos Estados Unidos, as locomotivas do comércio internacional eram Espanha, Itália e Grécia, que logo entraram em profunda estagnação sistêmica, deixando duradouramente de servir à festa do consumo de bens globais. Não mais aparecem nas estatísticas de 2013. A França, mergulhada em recessão, passou a priorizar o equilíbrio de sua balança comercial, tornando-se insignificante como locomotiva. Quais são então algumas das novas locomotivas em 2013, sempre muito atrás dos Estados Unidos? Reino Unido, Brasil, Turquia e Canadá. Pelo menos uma delas, o Brasil, deixa de sê-lo já em 2015 (detalhes, no último parágrafo).

Do lado dos países vagão, Rússia e Noruega se encontram em plena ressaca da farra do petróleo caro e disputado. O Japão, em quase recessão sistêmica, segue retardando o passo. Os três -- Japão, Noruega e Rússia -- se vergam à desaceleração mundial capitaneada pelos Estados Unidos, sumindo do gráfico de 2013. Estrela fulgurante e solitária, notabiliza-se o outro vagão gigante além do chinês, a Alemanha: a necessidade e a excelência de seus bens de capital e mecânica fina lhe são blindagem contra o baixo crescimento mundial*.

O Brasil é um caso de locomotiva que grimpa sem manutenção à vista. Essencialmente exportador de matérias primas, vê sua taxa de crescimento baixar no mesmo ritmo da queda de preço das commodities. O real se desvaloriza. As importações encarecidas -- a indústria é altamente dependente de tecnologia importada -- diminuem celeremente. Inflação e recessão. O lamentável é que, não faz muito tempo, o Brasil tinha uma pauta exportadora equilibrada entre produtos transformados e primários.


*- À margem do tema do artigo: a Alemanha também merece louvações por sua política acolhedora de refugiados dos infernos do Oriente Médio e da Ásia Central.

3 comentários:

  1. Não sou economista, mas me pergunto: será que o *saldo* de transações correntes é a métrica mais apropriada? Eu diria que as importações classificariam um país como locomotiva e as exportações como vagão. Assim sendo, um país poderia ser ambos. O saldo indicariam quão locomotiva ou vagão um país é. O que acha?

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    1. Acho muito razoável, Jacques. Quando escrevia o artigo, cheguei a pensar assim como você. Mas decidi me ater à métrica do Banco Mundial.

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  2. Quanto à Alemanha e os refugiados, concordo com você. Merkel é o único líder mundial atualmente, na minha ótica. O resto não tem visão ou coragem. Se eu pudesse jantar com alguém de minha escolha, eu jantaria com Merkel para saber o que ela acha do futuro da Europa.

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