quinta-feira, 2 de abril de 2015

América Latina para os Chineses?



América [Latina] para os [Norte-]Americanos. - James Monroe, Presidente dos Estados Unidos, 1817-1825. A propósito dos embates imperialismo yankee nascente vs. imperialismo britânico, pela hegemonia na América Latina.

Um pouco de dinheiro evita as preocupações, mas muito dinheiro as atrai. - Confúcio, filósofo nacional da China.

Esses sim [os chineses] são bravos ... Em quinze anos vamos estar com saudades dos gringos [dos norte-americanos]. - José Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro e ex-presidente do Uruguai.



Como grande potência que é, a China concede à América Latina (AL) uma grande importância estratégica. Os vetores de atração da AL para a China são: (1) as commodities (alimentos e minérios) vis-à-vis de seu apetite voraz por produtos primários; (2) o amplo mercado consumidor para seus produtos de base tecnológica; e (3) a crise financeira de alguns países, oportunidade para ganhar mais dinheiro e influência política com empréstimos 'salvadores'. Tudo a um ritmo estonteante.

Nas próximas linhas, Venezuela, Equador, México, Argentina e Brasil são rapidamente visitados, à luz de suas relações com a China.

Países Bolivarianos

Pequim financia a Revolução Bolivariana. A dívida somada da Venezuela e do Equador chega a 45 bilhões de dólares. Ela está sendo paga com 600.000 barris de petróleo por dia, um volume que tende a aumentar com a diminuição do preço do produto. Representam respectivamente 90% e 60% das exportações da Venezuela e do Equador para a China. A Venezuela tenta renegociar sua dívida, mas a China exige como contrapartida a mina de ouro Las Cristinas, orçada em 32 bilhões de dólares. Por sua parte, a Oposição Venezuelana acusa o Governo de se ajoelhar ante os chineses.

México

A China Railway Construction Co. (CRCC) ganhou como única candidata a licitação para a construção de um trem-bala por 3,7 bilhões de dólares, em sociedade com a empresa mexicana Teya. A Teya é acusada, entre outras coisas, de pagar a mansão da primeira-dama do país. Por temer os desdobramentos da ruinosa atmosfera política, as empresas Bombardier (Canadá), Siemens (Alemanha), Alstom (França) e Mitsubishi (Japão) desistiram da concorrência. Para a CRCC, nada demais: licitação não faz parte da cultura de negócios chinesa.

O México é o único país da AL que não é grande exportador de commodities para a China. Ele é, sim, um forte exportador de manufaturados para os Estados Unidos (suas fábricas são maquiadoras), o que não o livra da ameaça competitiva da China sobre 70% de seus produtos exportados.

Argentina 

Para a construção de duas represas, a Sinohydro associou-se a Lázaro Báez, suposto testa-de-ferro da família Kirchner, investigado por lavagem de dinheiro. O amplo convênio de cooperação Argentina-China, visto pelo Governo e Aliados como a salvação para as combalidas e combatidas finanças do país, é duramente criticado pela entidade patronal União Industrial: a principal acusação dos empresários é a de que o convênio permite a empresas chinesas fechar contratos sem licitação. Outro problema é a fragilidade da posição argentina nas negociações: quase toda a sua soja, principal exportação, é comprada pela China.
  

Brasil

O grosso dos investimentos chineses no Brasil é 100% direto. Eles são numerosos e variados, apesar da crise econômica perdurável vivida pelo país: força de nosso mercado consumidor. Eis alguns investimentos por setor: eletrônicos (Foxconn, Lenovo, CiaoHub), automotivo (Shaanxi, Shyian, Changan, EFFA Motors, Chery, Shacman, Shineray), bancário (Industrial&Commercial Bank of China, China Construction Bank), telecomunicação (China Telecom) e agronegócio (BBCA), entre outros. Com relação ao setor de petróleo e gás, as estatais chinesas CNPC e CNOOC participam, por licitação e ao lado da Petrobras e de outras empresas estrangeiras, da exploração de um grande campo do pré-sal. O Banco de Desenvolvimento da China, na contracorrente das agências de risco que ameaçam não recomendar empréstimos à Petrobras por causa dos escândalos de corrupção que jugulam a empresa, assinou um contrato de US$ 3,5 bilhões com a Petrobras. Todavia, o futuro das relações Brasil-China não deixa de preocupar: a vulnerabilidade estratégica do Brasil é revelada pelo fato de que 90% das suas exportações para a China se limitam a minérios e soja.


À guisa de conclusão. A interrogação do título é proposital. A 'guerra fria' Estados Unidos - China pelo poder mundial não permite ainda previsões abalizadas. Por um lado, a potência norte-americana tem dado sinais vigorosos de que sua atual condição de única superpotência não tem prazo para acabar. Por outro lado, parece falacioso afirmar que a China vê diminuir inexoravelmente seu insuperável ímpeto de crescimento; o mais certo é entender que a prioridade passa a ser seu 'infinito' mercado interno, ou que a natureza de seu desenvolvimento se reorienta para muito melhor. Assim, antevê-se uma disputa cada vez mais acirrada entre as duas potências pelo controle das riquezas e dos mercados da AL.

Enfim, corroborando Confúcio (ver a epígrafe), se a questão é dinheiro (e poder) as diferenças culturais Ocidente - Oriente se desvanecem. Quanto a José Mujica (ver a citação), ele teria sido mais preciso admitindo que os dois imperialismos, o norte-americano e o chinês, são igualmente agressivos, e que a agressividade é a característica de todos os imperialismos ao longo da História.



Fontes principais: jornal espanhol El País (05/03/2015); Boletim de Investimentos Chineses no Brasil 2012-2013, publicação do Conselho Empresarial Brasil-China.


Um comentário:

  1. Para botar mais lenha na fogueira, à lista de países citados acrescente-se a Nicarágua com a construção do canal que vai competir diretamente com o canal do Panamá. Ao projeto do canal estão associados um oleoduto, dois portos de águas profundas, uma ferrovia transcontinental e dois aeroportos. O conjunto destas obras foi avaliado em cerca de quatro vezes o valor do PIB da Nicarágua (10 bilhões de dólares). A frente Sandinista liderada pelo presidente Daniel Ortega concedeu ao grupo chinês HNKD formado pelo magnata chinês Wang Jin uma concessão de 50 anos (renovável por mais 50) a troco de uma taxa de 10 milhões de dólares por ano. No décimo primeiro ano de operacionalização do canal, a Nicarágua terá 10% da empresa, valor que será de 100% no espaço de um século, segundo o The Wall Street Journal. A China no golfo do México!

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