sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
No Portal da Amazônia
Belém do Pará é um dos portais da amazônia. O cenário ao redor é típico: florestas e rios sem fim. O portentoso rio Tocantins, a pouca distância, chega a 50 quilômetros de largura! Tudo é tão vasto que se há por bem chamar baía: Baía do Guajará, diante de Belém; Baía de Marajó, margeada pela ilha de Marajó a oeste e o continente a leste. Baías de água doce, bem entendido: a primeira é a confluência de 3 rios, um dos quais, o Guamá, contorna a península de Belém; a segunda recebe as águas do Tocantins e da Baía do Guajará. A ilha de Marajó -- maior do que o Estado do Rio de Janeiro -- como que separa as águas do rio Amazonas a leste das do rio Tocantins a oeste. O conjunto todo compõe o delta do rio Amazonas. (O superlativo e quase selvagem Amazonas -- maior rio do mundo em volume d'água e, segundo certos critérios, também o mais extenso -- só banha uma capital, Macapá, no delta. Na foz, sua largura atinge 300 quilômetros!)
Belém e as mudanças climáticas. As chuvas continuam intensas o ano inteiro, todavia sem a regularidade de outrora. É findo o tempo em que os belenenses marcavam compromisso para antes ou depois do toró que caía pontual e diariamente no meio da tarde.
O Pará, como todos os estados da chamada Amazônia Legal, inspira maus pressentimentos. Desmatamento desenfreado, poluição com metais, violência impune dos poderosos contra os largados sociais. A freira Dorothy Stang, barbaramente assassinada, bem simboliza a luta, por enquanto perdida, em defesa das vítimas do estado-sem-justiça. Os mandantes estão bem identificados: até hoje, porém, vivem no entra-sai da prisão, beneficiados pelos inesgotáveis recursos que a justiça brasileira lhes permite -- justiça dos poderosos, frise-se. Insistindo, o desbravamento da amazônia se faz de maneira terrível: tão feio que não tem genial cineasta norte-americano que seja capaz de lhe dar o glamour do far west. Felizmente, o Pará é tão grande -- mais de 2 vezes a França -- que a região de Belém tem sido poupada da tragédia ambiental em curso no estado.
Propaganda federal na revista de bordo da TAM, a caminho de Belém: o governo se empenha em minorar os efeitos, sobre os ribeirinhos, da implantação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no coração da bacia do rio Xingu. Dá este exemplo: 275 milhões destinados a ações indígenas. Imprecisões no ar: período de aplicação dos recursos (se grande, poderia ser um nada); nenhuma pista de quais ações são essas. Em contraposição, leio entrevista do bispo D. Erwin, 50 anos dedicados às populações do Xingu, ao jornal O Liberal. Declara D. Erwin: planejadas em Brasília, as casas para as famílias compulsoriamente desalojadas e arrancadas de sua terra não levam em conta a índole do povo paraense e amazônico, bem como as peculiaridades climáticas da região; apertadíssimas e tórridas, não há como atar uma rede refrescante para um familiar, parente ou amigo; os grandes projetos governamentais são todos anti-indígenas; o povo não é o sujeito da história. Louvor à razão e sensibilidade de D. Erwin.
No respeitável Museu Zoobotânico Emílio Goeldi, acontece uma exposição sobre a cultura dos índios Ka'apos. A tribo foi escorraçada do Pará (por quem? fácil de saber), ocupando hoje a duras penas uma reserva no alto rio Tucuruí, extremo oeste do Maranhão. O mais interessante é o ritual de iniciação sexual dos rapazes. Durante aproximadamente um mês, eles são afastados de todo convívio com moças, para esquecer o medo das mulheres! Um motivo e tanto para biólogos e antropólogos: sugere fortemente que a atávica insegurança dos homens frente às mulheres -- todas as raças e etnias incluídas -- tem forte carga genética. Em tempo: o museu, que é federal, passa por grave crise financeira. Uma campanha popular de ajuda está em vigência; infelizmente, arrecadação bem abaixo de suas necessidades prementes.
A avenida N. S. de Nazaré é linda: imensas mangueiras se perfilando ao longo dos dois lados da artéria, os galhos mais altos se entrelaçando, o todo formando um túnel verde escuro de aproximadamente um quilômetro de extensão. Faz lembrar o Cour Mirabeau, a avenida de Aix-en-Provence que o britânico apaixonado pela Provença, Peter Mayle, considera a mais bela da França: troquem-se as mangueiras por plátanos*. Enquanto que morar no Cour Mirabeau é luxo só, e que a avenida Nazaré é um oásis de frescor e platitude em meio ao clima quente e úmido da metrópole amazônica, os abonados de Belém preferem abandonar a avenida, à espera de vender seus belos e largados casarões às imobiliárias dos espigões, que já começam a pintar aqui e ali, falta de um plano diretor inteligente para a cidade (ou de qualquer plano diretor).
Os ricos e a classe média optam por altíssimas torres monocórdicas, algumas com 45 andares, em áreas desprovidas de qualquer encanto e aconchego. Selva de pedra. Fuga da barafunda social. E assim Belém vira Dubíndia: Dubai + Índia. Uma paródia de Belíndia, termo criado pelo economista Edmar Bacha para ilustrar o nível de desigualdade da economia brasileira: uma pequena e rica Bélgica (Dubai), em meio a uma imensa e contrastante Índia, curtida na dura luta pela sobrevivência.
Conclui-se com iguarias. Pratos: os deliciosos peixes pirarucu, dourada e filhote. Sobremesa: o insuperável sorvete de bacuri. O açaí, alimento de resistência dos moradores da floresta, é apreciado nacionalmente, de formas diversas; no Pará, é servido misturado com farinha de mandioca. (Não provei da maniçoba: praticamente os mesmos ingredientes de nossa feijoada, só que o feijão é substituído por folhas de maniçoba.)
Que a amazônia sobreviva!
*- Une année en Provence (Um ano na Provença), Peter Mayle, NiL Éditions, 1994.
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