sábado, 3 de setembro de 2016

Democracia



Dediquei horas a assistir às sessões da Comissão Senatorial do Impeachment da Presidente Dilma Rousseff (em compensação, as plenárias me cansaram logo). Prestei atenção especial à aguerrida senadora Vanessa Grazziotin (Grazziotin) porque ela é comunista do Partido Comunista do Brasil (PC do B), partido pelo qual militei nos idos de 1966 a 1969. Buscava compreender o que significa ser comunista, hoje. Para minha surpresa, em seu afã quixotesco de tentar salvar o mandato de Dilma, Grazziotin evocava à exaustão e de modo candente respeito à democracia e ao Estado Democrático de Direito, que estariam sendo violados por senadores chamados por ela de golpistas. Surpresa porque suponho que todo comunista é marxista (a recíproca não é verdadeira).  Não que o marxismo seja incompatível com a democracia, muito pelo contrário; a questão é bem outra.

O esforço é grande de explicar democracia marxista em um único parágrafo, mas é preciso e vamos tentar. O cerne da interpretação marxista da História é a luta de classes. A rigor, dois arquétipos de classe com interesses antagônicos: proprietário de meio de produção (patrão) e quem aluga ao patrão sua força de trabalho (assalariado, contemporaneamente). O patrão, se puder, paga menos salário; o assalariado, se puder, ganha mais salário. O corolário desse antagonismo é o relativismo da democracia: democracia dos patrões ou das elites, e democracia dos assalariados ou popular. Uma em oposição à outra. O embate político deveria girar em torno de qual democracia prevalecerá. Por outro lado, seduz admitir a viabilidade de harmonizar as reivindicações das elites com as populares sob a proteção de uma democracia absoluta ou acima das classes; contudo, quem pensa assim definitivamente não é marxista.

Grazziotin é comunista e, portanto, marxista. Qual democracia ela defendia tão ardorosamente, na comissão do impeachment? Em princípio, o dever maior de um comunista é pugnar por uma democracia popular. Entretanto, por apoiar-se em tantos e tantos artigos da constituição vigente, ela sem dúvida abraçava a democracia real, das elites. Desvio ideológico? Não necessariamente. Atente-se para o que diz Marx, nesta passagem de sua obra As lutas de classe na França de 1848 a 1850: "Ao mesmo tempo que sanciona o poder das elites*, a democracia das elites põe limites a esse poder, impondo-lhe condições democráticas que podem contribuir para a vitória das classes que lhe são hostis."  É bem possível que Grazziotin, politizada e culta como se fazia demonstrar, tenha se embasado neste texto de Marx para suas verberações políticas, com o horizonte na vitória das classes populares. Bom que nossos comunistas possam atuar livremente, sob a égide da constituição cidadã de Ulysses Guimarães. Nos tempos ditatoriais de minha militância, o PC do B era terminantemente proibido.

Não vislumbrei a resposta de Grazziotin para minha segunda pergunta: qual seria seu modelo de comunismo? Subentende-se um novo, porque o comunismo russo se apagou e a China deprime quando o quesito é democracia. Um comunismo democrático, pois não?! (Anote-se que o PC do B de meu tempo era ferrenhamente pró-comunismo chinês.) Resta-me ficar de olho em sua nova etapa parlamentar de opositora acérrima do governo Temer, como alardeia. Espero o mesmo fervor democrático e constitucional com que batalhou por Dilma Rousseff e seu governo. E que finalmente Grazziotin revele seu comunismo (democrático?).


*- No texto original, onde aparece "das elites" é "da burguesia". "Elites" é mais abrangente do que "Burguesia", só por isso mudei.
    

4 comentários:

  1. Caro Marcus,
    Acho que Rosa Luxemburg publicou algumas ideias para um marxismo democrático.

    Não posso deixar de lado o evento que lhe deu a ideia para escrever esse bilhete.
    Se maquiagem de contos públicos era motivo de destituição do chefe de executivo, nenhum dirigente ocidental poderia conservar seu cargo mais de dois anos...

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    1. Caro Stéphane,
      É tudo consequência da radical clivagem política prevalente em nossa sociedade: petismo e anti-petismo. É como no Fla X Flu do futebol: duas torcidas irreconciliáveis.

      O segundo governo Dilma foi desastroso economicamente. Os governos Lula foram manchados por grossa corrupção, agora reveladas. E Temer? Um político 'velho', sem popularidade e credibilidade. A crise brasileira só parece recrudescer.

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  2. Conheço alguns militantes do PC do B. Sem exceção, todos desprovidos de algum tipo de ideologia de esquerda. Imagino que estão abrigados na Sigla por puro oportunismo. Li recentemente a intenção do Governador do Maranhão de se alinhar ao Governo Temer a partir de Janeiro/17 por descordar veementemente do apoio do PT (será que ainda tem condições de apoiar alguém?) a um rival para a Prefeitura de São Luis. Será que Dilma lutava por Democracia na época da Ditadura?

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    1. Caro Euler,
      Suas perguntas são oportunas e interessantes. Ao leitor, de refletir sobre elas.

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