sexta-feira, 20 de maio de 2016

Israel

     Israel é a única nação do Ocidente que mantém outro povo sob ocupação. 
     Por outro lado, Israel é a única nação do Ocidente cuja existência está ameaçada.
                                                                                       Ari Shavit, jornalista israelense


O inefável cantor-compositor Dorival Caymmi gostava de repetir: "Acontece que eu sou baiano". Apraz-me dizer: acontece que são todos judeus meus grandes intelectuais Marx, Freud, Einstein, Hannah Arendt, Isaiah Berlin e Raymond Aron; e acontece que meus melhores amigos do tempo em que morava em São Paulo são todos de origem judaica. Razões suficientes para nutrir um pendor emocional por Israel ameaçado, ao mesmo tempo que cheíssimo de desconfianças para com Israel conquistador (ver a epígrafe).

O mal original de Israel: milhares e milhares de palestinos foram expulsos da antiga Palestina pelo Palmach, o exército de ocupação sionista. Limpeza étnica, ponto final. O mal de origem não se afigura expiável. Desde sua fundação em 1948, Israel ocupante jamais teve paz.

O território inicial conquistado se expandiu com a bem posterior anexação do reduto palestino da Cisjordânia, e com o cerco ao amontoado palestino conhecido por Faixa de Gaza. Muito ódio palestino. Tensão máxima, permanente. A existência ameaçada de Israel, frente à qual seu poderio militar se reduz à impotência, é o enorme preço a pagar. O jornalista Ari Shavit, em livro recente*, narra com riqueza de detalhes e muita emoção o viver acossado em um Israel ao mesmo tempo triunfante e trágico.

Israel é um país avançado, com uma pujante e diversificada economia high tech. Educação de alta qualidade e pleno emprego. Este é o triunfo de Israel. Não é suficiente, porém, para que o país possa ter vida normal, por força de grilhões tanto externos quanto internos.

Israel é um Estado judeu em um mundo árabe, um Estado ocidental em um mundo islâmico, e uma democracia em meio a regimes autocráticos ou autoritários. Latente estado de guerra de civilizações. Como se não bastasse, o país se encontra politicamente debilitado, à mercê de invencíveis disputas internas. Os colonos judeus emigrados da Europa e dos Estados Unidos se insurgem contra a disciplina e a moderação política; os pacifistas bradam contra a criação de novas colônias nos territórios ocupados; os liberais têm ojeriza ao Estado todo-poderoso; judeus orientais contra a dominação ocidental; ultraortodoxos contra o secularismo; individualistas contra o sufocante coletivismo sionista; israelenses palestinos (sim, eles existem) contra o nacionalismo judaico. O mal-estar é profundo. Os partidos políticos não têm propostas abrangentes para enfrentar os enormes e complexos desafios que se apresentam; curto e grosso, os políticos não se salvam da mediocridade. Nos dizeres de Ari Shavit, em sua sétima década Israel é um Estado-nação bem menos sólido do que era quando tinha dez anos de existência.  

Viver em um país de prontidão militar ininterrupta: não enlouquecer é preciso. Refiramos-nos apenas aos jovens soldados. Nas noites de sábado, eles ocupam a eletrizante capital, Tel Aviv. Nada de bebida alcoólica: só água e laranja. Mesmo assim, entram em frenesi nas pistas de dança das boates de todas as cores, da meia-noite até às seis da manhã. E quando a noitada termina, eles correm para os veículos militares que os esperam para levá-los de volta ao Líbano, aos territórios ocupados da Cisjordânia, aos arredores de Gaza ou ao quinto dos infernos. Meninos soldados que se despedem das namoradas, vestem seus uniformes e partem sem a certeza de estar vivo no sábado seguinte: é de amargar. E o que se passaria em sua psique? Ainda que ótimos soldados na acepção militar, eles estão é de saco cheio do papo furado das natimortas negociações de paz, da política, dos ataques terroristas, dos fanáticos religiosos, dos territórios ocupados e do serviço militar. (As meninas soldados de Israel existem e são numerosas: vale para elas o que foi dito sobre os meninos.)

Meninas e meninos de Israel, meninas e meninos palestinos, vocês são a derradeira esperança de paz genuína entre israelenses e palestinos.


*- Minha Terra Prometida -- O Triunfo e a Tragédia de Israel, Ari Shavit, Editora Três Estrelas, 2016.

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