sexta-feira, 13 de maio de 2016

Freud



Sigmund Freud (06/05/1856 - 23/09/1939), Pai da Psicanálise, é uma das mentes gigantes da Humanidade. Decorridos quase 80 anos de sua morte, a psicanálise continua viva através da prática de numerosos profissionais de saúde mental, os psicanalistas freudianos. Tão vigorosas também, as metáforas mitológicas empregadas na construção da teoria psicanalítica têm regalado e propiciado ainda mais luxuosidade à grande literatura. Pari passu, todo o sistema de Freud tem sido foco de um intenso e rico debate revisionista, o que não deixa de ser muito natural e salutar. O espectro das discussões é amplo. Dediquemos atenção a duas correntes de crítica: (1) o negativismo face ao autor e sua obra e (2) o inventário do que é perene e do que é descartável no edifício freudiano.

O historiador inglês Paul Johnson adotou como método examinar primeiro a vida íntima das personalidades históricas que ele retratou em seu livro, Os Intelectuais. Moralista desumano que é (qual o seu quinhão de hipocrisia?) e desconfiado dos intelectuais, ele não encontra dificuldade para ver em seus biografados sinais de 'personalidade pervertida', a fim de chegar aonde queria: que os legados deles, intelectuais, são obrigatoriamente 'perversos'. Opinião de Paul Johnson, claro. Tudo de maneira brilhante, reconheça-se. Faz escola.

A psicanálise, sendo uma doutrina sobre o papel proeminente da sexualidade -- desde a tenra infância -- na formação da personalidade, é passível de assustar. O que dizem da vida privada de Freud seus pesquisadores à Paul Johnson? Um burguês libidinoso, frequentador de bordéis, punheteiro (pois é, até a masturbação), incestuoso (teria engravidado a cunhada). Mesmo que sem prova nenhuma, botaram na cabeça que Freud era uma espécie de Dona Bela "Só pensa naquilo!", do grande humorista Chico Anysio. Daí a vislumbrar a psicanálise com olhos enviesados é só um passo. Entretanto, em se tratando de ilustres críticos, o discurso anti Freud é muito mais rebuscado. Por exemplo, o espanhol Javier Sampedro, doutor em genética e biologia molecular e inclinado ao cientificismo, assinala que a teoria psicanalítica não tem base científica: não é um modelo que possa ser provado correto ou falso por observação ou experimentação. Convém-lhe pois ignorar que a prática psicanalítica, bem sucedida em tantos casos, basta para atestar a validade -- sem rigor formal -- da doutrina.

Passemos à outra corrente de crítica, pontuada pela reputada especialista francesa em psicanálise, Élisabeth Roudinesco. Ela também acha imprescindível saber como havia sido a vida particular de Freud. O que lhe parece fora de dúvidas: ateu, mas de forte cultura judaica; nem puritano e nem libertário: acreditava que as pessoas deveriam controlar suas pulsões sexuais; no plano político, um conservador. Freud não era um homem sedutor e tampouco tinha suficiente ímpeto sexual, palavras de Élisabeth Roudinesco. Prossigamos com ela.

Mentor de uma revolução libertária e que conduziu à modernidade, Freud era um incoerente? Como todo ser humano, ele errou muito e enfrentou mil contradições, porém conseguiu criar uma doutrina "a meio caminho entre o saber racional e o pensamento selvagem, entre a medicina da alma e a técnica da confissão". Um século atrás, um perturbado mental era enfiado em um sanatório, entupido de remédios e tratado como um louco. Hoje, o mandamento da psicanálise é: "Cuide de si mesmo. Não deixe que o tratem como um sujeito que consome medicamentos passivamente". Quem não é capaz de verbalizar sua história pessoal está condenado à estupidez.

Não impede de reconhecer que a psicanálise precisa mudar para sobreviver. Tem que se transformar. Não é mais aceitável deitar-se em um divã três vezes por semana durante até vinte anos (sic). Custos caríssimos em tempo e dinheiro. Ao contrário, deve apostar em tratamentos bem mais curtos e ao alcance financeiro de uma ampla gama de pessoas. A interação psicanalista - paciente deve se dar cara a cara. Abaixo o divã anônimo! Ademais, inteligência e cultura permanecem requisitos sine qua non à boa formação de um psicanalista.

Concedamos a palavra final a Élisabeth Roudinesco: Freud nos tornou heróis de nossas vidas.

3 comentários:

  1. Grande Marcus: excelente texto, como de costume.
    Freud é um dos meus heróis. À luz da ciência, suas teorias são fracas (não podem ser falsificadas como Kopper exige de toda teoria), mas o cara adentrou a escuridão e tentou explicar as forças que agem na mente humana. Ele estava errado, parcial ou totalmente? Tanto faz. Ele era um gigante cujos ombros foram um pilar para alçar os que seguiram. Newton estava errado, como Einstein mostrou. Einstein está provavelmente errado, como mostrará a próxima teoria que melhor explicará o universo.
    Da mesma forma, Darwin é um dos meus heróis. Sua grande teoria resiste até hoje mas é bem possível que venham a sofrer mudanças no futuro. Essas duas pessoas são heróis pela coragem de expor suas teorias enfrentando preconceitos da época. Quase tudo que Aristóteles escreveu no campo científico acabou na lata do lixo. Por isso ele não foi importante?

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  2. Sobre Freud, acho importante ler também críticas da sua obra.
    Recentemente, o livro do filosofo mediático Michel Onfray fez debate aqui: “Le crépuscule d’une idole – L’affabulation freudienne” (vi que existe uma tradução em português chamada “E se lhe dissessem que Freud é uma fraude? ”.
    Livro interessante, documentado que fez polemicas com os freudianos aqui na França. Recomendo.

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    1. Obrigado, Stéphane. Entra em minha agenda de leitura.

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