sexta-feira, 10 de julho de 2015

Euro, Uma Ilusão Monetária?



O francês Emmanuel Todd* publicou em 1998 um polêmico e premonitório ensaio, L´Illusion Économique (Éditions Gallimard), no qual argumenta à fartura que o livre comércio e a moeda única europeia são conceitos incompatíveis, sentenciando o Euro ao fracasso. À altura de 2015, o mínimo que se pode dizer em favor do libelo anti unidade monetária de Emmanuel Todd é que a zona do Euro tem desde então vivido uma ascendente crise política, social e econômica.

A análise de Emmanuel Todd -- não nos esqueçamos, 'estamos' em 1998 -- parte da seguinte premissa: a globalização, eufemismo moderno para a liberação mundial das barreiras alfandegárias, se fará acompanhar da queda durável da taxa de crescimento e do formidável aumento das desigualdades no interior dos países ocidentais desenvolvidos. O problema é que consumo e produção de bens se dessintonizarão, às expensas da distribuição de renda. Aumentar a produtividade (leia-se: diminuir salário, cortar emprego) virará o mantra dos privilegiados e dos governos (dos privilegiados).

Por que a dessintonia consumo-produção se agudizará com a globalização? O livre comércio separa geográfica, cultural e psicologicamente a oferta da demanda. Um país A produz para os consumidores dos países B, C, D, E e reciprocamente. A demanda se dissocia em interior e exterior. Para ser globalmente competitivo, a prioridade é a demanda exterior. As classes abonadas de A, B, C, D e E acharão maravilhoso comprar importados de alto valor agregado cada vez mais baratos.

Em contraposição, a demanda interior entrará em crise. Na esteira, desemprego, baixos salários, PIBs com crescimento pífio, quando não recessão. Solução possível? Protecionismo seletivo + câmbio flutuante. As novas governanças ocidentais abominam o protecionismo. Moeda única é câmbio fixo. O Euro não poderá dar certo.

No contexto europeu, sem protecionismo e com câmbio fixo, um país mais fraco economicamente como Portugal precisará comprar de países fortes -- Alemanha, França -- produtos essenciais caríssimos, ao passo que dificilmente poderá vender seus caríssimos produtos não essenciais. Tudo em euro hiper valorizado. Resultará que os países fortes se tornarão mais e mais credores dos países fracos, acentuando assim a desigualdade nas trocas comerciais e os desequilíbrios financeiros. Chegará o tempo em que os países fracos não poderão honrar suas dívidas para com os países fortes. Os fortes por sua vez padecerão da concorrência exterior, como a da China, livre para flutuar sua moeda.

Tem muito mais. Os países do bloco europeu são muito diferentes entre si, além de língua e cultura. As constituições são diferentes, assim como as políticas industrial, agrícola, bancária e trabalhista. Jovens portugueses qualificados enfrentarão cada vez mais dificuldades para trabalhar em países fortes, eles próprios também em crise, devido às barreiras que lhes serão impostas por poderosos sindicatos. Alemanha e França não anteverão economia de custos para investimentos produtivos em países fracos. Em suma, a União Europeia não é integrada como uma nação, o que impedirá a necessária mobilidade de capitais produtivos e de mão de obra para os ajustes socioeconômicos.

Assim falava Emmanuel Todd no já longínquo 1998. Voltemos a 2015. Emmanuel Todd se confirma. Pequenas atualizações: troque-se Portugal pela Grécia (não impede que Portugal, Espanha e Itália estejam firmíssimos na linha de tiro da crise europeia); a China, o grande ganhante da globalização, entrou há algum tempo na zona de desconforto, eis o novíssimo estouro da bolha de ações de suas empresas. Emmanuel Todd só não pôde prever que o Euro é duro de queda, ou que a esquizofrenia das lideranças europeias não parece ter limites.

Considerações à margem. É preciso refutar a posição simplista (as opiniões simplórias são quase sempre perigosíssimas) de que a culpabilidade da hecatombe grega recai sobre sua população gastadeira e irresponsável. É falso. A imensa maioria do povo grego tem sido estuprada financeiramente lá se vão cinco anos, para ver a dívida do país dobrar no mesmo período. O dinheiro emprestado pelos demais membros da comunidade europeia e pelos agentes privados cai nos bancos e nunca nas agências de desenvolvimento. Corrupção negra, branca, sabe-se lá de que cor: a minoria que comete crimes financeiros -- entre governantes, financistas, empresários e acólitos dos poderosos -- que vá para a cadeia. Viva a Grécia!  


*- Historiador, antropólogo, demógrafo, sociólogo e ensaísta. Neto do romancista e filósofo Paul Nizan. Primo em segundo grau do antropólogo Claude Lévi-Strauss.

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