O rio Yangtzé é portentoso, em todas as medidas. Maior da Ásia, com 6.300 km de extensão. Caudaloso: vazão média de 30.170 m3. Percorre a China de ponta a ponta, mais precisamente no sentido noroeste - sudoeste - centro - este. Desemboca na capital econômica e maior cidade da China, Xangai. Seu curso inferior atravessa uma região densamente povoada e altamente industrializada. É o rio da unidade nacional chinesa, com sua bacia de 1.808.500 km2.
(Coteje-se-o com nosso rio da unidade nacional, o São Francisco. Os números deste último são comparativamente modestíssimos: extensão 2.830; vazão 2.943; bacia 641.000. Ao contrário do Yangtzé, é um rio de sertões -- "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa --, muito distante de nossas zonas populosas e industriais.)
O rio, longe das margens |
Para aguçar nossa perplexidade com fenômeno tão excepcional, as causas não são as habituais da degradação dos cursos d´água: nem seca e nem poluição. Não obstante, devem-se às drásticas intervenções humanas no fluxo do imenso rio. As conseqüências vão muito além da mera transformação estética, e são muito graves. Examinem-se os motivos e seus efeitos.
A China, "fábrica do mundo" -- epíteto cada vez menos orgulhoso, tal o ônus ambiental --, é avara de energia. Maior queimadora de minerais fósseis de mundo, como também é líder em produção de energia elétrica. No Alto e no Médio Yangtzé, pululam barragens geradoras grandes e médias. Três Gargantas, a última hidrelétrica antes do Baixo Yangtzé, é simplesmente a maior do planeta. No percurso do rio por entre as barragens, foram construídos diques de contenção das águas do rio, para evitar a inundação de terras agricultáveis. A conjunção barragens - diques impede que o enorme caudal excedente descendo pelo Baixo Yangtzé carregue sedimentos anteriormente provenientes da erosão das margens. A água límpida é entretanto riquíssima em minerais corrosivos, livres de corroer na ausência de sedimentos neutralizantes. Com poder de literalmente derreter e cavar a calha calcária do rio. A uma velocidade impressionante. Profundidade média superior a 100 m, em rápido aumento. O Yangtzé se confina em sua calha abissal, por metade do ano.
O vale do Baixo Yangtzé é pontilhado de lagos, médios e pequenos. Centenas de comunidades dependem deles: abastecimento d´água, pescados, plantações de arroz. Os lagos se intercomunicavam com o grande rio, se alimentavam dele. No período seco, ficam agora apartados do rio estreitado. Secam. Calamidade pública: falta d´água e de alimentos.
É outra consequência deletéria de geração hidráulica de energia, por bizarra que seja. Louve-se o imenso esforço da China em reduzir sua dependência de energias fóssil e hidráulica. Já se tornou outrossim a maior produtora de energias solar e eólica. A anotar que tudo para ela ainda é pouco.
Na contramão dos esforços planetários por preservação ambiental, a governança brasileira prossegue inebriada de petróleo do pré-sal e de hidrelétricas. (Quase todo dia surgem denúncias perturbadoras dos impactos altamente negativos da usina de Belo Monte para a ecologia amazônica. Apenas um exemplo.) A permanecer essa miopia estratégica, o Brasil poderá ser advertido na conferência sobre o clima, a realizar-se em Paris, no final deste ano. Nos desdobramentos, os riscos de sanções econômicas aparecerão.
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