sexta-feira, 13 de março de 2015

A Era do Gratuito?!



Nestes tempos em que o dragão da inflação brasileira reaparece indomado, comendo com todo o apetite nossos salários, é reconfortante ouvir de alguém com pedigree que estaríamos no limiar de uma nova era de abundância, na qual tudo seria muito barato, quiçá gratuito. Deixemos, por enquanto, a desconfiança de lado e demos voz ao fulano.

Refiro-me ao norte-americano Jeremy Rifkin. Ele é um consultor (êpa! atividade altamente suspeita no cenário político brasileiro de hoje). Suas áreas de atuação: economia, energia e mudanças climáticas. Seus grandes clientes: o Parlamento Europeu e vários Chefes de Estado europeus. Simplificando, ele é um sofisticado 'vidente', prestando seus serviços à governança global. Para quem quiser conhecer em profundidade sua futurologia, ele é autor de vários livros.

Rifkin alicerça toda a sua prospecção sobre o progresso humano na hipótese da evolução célere da super internet: dos dados, dos objetos e da energia.

Suas previsões acertadas sobre o crescimento da internet dos dados -- a internet de hoje -- o credenciam: em 1989, antes portanto da web, ele dizia que em 25 anos 40% dos seres humanos compartilhariam dados nela. Em nossos dias, a consequência mais importante é a democratização da produção e da distribuição de bens culturais. Cada pessoa pode em princípio produzir seu próprio livro ou seu próprio álbum musical. Todo o mundo começa a se tornar concorrente, logo os preços de livros e discos só tenderiam a cair até à gratuidade.    

Rifkin aposta em um fenômeno de expansão similar em relação às outras duas internets, objetos e energia: troque-se 1989 por 2014 e retome-se o horizonte de 25 anos. Em 2040 aproximadamente, lâmpadas, telefones celulares, tablets, máquinas de lavar, motores de avião, poços de petróleo enfim tudo teria sido conectado. Existiriam uns 100 bilhões de censores em funcionamento, cobrindo recursos naturais, redes de transporte e redes elétricas. A democratização do acesso aos insumos, da produção e da distribuição de bens teria barateado tudo. Rifkin chega ao ponto de afirmar que produzir 'minha' energia não custaria mais do que um telefone, tal o avanço constante das inovações em fontes renováveis de energia e na comunicação. 'Eu' poderia programar 'minhas' aplicações energéticas de maneira a dispor na internet 'meus' excedentes de energia. Com uma impressora 3D, eu imprimiria 'meus' automóveis, distribuindo aqueles que não usaria na internet dos objetos. A abundância de bens e serviços estaria de par com baixos custos.

Enfim, a grande aposta de Rifkin é a de que o capitalismo das grandes corporações verticalizadas ou antidemocráticas, que tem arrastado o mundo à crescente desigualdade social e econômica, está nos estertores; a nova etapa do capitalismo é a das comunidades colaborativas, rumo a uma nova era de verdadeira democracia social e de abundância de bens e serviços.

Bom demais para ser verdade, não é? Infelizmente, não faltam senões ao otimismo de Rufkin. O primeiro é eminentemente filosófico: o gene egoísta das entranhas do Ser Humano não parece dar sinais de arrefecimento; bem ao contrário, a concorrência continuaria feroz e predatória, apenas sob novas formas. Em segundo lugar, existem lacunas no sistema idealizado por Rufkin que não podem ser ignoradas: com tanta produção e tanto consumo, os recursos materiais de nosso planeta seriam ainda mais rapidamente exauridos.

O historiador econômico John Komlos, da Universidade de Munich, Alemanha, é bem da prudência que eu gosto: "Devagar com o andor que a estátua é de barro". Sua tese (não é hipótese) é a de que o valor socioeconômico das novas tecnologias tem diminuído com o transcorrer do tempo, contrariamente à impressão geral. Não lhe faltam exemplos. Citemos dois. A rede Facebook substitui antigas práticas de comunicação social, todavia ela não acrescenta grande coisa a nosso bem estar, se é que acrescenta. A fotografia numérica é apenas uma evolução das câmeras Kodak: estas últimas, sim, é que eram revolucionárias. E há que considerar os novos problemas engendrados pela comunicação digital:  (1) pirataria informática, com os custos monetários e emocionais envolvidos; e (2) não se passa uma semana sem um roubo massivo de dados, perturbando os indivíduos e as empresas.

Em artigo recente publicado no diário norte-americano The Washington Post, Robert R. Samuelson afirma que é difícil não concordar com John Komlos e com muitos outros economistas céticos quanto ao futuro, como Robert Gordon, da Northwestern University de Chicago. O argumento poderoso de Samuelson concerne à 'bendita' produtividade: a produção horária média do trabalhador norte-americano caiu de 3% ao ano em 1965 para menos de 0,5% desde 2010. Registre-se que a produtividade é o primeiro fator de revalorização dos salários e das vantagens sociais.

Joseph Schumpeter, sociólogo já falecido, cunhou a expressão "destruição criadora" para caracterizar o desenvolvimento do capitalismo. Ou seja, que as novas tecnologias compensariam com vantagens as velhas tecnologias. Não é bem o que John Komlos et. al. têm demonstrado: certas novas tecnologias são simplesmente destruidoras. Urge então, como tudo na vida, buscar o equilíbrio: menos destruição, mais criação!


Um comentário:

  1. Cada vez mais me pergunto se o tanto de tecnologia que criamos traz benefícios reais. Naturalmente, algumas tecnologias trazem: aliviar a dor usando anestésicos me parece indubitavelmente benéfico. Avanços na tecnologia que permitem alimentar melhor a população mundial me parecem bem-vindos. Mas o que dizer da Internet, dos smartphones, dos jogos eletrônicos, e tantas outras coisas que nós, tecnólogos, produzimos? Chego à conclusão que meu estado atual da ansiedade e angústia se deve em grande parte, ao ritmo de vida imposto pelas novas tecnologias. Nada de novo do que estou dizendo. Várias pessoas fizem algo semelhante.
    Não sou partidário do ludismo. Não quero destruir tecnologias porque elas destroem postos de trabalho. Mas a criação de novas tecnologias, sem avaliar contingências, me parece um caminho infeliz sendo trilhado pela humanidade. Sei muito bem que essa caminhada não pode ser parada.

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