sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Sociedade da Aceleração



O que é o tempo e qual a velocidade do tempo? O tempo está para o ser humano assim como a água está para o peixe: um 'fluido' dentro do qual ele vive e se transforma. A velocidade do [fluido] tempo é constante. Acontece que as pessoas se enchem mais e mais do que fazer: o tempo lhes parece encurtar ou acelerar. Exclamações nada saudáveis tais como "vivo correndo atrás do tempo" e "não tenho tempo para nada" são a tônica. Fenômeno da contemporaneidade, quase todo o mundo se sente em descompasso com 'seu' tempo: bom mote para reflexão.

Horário flexível de trabalho (ou até mesmo redução da jornada de trabalho), meios de transporte rápidos, comunicação imediata: nenhuma época além da nossa propiciou tanto tempo para dispor, e em nenhuma outra época as pessoas têm a impressão de falta de tempo -- a sociedade da aceleração. Ela faz adoecer mentes e corpos. O pedagogo alemão Karlheinz Geissler decortica o mal-estar e propõe novas práticas para ao menos amenizar os malefícios da sociedade da aceleração*.

Com a internet, vive-se uma falsa sensação de liberdade, caracterizada pela conexão ilimitada. A sobrecarga de esforço que isso gera não deveria ser negligenciada. Para ilustrar, nos anos 70, trocava-se em torno de mil emails por ano; hoje em dia o número pode se elevar a trinta mil. E o que dizer dos smartphones -- WhatsApp, Facebook, Twitter -- que inundam a todos de mensagens e informação? No trabalho ou em casa ou na rua, a atividade é frenética (de qualidade ou não, é outra história). A informação se torna mais e mais densa e o tempo também.

Os tubarões, não dispondo de nadadeiras, têm que se movimentar ininterruptamente. Quantos humanos padecem da síndrome do tubarão. Com a distinção de que os tubarões não têm outra alternativa de vida. Os seres humanos não se dão o direito de nada fazer: o descanso é considerado tempo perdido. A duração média de sono do homem contemporâneo diminuiu de duas horas desde o século XIX, e de meia-hora a partir dos anos setenta. Indistinção entre dia e noite, tudo é acessível a todo momento. O sono, necessidade vital, é um desperdício de tempo para a lógica "tempo é dinheiro" do capitalismo . O tempo para as interações pessoais míngua ou desaparece. A liberdade propiciada pela internet -- uma coisa muito boa, em princípio -- termina por ser ilusória e malfazeja para mentes e corpos. Solidão, estresse e distúrbios cardíacos -- em alarmante intensidade -- o atestam.

Em busca de vida saudável, é hora de libertar-se da ditadura do relógio em prol do tempo natural. Nosso corpo, como todos os seres vivos na natureza, funciona segundo ritmos. Diferentemente do relógio, que se repete com exatidão, o ritmo se repete com folga. Considere-se não usar o despertador: não impede de despertar sempre por volta de 6 horas; não exatamente às 6, um dia alguns minutos antes, outro dia alguns minutos depois. O corpo agradece. A mente também. "Mens sana in corpore sano". Eis a organização temporal afinada com nossa biologia.

Uma pequena sesta ao meio-dia: o corpo precisa de pausa. (Não precisa exagerar como em Pamplona, capital da província espanhola de Navarra. Cheguei lá em uma tarde de verão, pouco depois das 13 horas: tudo fechado, de 13 às 16 horas. Cidade quase deserta, pessoas cochilavam em bancos de  praças. A "siesta" é sagrada, não só no caloraço do verão como também no gelado inverno. O tempo normal é prioridade para os cidadãos de Pamplona.)

Os empresários deveriam respeitar o ritmo natural de seus empregados. Que mal haveria em flexibilizar o horário de entrada no trabalho? Em pesquisa junto a grandes grupos industriais alemães, chegou-se à conclusão que existem poucos processos de produção exigindo de seus envolvidos começar ao mesmo tempo.
   
Diz-se com propriedade que, enquanto para uma criança o tempo passa bem devagar, para um adulto ele é curto e crescentemente acelerado à medida do envelhecimento. A interpretação corrente é que quanto mais aproxima-se do fim mais aviva-se a sensação de que o restar da vida se esvai. Mas pode-se ver tudo de forma construtiva e sem fatalismo: a criança está sempre aprendendo/fazendo/vendo coisas novas -- a criança tem tempo, em seu ritmo normal (recorde-se: a criança não escolhe o lugar onde cair no sono); contrariamente e por razões sobretudo culturais, o idoso tende a perder o afã por coisas novas -- o idoso arrisca não ter mais tempo.

Este blog é um de meus aprender/fazer/ver coisas novas, impulsionado por leitores cada vez mais numerosos. Não importa a submissão parcial à ditadura do relógio, impondo-me publicar milimetricamente às sextas. Karlheinz Geissler que me compreenda: sair de meu ritmo natural, nesta caso, é um prazeroso tributo a meus leitores.


*- Courrier international, 02-08/02/2017.

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