sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Econoceticismoˠ

ˠ- Neologismo para designar o ceticismo face a políticas econômicas centradas em arrocho fiscal.


O econoceticismo tem sido a tônica das discussões sobre diretrizes (macro)econômicas. Às favas a ortodoxia -- a economia dominante -- que asfixia os governos de praticamente o mundo todo com suas orientações de política econômica completamente divorciadas dos grandes problemas do mundo real, tais como as desigualdades e a instabilidade financeira.

Um basta na estagnação europeia. Finalmente, Bruxelas compreendeu que, a cumprir o receituário da economia dominante de incompatibilidade entre ajuste fiscal e crescimento econômico, a saída da Grã Bretanha é só o começo da derrocada final da União Européia. Insuportável o estrangulamento econômico vivido pela Grécia e, em menor medida, por Portugal e Espanha. Itália e França também estão longe, longe, de investir o suficiente para desamarrar suas economias claudicantes.

Para evitar o desastre final da União Europeia, Bruxelas por fim encampa as novas recomendações do FMI, do G-20, do G-7 e até do Banco Central Europeu que pleiteiam um estímulo fiscal "expansivo" para todos os países em dificuldades. Chega ao ponto de afirmar que passará a fazer vista grossa aos países que claramente descumprem as metas de deficit -- casos de Espanha e Portugal --,  não deixando de drenar recursos europeus para eles. Uma maneira cabal de consumar a nova orientação desenvolvimentista (!).

Nos Estados Unidos, o presidente eleito Donald Trump propõe um estímulo a mais de um trilhão de dólares à economia, o que já causa alvoroço nos meios econômicos mundiais. (Espero ter deixado claro, de outros artigos, que minha veemente oposição a Trump não é contudo cega.)

Os economistas ortodoxos ou se reciclam ou cairão no descrédito total. Da mesma forma que o ensino de economia precisa passar por revisões profundas. Considere-se a crise financeira de 2008: foi a pior desde 1929 e os professores das matérias econômicas continuam a dar suas aulinhas repetitivas como se nada tivesse acontecido. Esquecem que o grande objetivo do estudo da economia é o de tornar o mundo melhor e não para aumentar os lucros do setor privado. Alto e bom som: mostram-se cruelmente ineficientes em apresentar previsões e soluções que beneficiem o conjunto das populações.

O fracasso mais retumbante da economia dominante foi sua incapacidade de prever o crash financeiro de 2008. Chocante, contrastando com a pretensão de ser um sistema racional e adaptativo às perturbações ocasionais. Enfim, de querer que a economia seja um conjunto imutável de regras e leis que não se pode nem questionar e nem duvidar. Uma ciência, como a Física? Não, não é.

Bem ao contrário, Economia é uma matéria por natureza contestável e interdisciplinar. Indispensável o ensino também de matérias complementares, tais como Filosofia da Economia, História da Economia e Ética. Uma formação mais pluralista, mais crítica e mais liberal. (Sem dispensar, claro, o rigor: a construção e validação de modelos econômicos não dispensam sólida familiaridade com a matemática. Modelos são indispensáveis para que seus autores demonstrem que realmente entendem do que estão falando.)

Seria pertinente falar de escolas brasileiras de pensamento econômico? Infelizmente, não. Nossos mais incensados economistas têm sido incapazes de propor modelos para o Brasil (já vai longe o tempo do grande economista paraibano, Celso Furtado). Não passam de boçais imitadores dos "dinossauros do ensino da economia" -- a expressão é do jornal londrino Financial Times --, enredados em fórmulas matemáticas e modelos abstratos desconectados do mundo real. Pior, cuja aplicação só tem infelicitado os países e os povos. Evocando o sempre atualíssimo Nelson Rodrigues: E agora, seus portadores de complexo de vira-lata? Quando vão entender que o controle dos gastos públicos é apenas uma parte -- talvez bem pequena -- da solução para o desenvolvimento do Brasil? Nossa dívida pública precisa de alívio, crescimento já!

3 comentários:

  1. Meu caro Marcão

    Acho que nosso problema não é de desenvolvimentismo nem de "austeritarismo". Nosso problema é que a taxa de crescimento de nossas despesas é muito maior que a taxa de crescimento de nossas receitas e se isso continuar não tem modelo desenvolvimentista que resolva. Exemplos: a taxa de aumento de nossos planos de saúde é maior que a dos nossos salários, idem para a taxa de aumento das nossas escolas particulares (acabou de sair o índice para o ano que vem, 15%). A taxa de aumento real dos salários do serviço público é maior que a taxa de aumento das receitas dos estados e da união. A maioria dos estados já compromete com funcionalismo mais que a lei de responsabilidade fiscal permite. Os que oficialmente ainda não o fazem é por maquiagem em conluio com os respectivos tce's. E a previdência? Como pode um sistema se sustentar com os descalabros que todos já sabem, em todos os níveis? Nas polícias estaduais há mais coronéis aposentados que na ativa. No campo pessoas se aposentam sem que tenham contribuído com nenhum tostão. Exemplo: o marido da nossa empregada vivia do trabalho dela, agora, aposentado, vai viver do trabalho dos demais. Não vejo como iniciar um processo de desenvolvimento sustentável sem que antes resolvamos esses gargalos. Não vejo nenhum país europeu, a não ser de alguma forma a Grécia, com tais desajustes na sua economia. De qualquer forma, se quiserem investir contam com taxas de juros até negativas, nós, com as mais altas do mundo, que por mais que se queira não diminuirão por mero voluntarismo de plantão. Veja o que aconteceu com Dilma. A meu ver, estamos condenados a sofrer por um bom tempo até que adquiramos educação política e econômica suficiente para virarmos o jogo e sermos um "tigre asiático".

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    1. Meu caro Bernardo,

      Concordo com tudo o que você escreveu em seu longo e profundo comentário. Só parecemos discordar no que diz respeito ao processo de resolver a crise.
      O ponto é o seguinte. O governo só cuida de diminuir as despesas, sem entretanto mexer nos imorais juros que fazem a dívida pública crescer à velocidade da luz. Nada sobre o crescimento da receita. Ou seja, primeiro uma coisa (corte de gastos) e só depois (muito tempo depois?) o aquecimento da economia (receitas).
      A insistir nesta sequência, estamos de fato "condenados a sofrer por um bom tempo". Reajo contra esta condenação: as duas coisas, despesas - receitas, podem ser atacadas juntas.

      P.S.: Dilma só cuidava da receita.

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