sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Desafio do Abandono



Várias grandes cidades norte-americanas e a quase totalidade das metrópoles latino-americanas sofrem de um mal terrível de desurbanização. Desprezados em círculo vicioso pela classe média e pelos poderes público e privado, bairros inteiros das regiões centrais são relegados ao completo abandono, tornando-se espaço de famílias desassistidas e de párias sociais de todo tipo.

Chicago, a portentosa capital do meio-oeste norte-americano, apresenta em alto grau o problema.  O apartheid, no pior estilo África do Sul pré-Mandela: a zona South Side é o populoso e principal gueto negro. Em seu interior, o devastado bairro Greater Grand Crossing: terrenos invadidos por mato, prédios e prédios vazios, casas e casas em risco de tombar, renda média inferior em 20.000 dólares à do conjunto da cidade. Antro de viciados em crack e outras drogas. Até há pouco tempo, ausência de todo sinal de vida comunitária.

O imenso desafio: revitalizar o depauperado bairro sem deslocar seus habitantes. Ideias não têm faltado: Chicago se afirma como a cidade onde se inventa a megalópole do amanhã. Uma de suas estrelas é o arquiteto Theaster Gates, que já cuida de Greater Grand Crossing. O outro imperativo é dinheiro: a Foundation Rebuild ("Fundação Reconstruir"), sem fins lucrativos, e o Departamento de Artes e Vida Pública da Universidade de Chicago têm recebido generosos donativos, na esteira do prestígio e da respeitabilidade de Gates e das duas instituições patrocinadoras.

Alguns exemplos de obras já realizadas. Uma antiga loja de bombons foi transformada em atraente biblioteca, aberta às carentes escolas públicas do entorno (alunos negros, praticamente: em toda Chicago, somente 9% dos alunos brancos são escolarizados em escolas públicas). Um lugar de drogados foi convertido no cinema Black Cinema House ("Casa do Cinema Negro"), que faz sucesso ao projetar filmes afro-americanos e organizar debates a respeito. Theaster Gates é um saudável visionário: ele quer transformar Greater Grand Crossing em uma miniatura de Versalhes (!), que atrairia visitantes de todos os horizontes. Ele está atento ao turismo interno em Chicago, que é fortíssimo: 51 milhões de visitantes norte-americanos, só em 2015. Após conhecer um Greater Grand Crossing bonito e pulsando de vida cultural, talvez essa imensa leva de norte-americanos despreze ou atenue seus preconceitos racistas.

Desloque-se a atenção agora para Fortaleza. Visto do alto, o centro expandido da cidade parece um extenso tabuleiro retangular de xadrez, com aproximadamente 2 km2 de área. Por toda a parte, predomina o estado largado das edificações e dos passeios, e a ausência de qualquer investimento público ou privado de vulto. Uma pena, porque fosse outra a atenção, seus casarões, parques e monumentos voltariam a reluzir de beleza. Não faltam arquitetos e urbanistas de excelência. Mesmo com a crise econômica, não seria impossível a adesão de fortes grupos empresariais locais, desde que devidamente esclarecidos sobre a notabilidade e os benefícios da requalificação do potencialmente melhor de Fortaleza, qual seja, sua região central. Os poderes públicos, notadamente a prefeitura municipal, entrariam como catalisadores de recursos privados para o projeto. Alô, alô, Sr. Prefeito, pensar grande é obrigação!


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Por motivo de viagem, não publicarei na próxima sexta, 24 de junho. Até a outra sexta, 01 de julho!


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