sexta-feira, 11 de março de 2016

70 Anos



Maturidade. Não sou movido a certezas. Pelo contrário, muitas vezes acontece de sentir-me um completo ignorante. De constância, apenas esforço-me para aperfeiçoar o imperfeito.
   (Gilberto Gil canta belamente:
     ...
     a perfeição é a meta
     defendida pelo goleiro
     que joga na Seleção
     e eu não sou Pelé nem nada
     se muito for, sou um Tostão
     fazer um gol nesta partida
     não tá fácil, meu irmão!)
Ah! sim, tenho uma certeza: essa estória de maturidade aos 70 é pura balela.
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Ser gauche na vida. Não me é fácil a convivência com a geração Internet: todo o mundo acha que sabe tudo sobre tudo. Todo o mundo é definitivo, certo ou errado, assim ou assado, sem deixar lugar para dúvidas. Deparo-me em situação de desestímulo e deslocamento, ou com a sensação de ser gauche na vida.
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Amizade. Ter amigo é dispor de alguém para um papear gostoso e saudável. Ignorantes desarmados, que se estimulem mutuamente a clarificar conceitos e viver melhor. Não pode haver diálogo enriquecedor entre sabichões: conversar o quê, para quê? A anotar também a moderna tirania da falta de tempo: todo o mundo se julga 'hiper produtivo' (chamo a atenção para as aspas), em prejuízo do lazer e do convívio social. Razões pelas quais as amizades definham ao mesmo tempo que os comportamentos agressivos irrompem com intensidade impressionante. Que pena! 
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Ser à gauche na vida. Eis-me diante de um jovem esquálido e maltrapilho -- não mais de vinte anos --, a procurar por lixo num depósito de lixo. Ele joga lixo fora, joga, joga, e não encontra nada. Deixa todo o lixo espalhado na calçada e vai-se. Um pária. Apesar da cena degradante, reflito: ele foi criança, como nós. Crianças não têm culpa, crianças não pedem para nascer. Penso ter explicado porque considero-me de esquerda (à gauche).
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O Brasil. A aguda crise brasileira parece ser daquelas que ou vai ou racha. Tomara que vá!
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Morar em Fortaleza. Adoro passear na praia, adoro a comida. Mas não suporto o caloraço da cidade, se bem que nascido na fornalha de meu querido Icó, no alto sertão. O calor tem me impedido de fazer uma das coisas de que mais gosto: perambular a esmo pelas ruas da cidade. Cadê as árvores protetoras? As saliências e reentrâncias das calçadas e calçadões sem conservação também me são empecilho: já desmoronei algumas vezes.
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Sexo. Em todas as idades, faz-se sexo quando dá vontade. Me dá vontade.
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Família. A família é parte de mim.
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Saúde. Meus problemas de saúde são o glaucoma e a pressão alta, ambos graves porém aparentemente controlados. Se não extrapolar, ainda me restarão uns bons anos de vida.
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Lucidez. Minhas matérias postadas neste blog acrescentam? São coerentes? A avaliação é dos queridos leitores.

5 comentários:

  1. Muito bem. Quando temos consciencia do entorno vivemos com mais sobriedade. Parabens pela reflexão dos 70 e pela oportunidade que nos dá de curtir os belos artigos semanais no se Blog.

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  2. Meu amigo Marcus,
    Seu belo texto confirma sua lucidez e, como sempre, me deixa com admiração (e uma ponta de inveja) pelo estilo fluído.
    Adorei a frase: "[Amigos são] Ignorantes desarmados, que se estimulem mutuamente a clarificar conceitos e viver melhor."
    Gostaria de te encontrar para discutirmos nossas ignorâncias, como fazíamos no passado. Quem sabe em Vancouver, onde poderemos "perambular a esmo pelas ruas da cidade".
    Forte abraço.

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  3. Caro Marcus,
    Quando li teu texto, eu tive saudade de nossas conversas, sempre animadas, que foram no Brasil ou na França. Tomei consciência que são esses momentos que são importantes na vida. Espero que conseguiremos compartilhar novamente bate-papos, porque não caminhando nas ruas de Paris ou Fortaleza, pois gosto também de andar nas cidades (por exemplo depois de visitar o Jacques em Vancouver ;).
    Aos 70 anos, o Charles de Gaulle era apenas eleito presidente da V República, o Georges Clemenceau não era ainda o ministro quem ganhou a 1ª Guerra Mundial e mais próximo o candidato hoje favorito para Presidente na França é Alain Juppé, 71.
    Continua com essa grande curiosidade intelectual que sempre admirei!
    Abraços

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  4. Em Fortaleza, ficou difícil, pelas razões expostas. Mas perambular pelas ruas de Vancouver e de Paris ... entrou na pauta!

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