sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Capitalismo Estatal e Quejandos

     O poder -- a soberania nominalmente popular -- tem donos que não emanam da nação, 
     da sociedade, da plebe ignara e pobre. (...) O povo oscila entre o parasitismo e a 
     mobilização das passeatas. (...) A eleição, mesmo formalmente livre, reserva ao povo a 
     escolha entre opções que ele não formulou.

                                                                Raymundo Faoro (1925 - 2003), jurista e escritor
                                             

A epígrafe foi pinçada da indispensável obra Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro - 5a. Edição, Raymundo Faoro, Globo Editora, 2012. Um amplo estudo, que vai desde o Brasil Colônia até o fim da República Velha (1930), dissecando a simbiose público - privado e o divórcio poder - povo, fatores desgraçadamente imperantes no âmago da governança brasileira. Epígrafe na cabeça, pergunta-se: o Brasil politicamente feudal de 1930 persiste em 2015? Em busca de resposta.

Faoro finca sua pesquisa na dimensão cultural. O clientelismo, os laços de sangue, o compadrio aportaram com as caravelas de Cabral. Mudaram os cenários, porém o enredo permaneceu.

Impõe-se, outrossim, entender nossa deformação política pelo viés econômico. Tanto quanto a democracia política faltante, nunca houve no Brasil uma verdadeira democracia econômica. Em pleno 2015, o Estado Brasileiro é dono de 40% do mercado bancário, do total da produção de petróleo e de 70% da geração de energia. O capitalismo estatal tem sido sempre largamente predominante. Com partidarização deletéria das empresas estatais, sob o(s) partido(s) do poder da vez. Por seu lado, o capitalismo privado é fraco, discriminatório e dependente de benesses do Estado; grandes companhias particulares não sobrevivem sem o patrocínio governamental quanto a créditos, contratos e subsídios. Tudo caminho pavimentado para a corrupção, cujas entranhas têm sido expostas à Nação como nunca dantes.

O Governo é o governo dos 'amigos', o matiz ideológico servindo apenas para confundir os incautos. Vejam-se as empresas "campeãs nacionais" -- na verdade, da copa-cozinha do poder --, que as autoridades tratam como estratégicas, e que são beneficiadas com crédito multimilionário e barato do banco público de desenvolvimento, BNDES. O descompromisso com a eficácia é a norma: as inadimplentes sabem que serão perdoadas ou que não serão punidas.

Outra evidência da fragilidade de nosso capitalismo privado: as empresas públicas pagam em média salários muito melhores. É por isso que o grosso da juventude capaz e estudiosa se orienta para os concursos públicos, em vez de procurar empregos privados. (Dou o exemplo de casa: meus dois filhos mais velhos são concursados; o terceiro, prepara-se para tal.)

A consequência ruinosa do capitalismo estatal é o inevitável estado mastodôntico e intervencionista, com seu cortejo de enorme burocracia e altos impostos, tudo entrave ao empreendedorismo. E tudo a favor da corrupção.

Eficiência e produtividade não parecem afinadas com o capitalismo estatal. Eis um exemplo recente. Enquanto as exportações de nossas matérias primas eram favoráveis, intervenções governamentais -- como incentivos setoriais e controle artificial da inflação -- foram realizadas à exaustão no primeiro governo Dilma Rousseff, na ambição de promover crescimento a qualquer custo. Cessados os ventos internacionais favoráveis, o modelo 'desenvolvimentista' ruiu como um castelo de cartas, porque não alicerçado em eficiência e produtividade.

Mesmo diante de tanto atentado às sanidades política e econômica, temos fundadas esperanças de que o Brasil começa a mudar, no sentido de tornar-se uma verdadeira democracia política, social e econômica. O povo vai deixando a condição de "plebe ignara e pobre" e de "parasitismo", na visão dolorida de Raymundo Faoro (ver epígrafe). Começa a participar, vigiar, exigir. A corrupção sofre avarias: assistimos às até há pouco impensáveis prisões de políticos de nomeada, de grandes empresários e de mega banqueiros, todos condenados / acusados de fartas falcatruas. A população coloca a corrupção como a principal ferida nacional, acima das agonizantes situações da saúde e da educação; exige que ela continue a ser atacada com destacada prioridade.

Joaquim Barbosa, exemplar julgador do Processo do Mensalão, é a personalidade mais admirada do Brasil. Ótimo. Joaquim Barbosa foi também de extrema lucidez em entrevista recente concedida ao jornalista Roberto D'Avila: a histórica ausência de democracia econômica está na raiz de todas as outras nossas mazelas. A sociedade, na medida de sua participação e capacitação, ditará os rumos do Governo, e não o contrário. Na esteira, a eleição reservará ao povo a escolha entre opções que ele próprio formulará.
                                                                   

Nota - Por que Eduardo Cunha ainda não está preso preventivamente? É um dos corruptos mais desmascarados da História, e usa o terceiro cargo mais importante da República para ostensivamente impedir as investigações contra ele. Onde estais, STF?!

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