quinta-feira, 14 de maio de 2015

Governança Empresarial em Crise



Dois super executivos, brasileiros. José Sérgio Gabrielli: sucessivamente diretor financeiro e de relações com investidores, membro do Conselho de Administração e presidente da Petrobras. Maria das Graças Foster: diretora de gás e energia e presidente da Petrobras. O balanço destas duas gestões presidenciais é simplesmente catastrófico para a exaurida Petrobras: planejamento estratégico equivocado, perdas colossais de ativos e corrupção gigantesca. Depondo em comissão parlamentar de inquérito, eles declararam, sem a menor vergonha: (1) não conhecem a fundo os contratos assinados pela Petrobras em seus tempos de presidente (a cargo dos diretores, disseram); (2) não era de suas atribuições o planejamento estratégico da empresa (competência do Conselho de Administração, apontaram); e (3) souberam da corrupção pela imprensa (seria cômico se não fosse seríssimo). Desnecessários e incompetentes, então. Para acirrar nossa indignação, recebiam salários altíssimos, gratificações mil, e outras coisonas mais. Para a vilipendiada Petrobras, um custo / benefício 'infinito'. Corrupção branca (ou corrupção negra? Sérgio Gabrielli está com seus bens bloqueados).

O parágrafo anterior é um exemplo, extremado e tupiniquim, do irrazoável dos super salários. O objetivo do artigo é mais amplo: examinar, ainda que de relance, o custo / benefício dos super executivos planetários.

Em sua obra fundamental, O Capital no Século XXI, Thomas Piketty identifica o aumento das desigualdades salariais que ocorre no décimo superior dos salários (ou os 10% mais elevados), na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. Nesta faixa topo, composta de pessoas com altos níveis de educação e qualificação, dá-se que os aumentos de salário têm sido muito superiores aos das demais faixas salariais, o que não constitui bem uma novidade. O destaque é a crescente desigualdade dentro da faixa topo: 1% -- o centésimo superior da população assalariada -- se descartam em evolução de rendimentos das demais pessoas da faixa, ou 9% da população assalariada. A distância 1% - 9% é mais gritante no mundo anglo-saxão (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália) do que na Europa Continental e no Japão. As razões são sobretudo culturais: Europa e Japão são tradicionalmente mais igualitários, muito embora o valor do igualitarismo venha sofrendo contínua erosão. Alto e bom som: um fenômeno específico de desigualdade se desenrola entre pessoas com os mesmos diplomas universitários e que muitas vezes seguiram as mesmas carreiras elitistas. Isso contraria o chamado princípio da produtividade marginal individual, que depende exclusivamente da educação e da qualificação.

Como explicar esses novos descompassos salariais? Os super assalariados exercem funções executivas em grandes empresas multinacionais. Como são fixados os super salários?! Em geral, pelos escalões superiores, isto é, detentores eles próprios de super salários. Em menos casos, a política salarial é mais 'democrática': comitês de remuneração, compostos de executivos seniores de outras grandes empresas. Sobre as assembleias de acionistas, elas desempenham um papel complementar, atingindo um pequeno número de postos de direção, e não o total de executivos. É inevitável que as decisões advindas de tais 'clubinhos' de faustosos executivos sejam em grande parte arbitrárias, dada a impossibilidade de estimar precisamente a contribuição de cada um para as empresas. Solidariedade de (super) classe!

Reproduzo a perfeita argumentação de Thomas Piketty, pela tradução brasileira, a respeito do centésimo superior: ""Pode ser um exagero dizer que os executivos "metem a mão", mas a imagem é mais bem adaptada à realidade do que a de uma "mão invisível", metáfora para o mercado segundo Adam Smith"".  Enfim, é balela o discurso da concorrência 'pura e perfeita', tão cara aos economistas fanáticos do mercado. Ou como diria nosso agudo matuto: quem pode, pode; quem não pode, sacode-se.

As conclusões se impõem naturalmente. A impressionante pesquisa de Thomas Piketty demonstra sobejamente a falência da governança empresarial: as formas de estabelecer as remunerações mais estratosféricas nada têm a ver com uma lógica racional de produtividade. Parece também óbvio que se as pessoas mais bem pagas determinam seus próprios salários então isso só pode conduzir a desigualdades cada vez maiores. Por outro lado, mudar o processo não será tarefa fácil: por financiar partidos políticos e órgãos de imprensa, além de influenciar governos, a super-classe chegou até ao ponto de se livrar de boa carga de impostos. Last but not least, são abundantes as notícias sobre corrupção mundial envolvendo super executivos.


3 comentários:

  1. Excelente, Marcus.
    Alguns comentários:
    1. Na minha opinião, a Petrobrás deve ser privatizada. Eliminaria todos os problemas citados. As pesquisas dizem que a população brasileira é contra a privatização. Não sei por quê.
    2. Você diz "as pessoas mais bem pagas determinam seus próprios salários". Isso não ocorre nas empresas. O conselho de administração (Board of Directors) determina o salário dos executivos de primeiro escalão.

    Iniciei a leitura de Piketty, mas parei. Preciso retomar para entender o que é considerado um livro importante sobre a economia.

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    1. A explicação sobre como são fixados os salários dos super executivos foi tirada do livro de Thomas Piketty.

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    2. Caro Jacques,
      O fenômeno descrito por Thomas Piketty é observado em empresas privadas. O comité de remuneração duma empresa é composto por executivos de outras empresas, que também tem um comité de remuneração com os mesmos.
      As assembleias gerais dos acionistas aprovem geralmente as remunerações, sendo compostas em maioria por representantes executivos de companhias de asset management.
      Pelo contrário, uma empresa pública pode ser mais exemplaria. Depois 2012 (eleição de Hollande), um executivo duma empresa pública francesa não pode receber mais de 450 000 euros por ano (o que já é bastante).

      Abraços

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