sexta-feira, 8 de maio de 2015

A Alemanha Vista de Dentro



Nós somos impingidos a pensar Alemanha como o país paradigmático no que concerne a finanças públicas, infraestrutura, educação, qualificação e remuneração da mão de obra. O mantra é o rigor orçamentário alemão. Em suas análises da Crise do Euro, nossos jornalistas econômicos não primam pela objetividade dos fatos -- ou se recusam, ou não podem ser independentes --: jocosamente, estabelecem que quase todos os demais países europeus são  'maus alunos', por não 'aprender' com o êxito alemão. Ocorre que o modelo econômico da Alemanha também faz água, e a causa maior é justamente a ortodoxia monetária do governo conservador de Angela Merkel*.

Infraestrutura rodoviária. O sistema rodoviário alemão, até os anos 80 o terceiro melhor do mundo, agora amarga o sétimo lugar. Depois de 20 anos sem manutenção, urge sua renovação e ampliação, o que implica em pesados investimentos. Para tocar os projetos, o Governo privilegia as parcerias público - privadas (PPP): empresas privadas investem e recebem em contrapartida o pagamento do Estado e dos usuários. Entretanto, o modelo PPP é exemplarmente questionado pelo Tribunal de Contas da Alemanha. Das sete grandes obras já concluídas e auditadas, cinco custaram um terço a mais do que teriam custado se elas tivessem sido financiadas inteiramente pelo Estado. Ou seja, na ânsia de não gastar, o Governo planejou feio: danou-se o contribuinte. E mais: por não interessarem às construtoras, as rodovias secundárias permanecem em estado de abandono.

Transição energética. Outro mega projeto é o da transição energética (petróleo, carvão) ® (energias eólica e solar). A transição já é considerada um sinônimo de mau planejamento e de perda de dinheiro. Constroem-se usinas eólicas e solares sem que a rede de distribuição de energia elétrica as alcance. Em consequência, diversas centrais convencionais, não rentáveis e poluentes, continuam em operação. Como de hábito, quem sofre é o bolso (e a saúde) do consumidor: as taxas versadas para o desenvolvimento de energias renováveis chegaram a 23 bilhões de euros em 2014. 

Educação. O Estado não consagra à educação, em todos os níveis, senão 5,3% do PIB, enquanto que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos é de 6,3%. A qualidade da educação também deixa muito a desejar, sobretudo nos primeiros níveis. Segundo o Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, quanto mais cedo investir na juventude, tanto melhor. Ora, segundo a professora Yvonne Anders, da Universidade Livre de Berlim, a educação das crianças alemãs recebe nota baixa ou média. Por incrível que pareça, muitas vezes cabe às associações de pais de alunos custear as reformas civis dos jardins de infância.

Qualificação. A indústria alemã se ressente da falta de mão de obra especializada. Como o Estado tem se omitido, por força da rigidez orçamentária, as associações industriais tomam à frente formas de resolver ou minorar o problema. Elas criaram as Fábricas do Saber (Wissenfabrik), visando a infundir o conhecimento científico-tecnológico desde o jardim de infância.

Indicadores econômicos. Entre 1999 e 2012, o deficit de investimentos na Alemanha representou 3% de seu PIB -- uma proporção superior à do restante da Europa. No começo dos anos 90, o Estado e as empresas investiam 25% do PIB em estradas, cabos telefônicos, salas de aula e fábricas; em 2013, somente 19,7%. Desde o ano 2000, o crescimento alemão tem sido inferior à média da zona do euro, a produtividade das empresas pouco aumentou, enquanto que 70% dos assalariados viram seus ganhos baixarem.


Que fique bem claro: não se trata de tentar reduzir a potência alemã. O que seria uma missão impossível: o prestígio da indústria e da cultura germânicas é inabalável. Entretanto, não deixa de ser um país deste Mundo sem paradigmas. No fundo, o artigo se volta contra nossa imprensa econômica, que falha em sua missão essencial de bem informar os leitores.



*- Pourquoi le modèle allemand est fragile (Por que o modelo alemão é frágil.). Artigo do semanário alemão Der Spiegel, traduzido para o francês pelo hebdomadário Courrier international, de 09-15/10/2014.

3 comentários:

  1. Fiquei surpreendido (não leio mais o Courrier, né!)

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  2. Muito interessante estas informações sobre a Alemanha. Não sabia destes detalhes.
    Pode-se acrescentar aos decalabros o escândalo bilionário de manipulação de juros do Deutsche Bank. Só de multas e despesas com advogados o banco já pagou 8,7 bilhões de euros, deste 2012.
    Outra confusão são as greves recorrentes do pilotos da Lufthansa e dos condutores de trens.

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