segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Karl Marx, Segundo Thomas Piketty



O economista francês Thomas Piketty publicou em 2013 o livro O Capital no Século XXI (em francês, Le capital au XXI siècle), o qual é um virtuoso fenômeno de repercussão e vendagem. Muitos economistas de renome o saúdam; diversos outros especialistas naturalmente lhe fazem restrições. A unanimidade consiste em que se trata de uma análise competente do Capital, por um um pesquisador sério. Há que ressaltar também a tradição bem francesa da boa escrita e do estilo aprimorado, além da estrutura primorosa da obra. O leitor comum se encanta.

O que comento brevemente é como Piketty insere Karl Marx em sua análise: ele evidencia que o essencial de Marx continua atual e por quê.

Como é sabido, Marx viveu nos primórdios da Revolução Industrial, cuja dinâmica é caracterizada por (1) concentração de capital e (2) miséria do proletariado industrial. As péssimas condições dos operários são magistralmente descritas em clássicos da literatura universal como Germinal de Émile Zola, Oliver Twist de Charles Dickens, e Les Misérables de Victor Hugo. É óbvio que a situação dos trabalhadores preocupava a todos os estudiosos, porém os remédios propostos são bastante diferentes. Os economistas liberais, herdeiros de Adam Smith, proclamavam que o mercado é auto regulável: com o decorrer do tempo, as condições dos trabalhadores paulatinamente melhorariam. Marx, bem ao contrário, via no contexto as bases de uma contínua deterioração levando à bancarrota dos sistemas político e econômico existentes.

Coerentemente com sua visão, Marx só via saída na revolução proletária ou comunista, engendrando um novo sistema em que a socialização da produção (ou o fim da acumulação infinita de capital) é a pedra de toque. Ocorre que o marxismo,  em suas diversificadas versões, só encontrou guarida em países periféricos, com pouco proletariado (sic). Marx ignorou fatores como progresso tecnológico e produtividade industrial, que funcionariam como amortecedores dos efeitos nefastos da acumulação de capital. É fato que os salários nos países altamente industrializados começaram a crescer já nas três décadas finais do século XIX.

É muito importante atentar para o seguinte. Marx não teve tempo de pensar no comunismo: como organizar uma sociedade em que a propriedade privada terá sido abolida?! Questão candente. Talvez desse imenso vazio conceitual e metodológico venham as explicações para os fracassos de todos os regimes comunistas: os países ex-comunistas eram e continuam autoritários e estagnados economicamente  (a exceção é a China, porém só na economia).

Todavia, contudo ... a acumulação de capital nunca parou: ela se arrefece em um período e acelera em outro. Vivemos um tempo de sua agudeza. É o que acontece nos Estados Unidos,  na Europa e no Japão. Ela traz consigo uma maior desigualdade de renda: as condições da massa assalariada pioram; o desemprego aumenta ou não diminui a contento; os 1% mais ricos se tornam cada vez mais ricos. Para completar o quadro, a desigualdade tem se combinado com persistente baixo crescimento. Baixo crescimento estimula a acumulação (por poucos). O espectro de Marx da acumulação infinita de capital continua vivo: os sistemas político e econômico tremem (Occupy Wall Street).

Semelhanças com o Brasil não são mera coincidência. Nosso crescimento  é pífio faz tempo, e nossos riquíssimos estão cada vez  mais riquíssimos. Se não houver uma reversão a curto prazo das expectativas de baixo crescimento, assistiremos inevitavelmente à degradação dos salários e ao aumento do desemprego. Nossa frágil democracia se vergaria a tamanha tensão social.

4 comentários:

  1. Excelente leitura de sábado: seu blog.
    Você escreve muito bem (falou o amigo, com uma ponta de inveja).
    Eu adicionaria uma outra causa que evitou o apocalipse previsto por Marx: os sindicatos cada vez mais poderosos a partir do final do século XIX; eles ajudaram a frear o capitalismo selvagem.
    Parei de ler Piketty (vou retomar). O que ele diz sobre o papel dos sindicatos?

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    1. Piketty não ignora o papel dos sindicatos. Por exemplo, na Suécia e na Alemanha não há salário mínimo pré estabelecido: cabe aos sindicatos negociar seu valor.

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  2. O grande problema tanto de uma sociedade comunista ou capitalista é o ser humano. Se todos fôssemos bonzinhos, o capitalismo funcionaria pois, com a livre concorrência, os melhores subiriam. O Socialismo também funcionaria pois a ganância desapareceria e todos dividiriam os bens numa boa, "a cada um segundo suas necessidades".
    Os anarquista são considerados sinônimos de bagunceiros, destrutivos. Deveria ser o contrário. Uma sociedade anárquica (sem governo) só é possível se cada um assumir as responsabilidades que, em um estado, são controladas pelas autoridades. Ou seja, o anarquista deve ser uma figura muito ordeira, organizada e respeitosa. Só assim que funcionaria.

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  3. Me parece que a economia atual. com multinacionais e conglomerados cada vez mais vastos e abrangentes, já está meio longe do capitalismo clássico e perto daquela fase em que Marx vê sua auto-dissolução. O "dono" da empresa não tem mais relação com seus empregados, e vice versa. As empresas já são mais poderosas que os estados e comandam os principais acontecimentos mundiais.

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