sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Neocolonialismo Digital



Neocolonialismo é o domínio que um país exerce sobre outro pela influência econômica e/ou cultural. O notável é que um diminuto 'país' pratica um neocolonialismo de amplitude planetária. O 'país' é o chamado Vale do Silício, uma área equivalente a um círculo de 80 km de raio em torno da cidade de Palo Alto, ao sul da metrópole californiana de São Francisco, USA.

O poderio das empresas do Vale do Silício é de pasmar. Dos vinte maiores conglomerados high-tech do mundo em 2015, onze eram norte-americanos sediados no Vale do Silício (ver também neste blog Os Visionários GAFA -- Google, Amazon, Facebook, Apple --, publicado em 18/09/2015); os demais: sete chineses, um japonês e um norte-americano de Boston. O Vale do Silício representa sozinho 76% da capitalização mundial em bolsas de valores e 87% do volume global de negócios com tecnologias digitais de informação. Google controla 12% de todo o dinheiro gasto mundialmente com publicidade! Mais da Google: 54% de seus 75 bilhões de dólares de faturamento em 2015 vieram d'além do Vale do Silício. O desaquecimento econômico mundial não passa pelo Vale do Silício. Se o crescimento planetário patina enquanto que o high-tech vai de vento em popa, então é porque a maior parte dos demais setores da economia está mergulhada em recessão. Daí então que o Vale do Silício é uma grossa bolha econômica.

Uma interessante pergunta se impõe: por que tanta concentração de empresas high-tech no (exíguo) Vale do Silício? Contrariamente ao esperado em nossa época ultra conectada, o sucesso de uma empresa de alta tecnologia não depende só de mão de obra ultra especializada mas igualmente de todo o eco-sistema que a cerca -- diferentemente das organizações manufatureiras tradicionais. É a razão pela qual o Vale do Silício, por força de tantas empresas afins, oferece condições ímpares à instalação de mais empreendimentos inovadores.

O resultado é que todos os países, o restante dos Estados Unidos inclusive, acabam se tornando neo colônias do Vale do Silício. O lado bom do neocolonialismo digital não pode ser ignorado. Tome-se o exemplo do telefone celular: ele reúne diversas outras funções, como máquina fotográfica e lanterna; serviços de telefonia baratos ou gratuitos, via aplicativos tais como WhatsApp ou Skype; músicas a preço módico ou sem custo; idem para videos, filmes, séries e shows; etc. Sem esquecer o principal: acesso quase ilimitado e de graça à informação. Com tanto valor agregado, o mais caro smartphone ainda pode ser considerado muito barato. Em resumo, as novas tecnologias digitais globalizadas permitem ao mesmo tempo aumentar a qualidade dos produtos e baratear seus custos. (A bem da verdade, a tendência à redução de preços por efeito da tecnologia e da globalização também se aplica a produtos físicos: para ilustrar, acabo de comprar quase de graça uma bela camisa confeccionada em Bangladesh.)

Todavia, como em tudo na vida, o lado ruim vem de par. O Vale do Silício não dissemina riquezas, pelo contrário, concentra. Quase todos os principais acionistas de Facebook vivem lá. Pessoas brilhantes, de qualquer parte do mundo, se inclinam a morar no Vale do Silício quando querem criar suas empresas especializadas em novas tecnologias digitais. O efeito colateral é que o resto do mundo não está gostando nada de sentir-se marginalizado no plano econômico, mesmo comprando bem e barato. Pondo o foco nos Estados Unidos, excetuando o Vale do Silício e outras poucas regiões, o país vive em dificuldade. Os salários das classes médias estagnam desde vários anos; o subemprego é alto; o desemprego não é negligenciável. Em consequência, os norte-americanos em boa parte se sentem encolerizados e impotentes: Donald Trump pescou nessas águas revoltas o substancial de seus votos vencedores.

No avançar de sua fulgurante história, o Vale do Silício vai precisar operar de tal modo que o resto do mundo possa também ser beneficiário da prosperidade. Duros recados não lhe faltam: ações regulatórias cada vez mais restritivas por parte dos governos -- isso é bem um fato na Europa -- e talvez logo, logo, movimentos Occupy Silicon Valley de ativistas em fúria.

Sobretudo, o Vale do Silício não deveria ignorar os ensinamentos da História: questão de mais ou menos tempo, todos os impérios nascem, crescem e morrem. É mister prestar especial atenção à Ásia. A Grande Tóquio foi a que mais depositou patentes em 2013, à frente até da conurbação tecnológica chinesa Shenzhen-Guandong. O Vale do Silício se colocou em 'modesto' terceiro lugar. Ou seja, na olimpíada das inovações tecnológicas, o Vale do Silício é só medalha de bronze! Motivo para inquietar, e quanto, os Midas do Vale.


Principal fonte - Silicon Valley, The new Rome, por Kevin Maney. Artigo publicado na
revista norte-americana Newsweek, em 09/06/2016.

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