sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Desafiando a Fugacidade da Vida



O filósofo existencialista Albert Camus vaticina: o suicídio é a única grande questão filosófica. O que faz alguém ter a coragem de encurtar a vida, quando (quase) todo o mundo sonha em prolongá-la? Ainda que a vida não passe de uma tragédia, na acepção grega. A angústia filosófica de Camus, pois, se justifica.

Vida que queremos vida. Se a morte é inevitável então os conselhos do imperador-filósofo da Roma antiga, Marco Aurélio, amenizam: "A morte nos sorri a todos. Não podemos fazer outra coisa a não ser sorrir para ela." A menos que exista uma outra opção. Será?!

No tempo de Marco Aurélio, a vida média dos romanos era de apenas trinta anos. Mais de dois mil anos decorridos, ela mais que dobrou nos países desenvolvidos: acima de setenta anos. Porém continua pouco, pouquíssimo. Atingirá o dobro, ou mais, ou menos, nos próximos dois mil anos, supondo que a espécie humana resistirá? Impossível antecipar: é desafio dificílimo propiciar saltos de longevidade. Não convém, todavia, subestimar a petulância humana. Uma nova técnica de dar cabo à morte se anuncia: um corpo definhante por doença incurável entraria em hibernação até que aparecesse a cura do mal, quando então ele seria reanimado. A hibernação se repetiria, sempre que ela fosse necessária. Vida estendida ad infinitum, em princípio. Aos detalhes.

Trata-se de criogenia, uma técnica de preservação por congelamento a uma temperatura muito baixa (-196 graus centígrados) e por imersão em azoto líquido. Em março de 2015, Aaron Winborn, 47 anos, encontrava-se à morte, paralisado por uma doença neurológica, o mal de Charcot. A família e um médico se postavam ao redor do leito. Um especialista do Instituto de Criogenia de Detroit - USA aguardava, munido de 14 sacos de gelo de 7,2 kg cada um. Tão logo o médico cortou a respiração artificial, o corpo de Aaron foi colocado em meio aos sacos de gelo e transportado em camionete de Harrisburg até Detroit, 800 km distante. Finalmente, deu-se o congelamento do corpo no azoto, na esperança de que os médicos daqui a cinquenta, cem, quinhentos anos, quem sabe, poderão acordá-lo e curá-lo. Aaron Winborn é o paciente número 132 do Instituto de Criogenia.

Há uma outra empresa dedicada à criogenia nos Estados Unidos, Alcor, de Phoenix. O total de pessoas em estado de criogenia se eleva a 280. Não somente americanas: também alemãs, britânicas, francesas e canadenses. Do mundo inteiro, quase 2.500 pessoas fizeram reserva em uma das duas empresas. Quem são os adeptos da criogenia? Sobretudo homens de formação superior, via de regra naturalistas, ateus ou agnósticos, sem excluir -- surpresa -- algumas pessoas com credo religioso. Todo o processo de criogenia custa 28.000 dólares.

Não tem faltado dinheiro para a pesquisa em criogenia. Milhões de dólares já investidos, inclusive de investidores a risco do Vale do Silício. O mais célebre entusiasta da criogenia se chama Peter Thiel, o miliardário cofundador da empresa PayPal e principal investidor do Facebook.

Aos senões. Eis três. Como restaurar os corpos em maioria encarquilhados de setentões e oitentões? Esperar o elixir da longa vida? É mister aceitar que isso permanecerá no domínio dos contos de fada por numerosíssimas gerações vindouras. Dois: é imperioso não massificar a criogenia; do contrário, resultaria em uma explosão demográfica de dimensões malthusianas. Em terceiro lugar, nada evidencia que a técnica funciona; por outro lado, não é possível provar que ela não funciona.

Alargando os poéticos pensamentos do imperador Marco Aurélio, o que podemos fazer a mais é lutar por vida saudável e durável, com inteligência e humanidade. Mesmo que venha a ser batalha perdida.

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