sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Rússia e Brasil: Aproximações, Distâncias



Talvez muito surpreendentemente, Rússia e Brasil têm muito em comum. Ambos são países enormes (a Rússia enormemente maior, três vezes a área do Brasil). São BRICS ou países emergentes, com  toda a recente carga de descrédito sobre a sustentabilidade do B (Brasil), do R (Rússia) e do S (South Africa ou África do Sul). Só o I (Índia) e o C (China) teriam estofo para continuar emergente (o primeiro) e para ingressar de vez no mundo desenvolvido (o segundo).

A Rússia é extremamente dependente de exportação de commodities, no caso petróleo e gás, cujos efeitos da queda abrupta de preço têm sido devastadores. Acresçam-se erros de gestão interna: subsídios desmedidos e mal direcionados, baixa produtividade, consumismo às expensas do investimento, inflação alta, corrupção galopante. Ausência de uma política industrial digna do nome. As consequências afloram. As estatísticas econômicas referentes a 2015 registram forte retração dos rendimentos, dos salários e das aposentadorias. Para 2016 as previsões são muito piores. De 30 a 50% da população correm o risco de engrossar as fileiras da pobreza (em torno de 400 reais por mês por pessoa), em primeiro lugar as crianças, os aposentados e famílias, assim como as pessoas agora trabalhando em tempo parcial. Desigualdade: no outro extremo da pirâmide social, os 1% mais ricos concentram 70% das riquezas do país. Quanta semelhança com o Brasil.

2015 foi o ano da contestação social. A mais expressiva, a dos caminhoneiros, contra o aumento exorbitante do pedágio nas auto estradas. Não pára aí. Antevê-se um outono 2016 muito agitado, quando entrarão em vigor novos aumentos dos transportes públicos e de diversos outros serviços municipais e federais. A vaga contestatária está fora do controle dos partidos políticos -- seja porque os partidos em maioria são caudatários do poder seja porque quase todos os restantes não passam de grupelhos sem bandeiras de mobilização --, a massa descontente não contando senão com ela mesma. Não, não, não estamos no Brasil, falamos da Rússia. Fim das aproximações.

Bem ao contrário de Dilma Rousseff, com seu miserável um dígito (ou quase) de aceitação, apesar dos muitos pesares Vladimir Putin flutua nas alturas do reconhecimento popular: 90% de aprovação em outubro/2015! Tal escore mais que espantoso se explica em grande parte pelo sucesso, aos olhos de quase todos os russos, da política externa agressiva e sem peias de Putin -- tomada da Crimeia, bombardeios indiscriminados na Síria em apoio ao títere russófilo local --, a despeito de tantas privações que ela traz à população. Como entender?! O grande temor nacional é que a Rússia venha a se tornar um "país ordinário", isto é, sem o status de grande potência a incitar o temor nas demais potências. As avançadas tecnologias espacial, nuclear e militar são os símbolos dessa fortaleza. Afinal, as invasões de Napoleão e de Hitler jamais deixarão de aterrorizar o inconsciente coletivo. Para evitá-lo, qualquer sacrifício é aceitável, inclusive o abrir mão da qualidade de vida. Há que considerar também a falta de tradição genuinamente democrática: histórica ausência de desenvolvimento político progressivo e de alternância de poder. Em tal cenário de insegurança e de acomodação, os dirigentes 'democráticos' tipo Putin permanecem, por mais que sejam cruéis ou ineptos.

Uma indagação se impõe: qual é afinal de contas o legado da Revolução Comunista Soviética? Da leitura do parágrafo anterior, é como se ele se reduzisse a C&T em nichos especiais, ligados à defesa do país. O novo 'cidadão soviético' é quimérico: nunca existiu. Em verdade, a revolução cometeu os erros que levaram o comunismo mundial à bancarrota: tirou a maioria da pobreza, mas não a transformou em cidadãos comprometidos com o bem-estar social, senão em 'novos direitistas'. A mesma crítica tem sido válida para as esquerdas em geral. A direita é agradecida!

A orgulhosa Rússia e o envergonhado Brasil sofrem ambos de esquizofrenia política, aos antípodas. Nem a jactância do primeiro país tampouco a comiseração do segundo servem. As duas distinguíveis nações só se tornarão efetivamente grandes quando os respectivos povos abraçarem a cidadania de fato e assumirem as rédeas de seus destinos promissores, enxotando de vez a cambada sem fim de dirigentes e políticos chinfrins.

2 comentários:

  1. Ao lado das semelhanças que você amostrou, uma grande diferença entre Brasil e Rússia é que o primeiro é uma democracia, a outra uma ditadura com vitrine democrática.
    No Brasil, oponentes podem protestar livremente sem temer sanções do governo. Existem também alternativas políticas ao poder da Dilma.
    Na Rússia, o clã Putin está no poder desde o século passado.
    Considero essa diferença entre os dois países muito importante.

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  2. Você tem toda a razão, Stéphane. De qualquer forma, em apoio escrevi "Há que considerar também a falta de tradição genuinamente democrática: histórica ausência de desenvolvimento político progressivo e de alternância de poder. Em tal cenário de insegurança e de acomodação, os dirigentes 'democráticos' tipo Putin permanecem, por mais que sejam cruéis ou ineptos." Mas faltou enfatizar a democracia brasileira. (Espero que o perigo dos golpes militares esteja definitivamente afastado.)

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