sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O Brasil de Paulo Prado



Paulo Prado (1869 - 1943) pertencia à alta burguesia exportadora cafeeira paulista. Malgré tout, um homem refinado. Ingredientes: estudos secundários na Corte Imperial de D. Pedro II; curso de Direito na Academia do Largo de São Francisco; longa estadia em Paris para aprimoramento cultural (!); grande amigo de Blaise Cendrars (ver postagem de 05/06/2015); o grande escritor português Eça de Queiroz o tinha como filho dileto; hospedou o arquiteto Le Corbusier (pediu-lhe o projeto de sua nova casa); René Thiollier, jornalista francês em temporada na imprensa brasileira, afirmava: "Paulo Prado é o homem mais elegante do Brasil, quiçá da América do Sul".

Intelectual à Paul Johnson (consultar artigo de 12/02/2015), sem as 'hipocrisias' que tanto perturbavam o crítico conservador. Concreto, prático, hábil condutor dos negócios da família, modernista. Empreendeu uma cruzada contra o Romantismo, seja na política seja na literatura. Num caso e noutro, blá-blá-blá ruinoso às premências brasileiras. Fim ao discurso bacharelesco e estéril. Lançava-nos esta inutilidade tresloucada proferida por um senador no Parlamento do Império: "Em nosso país, na pedra isolada do vale, na árvore gigante da montanha, no píncaro agreste da serrania, na terra, no céu e nas águas, por toda a parte, Deus estampou o verbo eterno da liberdade criadora na face da natureza, antes de gravá-lo na consciência do homem." Eremildo, o idiota de Elio Gaspari, teria tido um AVC. A mansão de Paulo Prado, no bairro grã-fino de Higienópolis (ainda hoje o recanto de oito entre dez caciques paulistas do PSDB), era um acontecimento político e literário, portas abertas a personalidades de nomeada; lá, nasceu o projeto da Semana de Arte Moderna de 1922.

Como dito em Literatura Brasileira, neste blog desde 22/05/2015, a turma modernista original produziu duas obras imperecíveis, o romance picaresco Macunaíma de Mário de Andrade, e o impactante Retrato do Brasil - Ensaio sobre a Tristeza Brasileira de Paulo Prado. Dediquemo-nos à última. Por que o Brasil é triste? Paulo Prado sugere: sensualismo desbragado e cobiça estão em nossa gênese. Desvarios sexuais dos portugueses com as índias, depois dos brasileiros e portugueses com as escravas africanas, e por aí vem. A melancolia dos abusos venéreos e da repressão religiosa. A ambição desmedida de riquezas começou com as bandeiras paulista, baiana e pernambucana: a febre do ouro. Os bandeirantes eram Fitzcarraldos*, todos, ensandecidos pela miragem dos metais preciosos e da riqueza fácil. Por onde transitavam só deixavam escombros e terra devastada. Nenhuma marca de civilização. Da insensibilidade e miséria intelectual dessa gente egoísta até as entranhas resulta a depressão de viver com a ideia fixa do enriquecimento a qualquer preço. Desde então, a sempiterna indistinção entre bens público e privado. Não se imagina outra forma de enriquecer senão às custas da nação, arrasando-a. A corrupção vira endemia. Mascarada pelo "mal romântico" (epíteto de Paulo Prado).

Sobre o corpo vilipendiado do país tripudiam os políticos.  Nossos homens públicos se sucedem unicamente movidos pelas conveniências e pelos cambalachos da politicagem. Corrompidos e corruptores. São muito poucas as exceções. A questão política é a única vital: não há outro problema premente a resolver. Para uma mudança profunda no trato da coisa pública, uma solução catastrófica: a Revolução. Bem entendida como a afirmação inexorável de que, quando tudo está errado, o melhor corretivo é apagar tudo o que foi malfeito. Proclamação de um afável burguês, nos idos de 1932!

Se Paulo Prado vivesse hoje, seria bem possível que ele minorasse seu pessimismo** diante da atuação cada vez mais revolucionária de nosso Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal, Procuradoria Geral da República, Ministério Público, juízes como Sérgio Moro. Não obstante, damo-nos o direito de desconfiar, porque calejados de frustrações por esperanças não realizadas. Na Operação Lava-Jato, o julgamento de diretores, executivos e 'operadores'  de vários calibres corre de maneira célere e exemplar. Muito diferentemente, a cinquentena investigada de políticos do Congresso Nacional não foi sequer denunciada ao Supremo Tribunal Federal, certamente por efeito do famigerado foro privilegiado; pior, estes políticos continuam posando de vestais e ameaçando as instituições judiciárias.

O admirado escritor nicaraguense Sergio Ramírez metaforiza para toda a América Latina sobre desesperanças. Conta-nos a história do pássaro do doce encanto. Trata-se de uma ave de bela plumagem e cores resplandescentes que voa sobre nossas cabeças incitando-nos a pegá-la. Quando alguém o faz, o pássaro lhe lança um monte de excrementos. É a forma pela qual a sabedoria popular reage para não dar crédito a quimeras que sempre acabam em detritos.

Afaste-se de nós, pássaro do doce encanto!


*- Alusão minha ao grande filme do alemão Werner Herzog, Fitzcarraldo (1982), um desvairado enlouquecendo na louca Amazônia.
**- A principal crítica a Retrato do Brasil é ser pessimista em demasia.

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