quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Brasil em 2015


Escrever sobre o Brasil é um imperativo. E um desafio. Como convidar a novas reflexões, diante da hipótese de que o amigo leitor já teria opiniões cristalizadas? De fato, a atmosfera política é dicotômica: governo - antigoverno, PT - PSDB, Brasil avança - Brasil regride. Porém, seduz pensar o Brasil abstraindo tais clivagens. Vou tentar. Impossível não me alongar sobre o assunto.  Divido-o em três partes, nesta ordem: política socioeconômica, sistema político-eleitoral, cultura e sociedade.

Política Socioeconômica


As políticas social e econômica devem andar de par, a fim de promover uma distribuição de renda crescentemente mais justa. É difícil imaginar que uma funcione bem sem que a outra funcione bem. Em suma, as duas se complementam: diferem nas ações específicas. É consenso que o melhor que a política social possa fazer é investir na educação, mais propriamente na formação e na qualificação da força humana de trabalho. De seu lado, a política econômica precisa assegurar a empregabilidade bem como a valorização dos salários, na razão direta das capacitações. Para bem avaliar as duas políticas, é mister quantificar seus resultados ao longo de um período de tempo significativo, munindo-se de dados confiáveis. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza em seu site, IBGE-SériesTemáticas, uma multitude de séries mensais temáticas. Valho-me de várias delas. A lamentar, a desatualização do IBGE: a maioria das séries históricas se interrompe pré 2013.

Proceda-se agora à avaliação da política socioeconômica dos governos brasileiros, desde o início das séries do IBGE pesquisadas: anos 1995, 1999, 2001 e 2002. Primeiro, a política social, com foco na educação.  Dentre os quarenta e cinco subtemas ou critérios (ci, nas duas tabelas que se seguem) concernentes ao tema Educação (formação), com as respectivas séries históricas e estatísticas, foram escolhidos apenas três, julgados os mais afinados com qualidade de educação. A Tabela Educação (Formação)  descreve as três séries. Apesar do estancamento muito precoce das mesmas, não parece haver sinais de que a tendência para os três critérios tenha mudado substancialmente.


Educação (Formação)
c1) Docentes do ensino fundamental com curso superior
Abrangência
Período
Valores
Brasil
1999 - 2006
Escolas públicas e privadas. Nas duas categorias, o número de docentes com curso superior cresceu sempre (curva monótona crescente, no jargão matemático) e sem saltos. Destaque-se que a curva das públicas cresceu mais rápido do que a das privadas. 1999: públicas - 44,5%,  privadas - 60,9%. 2006: públicas - 70,7%, privadas - 78%.
c2) Média de anos de estudo das pessoas com idade igual ou superior a 10 anos
Brasil
1995 - 2009
A média de anos de estudo cresceu monotonamente e sem saltos, de 5,2 a 7,2.
c3) Analfabetismo funcional
Brasil
2001 - 2009
A taxa de analfabetismo funcional decresceu monotonamente e sem saltos, de 27,3% para 20,3%.
 
A conclusão preliminar só pode ser esta: é inegável que o Brasil avança continuamente na formação de seus jovens visando a enfrentar uma realidade econômica cada vez mais exigente e competitiva. O avanço se traduz pelo aprimoramento do professor e por mais carga de estudo com efetivo aproveitamento.

Modere-se o entusiasmo, entretanto. Há ainda uma imensa estrada a percorrer. O principal exame internacional trienal da educação básica, Programa Internacional de Avaliação de Alunos - Pisa, avalia estudantes de 15 e 16 anos em matemática, leitura e ciências (ensino médio). Em 2012, as posições do Brasil, entre 65 países, foram: matemática, 58º lugar; leitura, 55º; e ciências, 59º. Piorou em ciências, em relação a 2009. Resultados acabrunhantes.

Registrem-se, de passagem pois faltam dados, os institutos federais  de educação, ciência e tecnologia (escolas técnicas federais nos primórdios, e depois, centros federais de educação tecnológica) e o programa Universidade para Todos - ProUni: são instituições e programa importantes tanto para a democratização do ensino superior como também para a especialização (sobretudo tecnológica).

É o momento de investigar em que medida obstáculos de política econômica poderiam comprometer o esforço de política social despendido. A Tabela Emprego & Salário é elucidativa. Os critérios escolhidos com suas séries históricas, dentre os inúmeros critérios e séries do IBGE sobre emprego e salário, parecem bem indicados aos nossos propósitos de análise integrada das políticas social e econômica.


Emprego & Salário
c1) Pessoas ocupadas / anos de estudo
Abrangência
Período
Valores
Grande Recife
2002 - 2014
A faixa de 11 anos ou mais de estudos foi a única que cresceu em ocupação (crescimento monótono e sem saltos), passando de 45,5% em março/2002 para 63,5% em novembro /2014.
c2) Índice mensal de assalariados na indústria (comparação mês a mês com ano anterior)
Nordeste
2002 - 2014
Começou a diminuir, ainda que pouco a pouco, desde setembro/2011. Por exemplo, o emprego em outubro/2014 caiu 4% em comparação com outubro/2013.
c3) Salários / faixa de rendimentos
Brasil
2001 - 2011
As faixas são: 1 a 2 salários mínimos; 2 a 3; 3 a 5; 5 a 10; 10 a 20; maior do que 20. Valores praticamente estáveis para todas as faixas, à exceção da primeira, cuja massa salarial cresceu sem saltos de 20,83% em janeiro/2001 para 28,11% em dezembro/2011. Todos os valores  em dezembro/2011: 28,11%; 11,19%; 6,19%; 3,82%; 1,28% e 0,38%.
 
Para o primeiro critério, a abrangência da série é área metropolitana, daí a escolha da do Recife. Em relação ao segundo, região, então Nordeste. No que concerne ao terceiro critério, note-se que os 50% da população que ficaram de fora ou trabalham informalmente, ou não trabalham: é um percentual muito alto, e que não deve ter mudado substancialmente em 2014.

Em síntese, a tabela revela fundamentalmente duas coisas: (1) faz tempo que o desemprego na indústria aumenta, embora devagar; e (2) apesar de o mercado exigir cada vez mais qualificação (implicada pela necessidade de mais anos de estudo), não aconteceu a desejada contrapartida salarial, o que desincentiva os esforços de formação e de qualificação.

De volta à dicotomia. O espaço temporal desta análise da conjuntura socioeconômica brasileira abarca o governo de Fernando Henrique Cardoso (o segundo mandato, principalmente), os oito anos Lula, e o primeiro mandato de Dilma Roussef. Embora o escopo da pesquisa seja pequeno, os critérios de análise escolhidos se relacionam estreitamente e as quantificações são fidedignas. Os resultados -- bons, ainda que modestos -- evidenciam uma consistente continuidade das políticas social e econômica da época Fernando Henrique - Lula. Pode-se então ser um bom petista ou um revigorado tucano, sem no entanto ignorar os fatos convergentes.

Infelizmente, a tendência virtuosa da era Fernando Henrique - Lula começou a erodir com Dilma Roussef, mais precisamente a partir de 2011. Chega-se a 2015. O medidor recorrente da saúde da política econômica é o Produto Interno Bruto (PIB). O PIB brasileiro, que alcançou estonteantes 7,5% em 2010, tem descido ladeira abaixo desde então, chegando aos míseros 0,2% no limiar de 2015. Não há sinais imediatos de sua recuperação, nem mesmo lenta. Baixo crescimento fragiliza as empresas.  Empresas debilitadas carecem de faturamento e produtividade fortes, fazendo-as perder a capacidade de investir tanto em produção quanto em mão de obra qualificada. Os exemplos já estão à mostra. Demissões recentes na indústria automobilística.  Existência de planos de demissão por grandes empresas, elaborados já em 2014 e só postergados para 2015 para evitar a coincidência com a eleição presidencial. Os jovens são os mais ameaçados: eles constituem 44% da massa atual de desempregados (DeuNaFSP).

A Presidente estaria finalmente à altura dos enormes desafios socioeconômicos? Eis um enigma que os próximos meses permitirão decifrar. Ou não!, parodiando Caetano Veloso.


*** Na próxima semana, o sistema político brasileiro. ***   
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário