quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A Exceção Cultural Francesa (II)



Trago ao frontispício do blog os comentários a respeito da exceção francesa de meus queridos amigos Jacques Sauvé e Stéphane Turc, por ordem de submissão. São ricos de detalhes e, em parte, divergentes. Por cobrir outros importantes aspectos do tema -- um exemplo: livrarias também fecham na França, como enfatizado pelos dois --,  concluo que os ditos comentários não devem ficar confinados à segunda página, para onde possivelmente nem todos vão. Não comento os comentários: que os caros leitores tirem suas próprias conclusões. (Quanto a Astérix e demais assuntos anunciados para a postagem desta semana, eles podem esperar.)
   

Os Comentários de Jacques Sauvé

De fato, a França é exceção na cultura. Sempre admirei ouvir um francês falar sua língua: eles não erram, não massacram a língua como se vê, por exemplo, em Québec (e no Brasil, claro). O francês parece se orgulhar de falar bem. Só vi a língua francesa massacrada na França ao ler os contos normandos de Guy de Maupassant; e, de quebra, descobri de onde vêm muitas expressões usadas em Québec! Leia este conto, por exemplo: http://goo.gl/SE5Oq5 (Le lapin).

Sobre o fechamento de livrarias, me parece haver um erro de avaliação de sua parte. Você compara o agregado (várias livrarias fechando em Nova York) com um caso particular (Delamain), como se o caso francês indicasse uma situação fundamentalmente diferente. Sugiro a leitura dos seguintes artigos:
     http://goo.gl/WRxXlu (Tandis que les librairies ferment en France ...)
     http://goo.gl/ciHxzg (Des librairies de plus en plus fragiles)
     http://goo.gl/cVulw1 (Faut-il laisser mourir les librairies ?)

As livrarias só parecem sobreviver com ajuda do estado -- o que confirma sua tese sobre a importância da cultura na França.

Eu não estou preocupado com a morte da livrarias: o livro não está morrendo, muito pelo contrário, pois a oferta cresce com novos processos de negócio (Merci, Amazon!). Se está em formato digital ou em cadáveres de árvores pouco me importa. Navegar numa livraria digital é muito, muito prazeroso. Uma enorme vantagem da livraria digital é que você recebe recomendações e pode examinar a opinião de quem gostou de um livro e de quem não gostou. Há várias outras vantagens já mencionadas num post anterior. Aqui mais uma: Marcus, tu peux même visiter les librairies françaises en ligne!

Termino citando o autor (ex dono de livraria) de um dos artigos citados: "Sans réflexion globale sur les librairies et sur la forme que nous leur connaissons aujourd’hui, celles-ci sont condamnées à disparaître. Ce n’est pas une prophétie. Juste un constat amer."

Pour moi, ce n'est même pas amer.

Os Comentários de Stéphane Turc

Uma precisão para seus leitores sobre a proteção do livro na França. Existe uma lei, a lei Lang, ministro da cultura de François Mitterand, que impõe um preço oficial para cada livro. Só um desconto de 5% é permitido. Assim a Amazon vende os livros somente 5% mais baratos do que numa livraria de rua. Aliás, como Jacques comentou, essa lei não impede a baixa regular do número de livrarias na França.

Voltando aos comentários do Jacques, não concordo com a visão dele sobre o papel benéfico da “mão invisível do mercado” na produção e distribuição de bens culturais. Seguinte o liberalismo econômico, o desaparecimento por causa de não competitividade dum produtor de mercadoria, pode ser visto como coisa positiva para o mercado em geral.

Ao contrário, não vejo positivo per se o fato que produtores de bens culturais não podem sobreviver porque existem outros produtores mais competitivos. O resultado é um empobrecimento da oferta e por consequência da cultura própria. Existem vários exemplos no passado: o cinema italiano, que era um dos maiores cinemas mundiais há décadas atrás, que está quase morrendo por causa da concorrência com o cinema norte-americano e a televisão local. Na França, existe uma lei que impõe a cadeias de televisão (principalmente Canal +) de financiar a produção de filmes. A simples aplicação lei do mercado teria provocado o fim da indústria cinematográfica francesa. Isso é também verdadeiro para os meios de distribuição, com o perigo até maior de seleção das obras distribuídas. O monopólio da Amazon foi o centro duma polemica há pouco tempo. Por causa de desacordo com editoras sobre o preço dos livros digitais, eles recusaram de distribuir algumas editoras, cujo era a francesa Hachette.

Não quero que seja a Amazon quem decidir o que posso ler e o que não posso ler, como a Apple decide o que pode ser instalado em seus celulares. Acho que os poderes públicos devem ter uma responsabilidade na organização da produção e distribuição das obras culturais. E não deixar isso ao mercado. E responsabilidade democrática de assegurar diversidade na produção e acesso facilitado aos bens culturais, dum jeito o mais independente possível das condições econômicas.

Uma vantagem das livrarias de rua é o conselho personalizado do livreiro (que honestamente não aproveito). O Jacques falou das opiniões dos leitores sobre a Amazon. Eu faria a comparação numa área que é mais uma exceção francesa a gastronomia. Você sabe a paixão francesa por nossos restaurantes, que podem ser considerados como lugares culturais. Aqui também temos o Tripadvisor, onde clientes podem deixar notações sobre os restaurantes. Se esses avisos podem ser uteis, nunca prevalecerão para mim os avisos dos críticos profissionais do respeitado Guide Michelin !

Para terminar sobre uma nota positiva (ta vendo Marcus !), a Internet faz que agora qualquer um pode publicar suas obras literárias ou musicais, o que acho é uma première na História. Isso deve contribuir a riqueza e diversidade da oferta cultural. A condição que os meios de distribuição sejam abertos, honestos e democráticos.

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